Quem entra na nova casa (temporária) do Mercado do Bolhão, pela Rua de Fernandes Tomás, a primeira coisa que vê é uma vasta banca florida. Este é o jardim do Sr. Carlos, o único comerciante que montou o estaminé no primeiro piso do mercado. A razão é simples – “queria claridade para as plantas”, conta ao Observador. E não se importa nada de ser o hall de entrada do mercado, confessa, rindo-se.

É ali que se vai manter durante os próximos dois anos, tempo estimado da empreitada que vai recuperar o original e centenário Mercado do Bolhão, que fica a uns escassos 200 metros de onde está agora – o centro comercial La Vie.

O florista de 67 anos não conhece outra vida para lá desta. “Nasci praticamente ali. Desde os meus sete anos que comecei a ir com o meu pai para o mercado.” Foi lá que cresceu e viu o mercado a crescer, a mudar. Hoje, diz, está “na expectativa para ver no que é que o mercado temporário vai dar” – “Em matéria de condições, isto está muito bonito e funcional. Mas só as condições não chegam, é preciso que venham os clientes.” E essa é a tarefa mais árdua dos últimos tempos – vender. Mas a Primavera chegou e a esperança renovou-se.

Apesar da idade, teima em manter-se ativo por amor ao mercado:

“Há uns tempos, estive quase para entregar o lugar à Câmara. Só não entreguei porque as vendedoras de lá vieram ter comigo e disseram ‘Oh Sr. Carlos, se o senhor for embora, temos cada vez menos vendedores aqui e as pessoas não vêm!’. Fizeram força para eu ficar”. Agora, já não quer ir embora: “Se Deus me der vida e saúde, volto lá [ao renovado Mercado do Bolhão]”.

No entanto, o florista acha que vai ter de esperar mais do que o previsto pela Câmara –  “Se eu fosse um jovem com 18 anos, talvez acreditasse que as obras durassem dois anos. Mas com a idade que tenho, sei que não vai ser possível. Por exemplo, temos o mercado da Areosa que era para ser renovado num ano e levou cinco.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O mercado mudou, o carinho pelos fregueses não

No piso -1 do centro comercial La Vie, o mercado já fervilha. Nos mais de 5000 metros quadrados, 82 comerciantes estão prontos para fazer negócio. Uma delas é Ermelinda, peixeira de 62 anos que se orgulha de ter a família “mais antiga” do Bolhão – “Já vamos em cinco gerações, eu sou a quinta. Fui para o mercado na barriga da minha mãe, criei lá os meus filhos e estou a criar aqui os meus netos.”

A cada minuto, a conversa é interrompida pela clientela amiga que passeia pelo novo mercado: “Olá meu amor! Está muito bonita!” – um beijinho aqui, outro acolá – “Tenho aqui a pescadinha chilena que gosta”, “E as primas, como vão?”. “A nossa maneira de ser é esta.”, explica ao Observador. O carinho pelos fregueses faz parte do ofício e é por isso, adianta, “que o mercado não tem nada a ver com um shopping.”

Diz que está feliz com a mudança, principalmente depois de ter sofrido com alguns acidentes no antigo mercado. Um incêndio, em 2012, destruiu-lhe as bancadas herdadas da avó. Desde aí, o negócio complicou-se – “Perdi a maior parte dos clientes, porque não estava no correr do peixe, arranjaram-me uma banca que estava mais escondida. As pessoas nem sabiam que eu estava lá.”

Hoje, diz que o mercado está mudado, que houve muita gente que voltou aos ofícios antigos: “[O antigo mercado] estava uma bagunça, não havia flores, queria-se fazer um ramo e não havia. Viraram-se todos para o artesanato chinês, que era o que se vendia aos turistas. Agora já voltaram às origens.” Até porque, com a mudança, passou a haver um maior controlo das categorias de produtos vendidos pelos comerciantes. E já se nota, explica João, o companheiro de Ermelinda:

“Os talhos, por exemplo, agora só podem vender carne de boi, vitela e cabrito. Nem frangos, nem chouriços. A Câmara não deixa. Querem que cada estabelecimento tenha o seu próprio nicho.”

