“Oh padrinhooo, olha aqui os cachecóis…  Isto logo à noite esgota tudo”, provoca a feirante, dirigindo-se ao homem que se aproxima. “Eu sou do Benfica, não quero saber dessa porcaria para nada”, rosna em resposta o mesmo homem, pele queimada e roupa escura. “Eu sei, mas este ano é tudo nosso”, ri-se a cigana. Passam poucos minutos das quatro da tarde e a Ribeira continua igual a si própria: a cidade como um postal, debruçada sobre o Douro e de olhos postos em Gaia, casas de papel colorido para turista ver, onde só a roupa estendida a secar parece comprovar a veracidade do cenário. E os mesmos figurantes de sempre: os músicos agarrados à viola, os estudantes de capa e batina em bando, os garotos que se atiram ao rio na esperança de mais uns trocos, os dançarinos com a aparelhagem no chão e, depois, com o boné estendido, perante o olhar de júbilo de homens e mulheres enfeitados com escaldões feitos à medida do sol português. Nas bancas montadas a preceito, a bugiganga very typical — os mesmos galos de Barcelos, ao lado dos mesmos panos do Minho e das mesmas peças em cortiça — tem agora um rival à altura: pedaços de tecido azul e branco que dizem claramente ao que vêm. “Porto Campeão 2017/2018”.

As palavras de Maria — chamemos-lhe Maria — parecem premonitórias. Durante grande parte da tarde, a cidade do Porto parece ignorar a importância do dérbi que se vai jogar na Segunda Circular da capital. O calor pachorrento convida a passeios à beira-rio ou a banhos de sol improvisados nos jardins do Palácio da Bolsa. A pouco e pouco, no entanto, assim que se aproxima a hora do jogo em Alvalade, as ruas começam a ficar mais desertas, como se alguém tivesse dado o toque de recolher obrigatório.

A partir das 20h30, a cidade divide-se em duas: os wine bars e outros trendy bars pejados de turistas, indiferentes ao que se passa a Sul, entretidos com o vinho e clima portugueses; e os restaurantes, cafés e afins, todos que tivessem uma televisão ou ecrã gigante, cheios até às costuras de adeptos com o olhar vidrado na bola — a maioria, devidamente prevenida para a festa que se anuncia, com o símbolo do FC Porto ao peito e os cachecóis ao pescoço. Está tudo a pensar no mesmo.

A explosão coletiva chegou segundos depois do apito de Carlos Xistra, em Lisboa, passam poucos minutos das 22h30. Sporting e Benfica empatam a zero e entregam, em definitivo, o título aos portistas. As ruas do Porto enchem-se de um mar azul e branco, primeiro tímido, depois arrebatador. O palco é o mesmo de sempre: a avenida mais nobre da cidade.

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Quatro anos depois, os adeptos do FC Porto invadiram os Aliados e entregaram-se novamente à festa do título. Quatro anos de jejum, motivados por más escolhas, decisões erráticas, jogadores de qualidade duvidosa e, naturalmente, por adversários mais bem preparados, chegavam ao fim para as dezenas de milhares que se juntaram em frente ao edifício da Câmara Municipal do Porto e para todos os outros espalhados por todo o país.

Cantaram por Herrera, o herói da Luz, numa adaptação dos cânticos dedicados a Éder, o patinho feio da seleção que derrubou os franceses na final do Euro 2016. Exultaram por Marega, jogador revelação (e revelação é dizer pouco) dos azuis e brancos. Choraram com Sérgio Conceição, o treinador que pegou num plantel low-cost e fez dele campeão nacional. E, claro, não esqueceram Pinto da Costa, o homem que transformou o clube no que ele é hoje. “O campeão voltouuu”, gritaram os portistas a plenos pulmões, libertando-se de um borrego que parecia cada vez mais resiliente.

Foi a primeira noite de uma festa anunciada. Este domingo, o FC Porto enfrenta o Feirense já como campeão nacional. Os festejos (re)começarão aí e vão regressar aos Aliados, agora já com uns jogadores em perfeita comunhão com os adeptos. Esta noite, com os portistas na rua, só faltou mesmo a equipa. Amanhã, não será assim.