No pico do calor, em julho e agosto, as temperaturas em Besmaya podem chegar aos 64 graus ainda a meio da manhã. Para isso, o major Bruno Esteves já tem solução: “Começar a treinar muito cedo, levantar às 3h45 da manhã, 4h30 tomamos o pequeno-almoço e às 5h30 já estamos no local para ministrar a instrução” às tropas iraquianas, diz ao Observador, na Base Aérea Nº6. É quase meia-noite de quinta-feira, a força portuguesa de cerca de 30 homens está a minutos antes de partir para seis meses de missão no Iraque.

Depois das 11h, não há formação para ninguém. “Vamos para um teatro de operações com um clima agreste, neste caso, com temperaturas elevadas e, por isso, toda a task force tem de se reorganizar”, explica o militar que vai comandar o treino dos militares iraquianos que combate o Estado Islâmico. As condições meteorológicas são uma das dificuldades que o major aponta à cabeça. A seguir, na lista de preocupações com o se poderá deparar no teatro de operações, Nuno Esteves aponta as frágeis capacidades dos homens que vai treinar.

O que é que pode causar danos colaterais nas nossas forças?” O major responde à sua própria pergunta: “É o fratricídio”. Rapidamente se percebe a importância de formar aqueles militares.

O Iraque continua em convulsão. O país decretou guerra às células do Estado Islâmico e o esforço que esse combate exige aos militares iraquianos obrigou a que todos dessem o seu contributo. “Quando se está em guerra, tem de se baixar o nível de recrutamento e todas as pessoas são válidas”. Válidas, sim. Mas, preparadas para combater?

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Bruno Esteves está encarregado de comandar, no terreno, a formação das forças iraquianas. Não é certo quantos homens vão passar pelas suas mãos e pelas dos cerca de 30 militares portugueses (11 oficiais, 16 sargentos e 3 praças) que com ele seguem para o Iraque — possivelmente, serão algumas centenas. As idades vão dos 20 aos quase 50 anos. O nível de preparação, em alguns casos, é penoso. Sobretudo considerando que estão em causa militares que, em muitos casos, chegam ao treino já depois de terem travado combate com os terroristas.

O nosso desalento passa pelo facto de, por vezes, termos perante nós militares que vêm da frente de combate e que não sabem fazer pontaria correta com uma arma”, explica o major.

Porque, por pior que seja a sua capacidade de tiro, é um militar que pode atirar. “Pode não inflingir dano mas, pelo menos, está a colocar uma força do outro lado”, uma força que o inimigo “tem de se empenhar para destruir”. É aí, no reforço das capacidades dos militares iraquianos, que se espera um verdadeiro impacto do trabalho luso.

“Temos a experiência de seis contingentes e é para isso que vamos para lá, para dar formação e princípios básicos que eles talvez não tenham”, explica o militar português. Para que as forças iraquianas, se tiverem de voltar à frente de combate, o façam com o mínimo de preparação.

As linhas vermelhas da missão

Bruno Esteves é o homem do terreno, do contacto direto com os iraquianos. Hélio Patrício é o homem do planeamento. Vai integrar o Comando da Componente Terrestre da Força Internacional.

Em Bagdade, no Camp Union 3, o tenente-coronel vai chefiar um grupo de quatro militares — europeus e norte-americanos — e terá a missão de “coordenar e planear a instrução para Besmaya”, onde se instalou o grupo de Bruno Esteves, e outros três campos de treino no Iraque.  Vai preparar a “formação no âmbito tático, de armamento, de tiro e formação de planeamento de companhia e pelotão”. Sobretudo, treino de tiro.

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No quartel-general, Hélio Patrício está resguardado, distante da insegurança que continua a sentir-se nas ruas. Vou estar no quartel-general, mas, no âmbito da força, eles vão dar formação num ambiente seguro e têm uma força de proteção”, sublinha. Ainda assim, há cuidados a ter.

Sabemos para que teatro vamos e as coisas que lá acontecem, mas temos formação e estamos preparados para dar a formação correta, conhecemos as regras de empenhamento, o que devemos e não devemos fazer”, diz ao Observador.

Onde está o limite? O que foram aconselhados a não fazer? “Coisas que nos ponham em risco”, generaliza, assinalando que “o bom senso” costuma ser bom conselheiro nestas incursões. “Temos aspetos culturais relacionados com a audiência dos nossos treinos”, concretiza um pouco mais o tenente-coronel. “Eles são sensíveis em muitas áreas e estamos cientes [dessas fronteiras], tivemos alguns briefings de sensibilização cultural que são importantes nesta área”. Mais não diz.

Resguardado dos riscos do terreno, o responsável tático pelo treino dos militares iraquianos admite, contudo, que se possa deparar com algumas dificuldades inesperadas durante a missão — é isso que lhe chega de quem já esteve no terreno e conhece o dia-a-dia de uma missão a mais de 4,8 mil quilómetros de Lisboa (e a mais de seis mil quilómetros de Ponta Delgada, onde os militares portugueses fizeram o aprontamento).

“Ali, trabalha-se para a instrução, mas, por vezes, quando está a decorrer uma operação, é preciso algum planeamento, e somos desviados para ajudar noutras áreas”, explica o militar. “Isto poderá representar alguma dificuldade, porque estamos focados na nossa missão para trabalhar na instrução e temos de trabalhar em operações” no terreno.

A missão é de seis meses. Em novembro, devem voltar a ser rendidos. Nesse momento, mais de dois mil militares iraquianos já terão passado pelos treinos da força portuguesa.