É o velho jogo da boa notícia/má notícia. Só que desta vez Andreas Schleicher não perguntou a nenhum dos três ministros presentes qual queriam ouvir primeiro. O diretor de Educação da OCDE começou pela boa: “Portugal tem feito um progresso incrível nos últimos 15 anos na educação.” E, depois, lançou a má: “Quanto mais um país avança, mais pessoas ficam para trás.” E estava lançado o mote para apresentar o mais recente relatório da OCDE sobre Portugal, a “Estratégia Nacional de Competências”, enquanto na fila da frente os ministros Vieira da Silva, Tiago Brandão Rodrigues e Manuel Heitor ouviam Schleicher falar sobre a educação de adultos. Faltava a notícia que faz qualquer ministro das Finanças tremer: se querem que os adultos voltem à escola, ofereçam-lhes incentivos fiscais ou financeiros.

O discurso de Schleicher fez-se de muitas recomendações — já entraremos nelas em detalhe — e uma delas pareceu ter sido bem acolhida pelos ministros, que fizeram a sua intervenção depois da do representante da OCDE. Porque nem sempre é fácil convencer os mais velhos a voltar aos estudos, Andreas Schleicher sugeriu que o governo deveria pensar em criar incentivos fiscais para convencê-los.

“Os que mais precisam de formação não a querem e temos de pensar como é que conseguimos chegar às pessoas marginalizadas que não querem voltar a aprender”, disse, apontando três eixos fundamentais para conseguir chegar a esses cidadãos: aumentar-lhes a consciência sobre a necessidade de formação, melhorar o acesso à educação e o financiamento.

Esta última ideia também aparece no relatório, no último capítulo das recomendações, totalmente dedicado a formas de financiamento da educação de adultos. Ali é sugerido que se crie um modelo de financiamento estável e orientado para a qualidade. Para isso, para além de elencar todas as fontes de financiamento disponíveis, é preciso ver como vão esses fundos chegar aos adultos que querem regressar aos estudos e às empresas que empregam essas pessoas. Sem grandes detalhes, o relatório da OCDE aponta o trilho dos benefícios fiscais e dos incentivos financeiros.

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No diagnóstico de Schleicher, uma das notas é exatamente para os empregadores que poucas vez, diz, estão interessados em apostar na formação dos seus trabalhadores. Ao avançar com um sistema de incentivos financeiros e fiscais, poder-se-ia mais facilmente convencer os empregadores a apostar na formação e os adultos a querem aceder a ela.

Manuel Heitor, ministro da Ciência e do Ensino Superior, focou-se exatamente neste ponto na sua intervenção, antes de moderar um curto debate entre empregadores e representantes de politécnicos.

“A falta de apoio dos empregadores à formação dos seus trabalhadores é um dos pontos onde Portugal mais se afasta da média da OCDE”, disse o governante, acrescentando que em muitos casos as empresas não fazem chegar a informação necessária aos seus colaboradores para interessá-los em aumentar as suas competências.

“Perceber o papel dos empregadores é um aspeto crítico que nos leva à política fiscal e de financiamento”, disse o ministro Manuel Heitor, recordando que a Europa está desde dia 2 de maio a discutir o pacote financeiro para a próxima década. “Não é possível discutir uma estratégia de competências que passe por um quadro de coesão social na Europa sem perceber a adequação do pacote de financiamento, nomeadamente no caso português, à conjugação entre os fundos nacionais e os fundos estruturais”, sublinhou.

O ministro do Trabalho e da Segurança Social voltou ao tema durante a sua intervenção. “Estamos a iniciar a discussão do quadro plurianual de programação financeira dos fundos estruturais, dos fundos europeus, e é essencial, a meu ver, que a estratégia de competências seja assumida no plano europeu e nacional como uma prioridade maior. O caminho está traçado, saibamos seguir esse caminho”, disse Vieira da Silva.

Recomendações há muitas

Durante os cerca de 40 minutos do seu discurso, o rol de recomendações de Andreas Schleicher foi longo e ocupou boa parte da sua intervenção. Também das 30 páginas do relatório, 10 são totalmente dedicadas aos conselhos da OCDE. Apostar fortemente na educação de adultos e não ficar dependente de fundos europeus para implementar mudanças na educação são apenas alguns dos exemplos.

O diretor de Educação da OCDE também frisou que se Portugal quer alcançar o sucesso económico isso só é possível através da dita aposta na educação e na qualificação dos adultos. Por outro lado, defendeu, é importante que o governo repense os conteúdos da formação: “O sistema de educação tem de chegar às pessoas e não as pessoas ao sistema de educação.”

Mas a mensagem principal de Schleicher foi apresentada com a simplicidade de uma regra de três simples: “Se há pessoas a ficar para trás, a sociedade fica dividida.” As consequências, explicou, são as óbvias. Os mais jovens estão a ficar mais qualificados que os mais velhos, e isso cria divisões na sociedade, há adultos cujo grau de competências são tão baixos que facilmente serão substituídos por robôs nos seus empregos, e país algum consegue alcançar sucesso económico e bem-estar social com uma população sem qualificações.

“Há tarefas rotineiras que estão a perder a sua importância, há um incremento da procura de trabalhadores qualificados, e continua a haver pessoas cujo nível de competências estão muito próximas daquilo que os computadores podem fazer por nós“, disse, salientando que “um dia talvez os robôs venham a fazer todo o nosso trabalho”.

Por isso mesmo, para alcançar o seucesso económico e o bem-estar social, um país não pode depender de uma mão-de-obra que possa, a qualquer momento, ser susbtituída por máquinas. A única solução, acredita Schleicher, é apostar na formação contínua ao longo da vida.

“O mundo vai continuar a mudar tão depressa quanto no passado. Antes, aprendíamos a trabalhar, mas agora aprender é o novo trabalho. É preciso continuar a aprender ao longo da vida”, concluiu Andreas Schleicher.

A partir daqui o caminho está traçado, como disse Vieira da Silva.

“É preciso fazer alguma coisa pelas pessoas que estão a meio da vida”, argumentou o estatístico alemão, que mais à frente no seu discurso considerou que “há pessoas que passam muitas horas a trabalhar, mas cuja produtividade não é alta”, para explicar uma vez mais o porquê de ser necessário apostar na formação contínua.

“Um terço das pessoas com poucas qualificações diz não querer voltar a estudar. Se ainda não perceberam, têm de perceber que ter competências é tão importante quanto beber água”, sublinhou Andreas Schleicher.