Esta sexta-feira, na sala de imprensa adjecente à Altice Arena, que acolhe diariamente centenas de jornalistas, bloggers e fãs da Eurovisão (e onde se viam pessoas enroladas em bandeiras dos mais diversos países, incluindo Portugal), o barulho tornou-se silêncio por volta das 15h20, quando a concorrente portuguesa Cláudia Pascoal surgiu nos ecrãs. Com algum atraso, refira-se, devido a um problema técnico na trasmissão do som da Altice Arena (fechada ao público no primeiro ensaio dos “big five + Portugal”, isto é, de Portugal, Reino Unido, Espanha, Alemanha, Itália e França) para as televisões. Enquanto se aguardava pela transmissão do ensaio, via-se o apresentador Pedro Granger entrevistar a comitiva de San Marino (que inclui duas bailarinas portuguesas, Joana de Lima e Carlota Carreira), não resistindo a fazer perguntas a um pequeno robô chamado Jéssica.
Foi com silêncio que se ouviu o primeiro ensaio de “O Jardim”, foi ele que imperou assim que Cláudia Pascoal, vestida com uma túnica branca e umas calças de ganga, sussurrou as primeiras palavras da canção: “Eeeeu / nunca te quiiis” — e o silêncio manteve-se até ao fim. As câmaras focavam Cláudia Pascoal com plano fechado, certamente para acentuar a emoção de um início de canção mais delicado. Só quando a música acelerou para tons eletrónicos veríamos Isaura, de pé e não sentada (ao contrário do que aconteceu no Festival da Canção), com uma t-shirt preta dos Nirvana, a acompanhar a ex-concorrente do The Voice. A canção seria ensaiada duas vezes e as palmas ouvidas denotavam aprovação dos que assistiam. Houve até um grupo de espanhóis que se dedicou a cantarolar a melodia quando o ensaio acabou. Contudo, nem todos ficaram fãs.
[As imagens do ensaio:]
Um ucraniano que torce o nariz a “O Jardim” (e a culpa é do fado)
Serhii Feschenko é um jornalista ucraniano e chegou a Lisboa há oito dias. Estava na sala de imprensa quando os ecrãs transmitiram o primeiro ensaio de Isaura e Cláudia Pascoal e não ficou particularmente entusiasmado. “É uma canção muito chata. O início antes da eletrónica é muito longo, achei uma das canções mais chatas de entre as que já ouvi aqui”.
O ceticismo contrastava com o entusiasmo de uma colega sua ucraniana, que dizia ter achado a canção “fantástica” e ter ficado maravilhada com o contraste entre “um início muito doce e delicado e um final muito moderno e eletrónico”. A palavra doce, que pronunciou em inglês (“sweet”), foi arrancada a ferros — foi Serhii Feschenko que a encontrou, para traduzir o termo ucraniano солодкий…
Talvez a culpa do ceticismo de Serhii resultasse do seu encanto com “Amar pelos Dois”, a canção de Luísa e Salvador Sobral que teve o “prazer” de ouvir o ano passado, em Kiev — foi para ele uma estreia abençoada na missão de cobrir o festival. Serhii diz que “adorou” a música, que a ouve muito pela cidade e que percebe ainda melhor agora o seu tom “romântico”. Mas há outro culpado para o ceticismo com “O Jardim”: o fado.
“No outro dia em Lisboa ouvi fado pela primeira e foi… [coloca as mãos na cabeça]. Acho que é por causa disso que agora só consigo gostar de duas ou três canções que concorrem. Por comparação, ficam muito atrás”
Um peso saído de cima dos ombros
Já Cláudia Pascoal e Isaura tinham ensaiado e feito uma conferência de imprensa coletiva — na qual a primeira revelou estar “um pouco cansada mas muito feliz”, em que as duas cantaram um dos versos da primeira canção que tinham pensado levar ao festival (“Onde estás”, também sobre a morte da avó de Isaura mas em que esta se expunha menos na letra) e na qual não vimos nem o cético Serhii nem a sua mais entusiasmada colega –, quando falaram ao Observador. Nesse último momento, Cláudia Pascoal disse sentir-se com menos peso depois do ensaio:
Estava tão entusiasmada que agora que finalmente pisei o palco saiu-me um peso em cima dos ombros. Sentir que tenho um ambiente incrível, super positivo e calmo, que me mantém também calma, foi importante”, referiu a cantora, acrescentando não sentir pressão exterior, apesar de ser a cantora anfitrião, muito devido ao “ambiente são” na sua equipa e “entre concorrentes”.
Isaura corroborou, referindo que o cansaço que sentem deve-se à auto-exigência e que a pressão são elas que a colocam: “Temos pelo menos a nossa pressão, a que pomos em nós. Tudo isto é intenso e quando as coisas são intensas vivem-se muito. Mas está a ser uma experiência que nunca me vou esquecer. Para pessoas que gostam de cantar e atuar, fazê-lo neste palco e com estas condições, para tanto público, vai ser espetacular.”
O fado, o cante alentejano, as bandeiras
“Tome lá uma credencial e um saco de Portugal”. Não era assim que era apresentado o saco entregue aos jornalistas responsáveis por cobrir o Festival Eurovisão da Canção deste ano mas quase podia ser. Afinal, o festival servirá também para ajudar a vender Portugal como destino turístico e cultural — a parceria oficial da organização com a Visit Portugal torna tudo bastante claro.
Nas paredes da sala de imprensa, vários cartazes destacavam Portugal como “o grande destino mundial” a visitar e celebravam o fado e o cante alentejano, já reconhecidos pela UNESCO como património imaterial da humanidade. No tal saco, o fado voltava a impor-se, com uma imagem de uma guitarra portuguesa — feita pela ilustradora e designer portuguesa Cristiana Couceiro — mas também exemplares dos discos Mundo, de Mariza e Moura, de Ana Moura. Não por acaso, duas fadistas e cantoras que vão atuar na final do festival, como o farão os Beatbombers, dupla nacional de DJs e produtores musicais composta por Stereossauro e DJ Ride, cujo último disco também entra nas oferendas à imprensa nacional e internacional, juntamente com um azulejo em faiança do século XIX.