Quanto ao futuro sucesso do mercado, João é mais cauteloso: “Hoje é a novidade, hoje anda toda a gente a passear. E ainda vem aí o Marcelo. Depois de uma semana é que vamos ver como é que isto corre. Eu não tenho otimismo nenhum, mas também lhe digo uma coisa: aqui não se vai vender menos do que se vendia ali. Lá andava muita gente, mais de 99% era turistas.”

Já a dona da banca “Aninhas de Gondomar” não faz caso dos turistas. Até já fez amizades com alguns – “Ainda há pouco tempo, um turista comprou-me legumes durante uma semana inteira e antes de ir embora veio dizer-me adeus”, contou a vendedora de 73 anos. No antigo mercado, a Sra. Ana também vendia fruta. Agora, com as mudanças feitas, só vende legumes.

Tem a banca no Bolhão no seu nome há apenas 32 anos, mas “desde nova” que ia, com os pais que eram agricultores, “vender os nabos de S. Cosme (Gondomar) para a porta do Mercado do Bolhão”. Hoje, a comerciante, que acredita que “parar é morrer” está feliz com o “conforto” e a “higiene” do novo espaço. Mas não esconde alguma preocupação com a temperatura ambiente: “Com o frio está-se bem aqui. Mas para o verão, está muito calor. E os legumes, com o calor, estragam-se um bocadinho. Se eles não põem aqui um bocadinho de fresco, estamos mal.”

Na banca da “Rosinha das Azeitonas” alguns fregueses vêm visitar a vendedora e amiga de 72 anos. “Menina, gosta disto?”, pergunta um curioso a uma das funcionárias. “Das azeitonas? Ai gosto, gosto!”, responde, rindo-se. “Não, de estar aqui!”, volta a insistir. E as comerciantes respondem com um “Gostamos, gostamos” indeciso – sabem que não é na primeira manhã que vão descobrir se a mudança fez bem ao negócio.

A Sra. Rosa, dona desta banca que está no mercado há cerca de 30 anos, está contente com a nova casa: “Deram-nos uma coisa muito bonita, muito boa. Agora é ver se os fregueses vêm na mesma.” A principal preocupação é essa: ver se os “clientes mais velhotes” continuam a vir. “Para eles é mais difícil”, revela a comerciante, que não sabe se o elevador e as escadas rolantes, que dão acesso ao mercado, os vão convencer.

“O melhor mercado do mundo”

Vítor Ferreira, o dono da Salsicharia do Leandro, que está há 52 anos no Bolhão, não poupa nos elogios a Rui Moreira:

“Só este presidente é que teve coragem de fazer isto, foi preciso muita coragem. Os comerciantes do exterior estavam bem, os de dentro é que não tinham condições nenhumas. Faltava higiene, não tínhamos nem casa-de-banho. Agora estamos bem. Foi a melhor coisa que se fez nos últimos tempos.”

Tinha só 11 anos quando chegou ao Bolhão, para ser empregado numa salsicharia – “Foi no Bolhão que me fiz”, conta. Trabalhava 15 a 16 horas por dia. E, apesar da pesada carga horária, apaixonou-se pelo ofício e pelo mercado – “A menina não faz ideia de como era aquele mercado antes de abrirem as grandes superfícies. Era uma loucura. Para as pessoas passarem entre si era preciso pedir ‘com licença, com licença’.”

Mais tarde, o patrão deixou-lhe ficar o negócio. E “a loja cresceu”, com a “entrada na moda da francesinha”, explica o dono do estabelecimento famoso por produzir a salsicha fresca e a linguiça que é utilizada na maior parte das casas conceituadas de francesinhas.

No dia da inauguração do novo espaço, está com fé que a mudança atraia os jovens, que são “mais comodistas” e que “precisam de deixar o automóvel no parque” – e o Mercado Temporário do Bolhão tem 600 lugares de estacionamento. Mas de uma coisa não tem dúvidas: quer voltar. “O Bolhão é o melhor mercado do mundo.”