“Entre Marco Silva e Paulo Fonseca? Pode ser um ou outro… O Marco já esteve num grande, no Sporting, e o Paulo Fonseca já esteve num grande, que é o FC Porto… Um ou outro pode encaixar”, comentava Paulo Futre esta quarta-feira na CMTV, a propósito das opções do Benfica para o comando técnico caso Rui Vitória deixasse a Luz no final da temporada. “E Jesus?”, perguntou o jornalista João Ferreira. “Anda aí esse rumor mas não acredito…”, atirou o ex-jogador dos três grandes. Bastou isso para que se começasse a comentar o assunto. Comentar e enterrar, pela improbabilidade, num par de horas.

Antes do dérbi, o treinador do Sporting, que cumpre a sua terceira época em Alvalade após seis anos no Benfica, volta a ser notícia. Ou melhor, continua a ser notícia. E é assim desde 28 de novembro de 2009, quando fez o primeiro jogo entre velhos rivais. Hoje, já leva 22 dérbis, com claro saldo favorável de 13 vitórias, seis empates e duas derrotas, estas já pelos leões.

Na estreia, não passou do nulo em Alvalade quando o Sporting atravessava uma fase crítica, após a saída de Paulo Bento e a entrada de Carlos Carvalhal; no segundo encontro, goleou fora os leões: mesmo poupando Aimar, Saviola e Cardozo, que começaram no banco, o Benfica ganhou por 4-1 na meia-final da Taça da Liga, hipotecando a derradeira hipótese verde e branca de ganhar um troféu nessa temporada ainda em fevereiro. Seguiram-se mais cinco triunfos, entre Campeonato e Taça da Liga, até à única derrota como treinador das águias frente ao rival: 1-0 com um penálti de Ricky van Wolfswinkel, que deixou a equipa mais longe do FC Porto na luta pelo primeiro lugar do Campeonato que seria mesmo ganho pelos dragões.

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A 21 de abril de 2013, com o Sporting a fugir àquela que seria mesmo a pior temporada de sempre do clube, Jorge Jesus teve o primeiro “confronto” com os leões… e com Bruno de Carvalho, que fazia na Luz a sua estreia em dérbis. “O Benfica ganhou o jogo porque fez dois golos e o Sporting não fez nenhum. Teve oportunidades de golo? Se calhar teve uma, na primeira parte, do Ricky, mas sem ângulo de finalização. Não vamos branquear: o Sporting mostrou que é uma excelente equipa e o Benfica ganhou limpinho, limpinho”, atirou o técnico após o triunfo por 2-0. “Saí com a nítida sensação de que estiveram em campo duas grandes equipas, mas que a outra não foi nada benéfica para o jogo. É fácil dizer que o Benfica foi mais forte na parte final, quando os nossos jogadores não contavam. Errar é humano, mas errar sempre para o mesmo lado já não. Não é fácil digerir tantos erros para o mesmo lado nem compreender como isto acontece”, disse o líder leonino na zona mista.

Bruno de Carvalho vs Jorge Jesus. Quando eles não gostavam um do outro

A resposta direta ao “limpinho, limpinho” viria uns meses depois, quando o Benfica venceu o Sporting de Leonardo Jardim na Luz por 4-3 após prolongamento na Taça de Portugal, em novembro, jogo em que Jesus referiu ter sido uma boa arbitragem. “Tenho ouvido os comentários palermas feitos pelos comentadores, pelo treinador da equipa adversária, que diz que no ano passado foi ‘limpinho, limpinho, que este ano foi uma arbitragem muito boa… Volto a dizer o que disse no ano passado: errar é humano, errar sempre para o mesmo lado já não é”, criticou Bruno de Carvalho no final do encontro. Pelo meio, ainda houve mais uma troca de “farpas”: o presidente verde e branco comentou que os encarnados não mereciam estar no primeiro lugar a seis jornadas do fim, Jorge Jesus falou em factos, estratégias, opiniões e disse que ia jogar pela qualificação para a meia-final da Liga Europa “enquanto outros estão a ver em casa”. Mais tarde nessa época, houve ainda um episódio caricato: o dérbi que foi adiado 48 horas pela falta de condições de segurança no estádio da Luz.

No Verão de 2015, tudo mudou: numa operação que muitos julgavam ser impossível, pelos valores em causa e pelo peso da rivalidade, Jorge Jesus não gostou da forma como o Benfica estava a lidar com a sua situação, nomeadamente as tentativas que rumasse para o estrangeiro, e acabou por assinar pelo Sporting. A estreia, essa, foi contra os encarnados, na Supertaça. E aí começou uma longa novela com Rui Vitória, homólogo que trocara o V. Guimarães pelo Benfica.

Jorge Jesus e o auto-elogio: “O cérebro [do Benfica] já não está lá”

“As ideias que estão no Benfica são todas minhas, não mudou nada, zero. Cheguei ao Sporting e mudei tudo, agora vou jogar contra uma equipa com as minhas ideias porque o cérebro não está lá, o treino é diferente mas tudo o resto continua”, disse na antecâmara da Supertaça, que ganharia por 1-0 com um golo a meias entre Carrillo e Teo Gutiérrez. “A minha personalidade não muda por ganhar ou perder. Penso pela minha cabeça, quando quiser respondo. Neste momento, o treinador do Sporting fica a falar sozinho, porque não me apetece falar com ele”, respondeu Vitória. Pelo meio, ainda houve a polémica das SMS que Jesus teria enviado a alguns jogadores dos encarnados. “Tudo o que se passou estava identificado por nós e nada me surpreendeu. Quero encerrar o assunto, mas deixo claro que foi tudo menos mind games, não me contem histórias”, disse o técnico das águias. “Não queria tirar o foco do jogo mas hoje digo: as mensagens não existem! Se existem, que mostrem. Se calhar foi para mascarar mas o adeptos do Benfica não são parvos”, respondeu o treinador leonino.

