Nome de culto do cinema americano graças a filmes como “O Último Fôlego”, um “remake” de “O Acossado”, de Jean-Luc Godard, com Richard  Gere e Valérie Kaprisky, ou “Rock de Fogo”, uma biografia de Jerry Lee Lewis com Dennis Quaid e Winona Ryder, Jim McBride também realizou telefilmes e episódios de séries como “Sete Palmos de Terra”. Mas o seu filme de estreia foi um falso documentário rodado em 1967 com as técnicas e ao estilo do “cinéma vérité“, “David Holzman‘s Diary“, em que o argumentista e produtor L.M. “Kit” Carson interpreta o jovem cineasta novaiorquino do título, que perdeu o emprego e foi chamado para combater na Guerra do Vietname. Antes de partir, David põe-se a filmar o seu dia-a-dia, a cidade, os amigos e vizinhos, e a ex-namorada (que chama a polícia), em busca de uma “verdade” que acaba por lhe escapar.

[Veja o “trailer” de “David Holzman’s Diary”]

Armado de sentido de humor e de algum cepticismo em relação ao próprio “cinéma vérité” e ao seu programa formal e ideológico, McBride antecipa em “David Holzman’s Diary” o chamado “mockumentary”, ou documentário fingido, e as relações e o esbatimento das fronteiras entre realidade e ficção que tanto hoje se debatem. Rodada em cinco dias por 2,500 dólares, a fita só se estreou em 1973, e em 1991 foi seleccionada para ser preservada na Biblioteca do Congresso, pela sua relevância cultural, histórica e estética. Jim McBride vai estar em Lisboa para apresentar “David Holzman‘s Diary” numa sessão na Cinemateca, na quarta-feira, dia 2 de Maio, às 21.30. O Observador entrevistou-o por correio electrónico

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Como é que “David Holzman’s Diary” nasceu?
Eu estava a trabalhar num documentário como sonoplasta e montador, e a escrever em parceria uma monografia sobre “cinéma vérité”. Tinha aparecido recentemente no mercado equipamento de filmagem mais leve e um novo tipo de película mais sensível à luz, tornando possível filmar pela primeira vez em situações reais. Isto levou a muita conversa sobre a possibilidade de captarmos a “verdade” em cinema. Isto fascinava-me e parecia-me errado ao mesmo tempo. E foi assim que a ideia deste filme veio até mim. Como ele foi feito, já é uma história mais longa.

O filme é claramente influenciado pelo “cinéma vérité”. Holzman quer filmar a verdade sobre a sua vida e o mundo em seu redor, mas não consegue. Podemos dizer que você está também a troçar (embora com gentileza) do “cínéma vérité”, e a mostrar-se céptico sobre a possibilidade de captar essa verdade em cinema?
Sim, é verdade. Ambas são verdade.

Foi também influenciado pelos filmes de Jean-Luc Godard?
Sim, e muito.

[Veja uma sequência de “David Holzman’s Diary”]

Fez mais dois documentários após “David Holzman’s Diary”: “My Girlfriend’s Wedding” e “Pictures From Life’s Other Side”. Estes filmes formam uma trilogia, formal e temática?
Formam. E em 2004 rodei outro filme, uma curta-metragem, chamada “My Son’s Wedding to My Sister-in-Law”, que foi retomar as vidas de algumas das pessoas que aparecem nesses documentários mais antigos. Portanto, podemos dizer que se trata de uma tetralogia.

Depois de ter rodado dois filmes de ficção independentes, realizou o seu primeiro filme de estúdio, “O Último Fôlego”, uma versão americana de “o Acossado”, de Godard. Esteve em contacto com ele antes ou após ter feito o filme?
Eu tinha um amigo que conhecia o Godard e pôs-me em contacto com ele, para que me desse autorização para fazer este “remake”. Ele não colocou qualquer entrave. Mais tarde, conheci-o em Los Angeles e cruzámo-nos um par de vezes depois disso, mas nunca falámos sobre o meu filme. Nem tão-pouco sobre o original dele.

[Veja o “trailer” de “O Último Fôlego”]

Trabalhou em cinema e televisão ao longo dos anos 90, em filmes como “Nas Teias da Mafia” ou “Rock de Fogo”, e também em telefilmes e séries. Como avalia todo esse trabalho? Teve liberdade e meios suficientes para concretizar projectos pessoais?
Tenho orgulho da maior parte do meu trabalho, excepto das duas últimas coisas que fiz, os telefilmes “Meat Loaf: To Hell and Back”e “Relógio Humano”, que foram a razão pela qual abandonei a realização. E nunca temos liberdade suficiente: no mundo independente, estamos constrangidos pela falta de dinheiro; e no mundo mais comercial, essa liberdade é limitada pelas necessidades das pessoas com quem trabalhamos, e para quem trabalhamos. Senti-me sempre feliz quando estava a trabalhar porque era bom a usar os mecanismos da realização para expressar ideias e sentimentos. Nunca fui muito bom a convencer as pessoas a apoiar-me ou às minhas ideias.

[Veja o “trailer” de “Rock de Fogo”]

O que pensa sobre o cinema americano de hoje, o independente e o comercial? Acha que Hollywood vai sucumbir a uma “overdose” de filmes de super-heróis?
Já não vejo tantos filmes como costumava ver. Mas a tendência é que haja sempre mais maus filmes do que bons em todas as alturas, embora continuem a aparecer de vez em quando alguns mesmo muito bons. Há uns filmes de super-heróis até são bons, mas outros nem por isso.

Considera que a televisão e a net estão a dividir os espectadores, com os adultos a ficar em casa a ver séries, enquanto os adolescentes vão ao cinema ver superproduções?
Acho que a televisão e os serviços de ‘streaming’ estão a aumentar muito a quantidade e o tipo de histórias que são contadas. Eu ainda gosto de ir ao cinema e olhar para o que acontece num grande ecrã, mas essa experiência tornou-se crescentemente mais cara e mais inconveniente. Enquanto isso, os ecrãs em casa não param de ficar cada vez maiores.