A rivalidade estava acesa, dentro e fora de campo mas também nos tribunais: o Benfica avançou com um processo contra Jesus, pedindo uma indemnização de 14 milhões de euros por incumprimento do vínculo, contactos com o rival no contrato e apropriação de software do clube; Jesus avançou com um processo contra o Benfica, pedindo o pagamento do último salário.

Jesus e Vitória. Histórias de quem treinou e foi treinado por eles

Em outubro, Benfica e Sporting reencontraram-se para o Campeonato, na Luz. E, antes do jogo, Rui Vitória falou no jogo de uma equipa contra 11 jogadores, “que não sei se será uma equipa”. Em  36 minutos, Teo Gutiérrez, Slimani e Bryan Ruíz deram uma vantagem de 3-0 aos leões que se manteria até final, num dos triunfos mais robustos das últimas décadas no terreno do rival. “Era fácil depois de ganhar responder, era fácil pôr o Rui Vitória deste tamanhinho [fazendo um gesto com os dedos] mas não ponho, vou respeitá-lo”, disse Jesus. No mês seguinte, novo dérbi para a Taça de Portugal, em Alvalade, nova vitória verde e branca no prolongamento (2-1). “Ser bom não é ser bonzinho, é a terceira vez que somos prejudicados com penáltis claros. Isto é a tática do barulho mas não quero ser comido de cebolada porque o Benfica merece respeito”, atirou Vitória. “Não pode queixar-se em nenhum, foi limpinho, limpinho. Foi uma grande arbitragem”, respondeu o homólogo leonino.

Nos primeiros dias de 2016, a guerra entre Jesus e Vitória escalou ainda mais, ao ponto da própria Associação Nacional de Treinadores de Futebol tentar apaziguar as coisas. Em março, nem antes nem depois da vitória do Benfica em Alvalade, que seria determinante para o tricampeonato com um recorde de 88 pontos, se voltaram a ver ataques como até aí. Nem nesse momento nem nunca mais, apesar dos reparos que os treinadores foram fazendo no final das partidas à arbitragem (no caso de Jesus, após a derrota por 2-1 em 2016/17 na Luz; no caso de Vitória, após o empate a um na presente temporada).

O bate-boca que chega ao quarto bate-campo

As coisas foram depois acalmando, com os dois treinadores a passarem ao lado de qualquer ataque à exceção de uma “farpa” do técnico leonino aos encarnados, acusando o anterior clube de ter ficado com o “disco” de seis anos de trabalho. E também fora da esfera do futebol arrancou uma nova era, depois de Jesus e o Benfica terem chegado a acordo, em fevereiro deste ano, para desistirem dos processos que tinham em curso. “A Sport Lisboa e Benfica SAD e Jorge Jesus, no processo que corre termos no Juízo de Trabalho do Barreiro, vieram reciprocamente desistir dos pedidos por cada um formulados e prescindir das custas de parte respetivas, pondo assim, com a decorrente homologação, fim ao processo”, explicava o acordo subscrito pelos advogados João Correia e Rogério Alves, que destacava ainda “o lapso de tempo entretanto decorrido e a necessidade de preservação da imagem de cada um dos protagonistas impõe que se ponha termo ao presente conflito aliviando o Tribunal do encargo de promover a Audiência Final em múltiplas sessões, necessariamente prolongadas no tempo”.

Contratação pelo Sporting. Benfica e Jorge Jesus chegam a acordo

Jorge Jesus sempre teve um especial cuidado a falar dos casos extra futebol, como se percebera pela resposta ao denominado caso dos emails“O que sei é que não mando emails nem ninguém manda para mim. Como treinador, o futebol é a minha profissão e paixão, onde os jogadores e treinadores possam, cada vez mais, ter criatividade e capacidade para criar jogos apaixonantes. Quanto aos bastidores, daqui a uns tempos vai saber-se mas passa-me ao lado. Não leio o que vem nos emails. Redes sociais, para mim, zero!”, exclamou numa conferência de imprensa antes de um jogo do Sporting, em janeiro.

Jorge Jesus não recebe emails, Rui Vitória queixa-se de ataques ao coração do Benfica

E é aqui que retomamos o início deste texto, com o tal rumor (infundado) de que Jesus poderia regressar ao Benfica. Nesta altura, o técnico que pode somar a 100.ª vitória pelos leões e que alcançará Juca em termos de jogos no comando do Sporting (156) tem mais um ano de contrato com o clube verde e branco, mas começa a sentir-se alguma pressão em Alvalade para que renove o atual vínculo, sobretudo depois do momento conturbado que se viveu depois da derrota de Madrid e dos comentários de Bruno de Carvalho no Facebook. Aliás, ainda antes da defesa pública dos jogadores após o triunfo com o P. Ferreira, o técnico terá estado ao lado do seu plantel mesmo sem entrar em choque frontal com o líder do clube. O facto de Jesus (pessoa de quem é próximo) manter contrato apenas até 2019 terá sido também uma das razões para José Maria Ricciardi ter retirado a confiança no presidente leonino, ao mesmo tempo que se demitiu do Conselho Leonino. Algo que um triunfo no 23.º dérbi desde 2009 (bem como a conquista da Taça de Portugal) poderá mudar a breve prazo.