Além de Isaura e Cláudia Pascoal, há outra dupla portuguesa a concorrer ao Festival Eurovisão da Canção deste ano. As bailarinas Joana Lima e Carlota Carreira, de 23 anos, foram recrutadas pela delegação de São Marino para dançar na Altice Arena o tema “Who We Are”, cantado pelo duo Jessika Muscat (nascida em Malta) e Jenifer Brening (alemã). Atuam esta quinta-feira, 10, na segunda semifinal do festival. “Não estávamos à espera de receber este convite e que nos proporcionassem a oportunidade de podermos dançar ao vivo numa semifinal, concorrendo por um país”, diz Carlota Carreira, em entrevista ao Observador.

Quando soube que tinha sido escolhida, chorei de alegria. Sinto um orgulho enorme por fazer parte disto. Quando chegámos aqui e vimos o palco foi uma coisa…”, conta ainda a bailarina. A colega Joana Lima corrobora: “É uma oportunidade que se calhar não teremos nunca mais. Não sabemos, talvez até possamos voltar a participar de futuro, em outro país. Mas em Portugal, enquanto bailarinas portuguesas, pedirem-nos para fazer um trabalho com esta dimensão é inacreditável”.

Carlota Carreira e Joana Lima serão as únicas bailarinas portuguesas a integrar uma comitiva internacional e a pisar o palco da Eurovisão. De portugueses, além delas e, claro, da delegação nacional de Isaura e Cláudia Pascoal, também o cantor Ricardo Soler estava escalado para atuar nas semifinais. Soler integrou o coro que fez as vozes secundárias do tema “Nobody But You”, do austríaco César Sampson, que se apurou para a final do festival esta terça-feira. Rui Andrade, Salomé Caldeia, Sandra Andrade e Hugo Baptista também participaram na primeira semifinal, pelo Azerbeijão, não conseguindo o apuramento.

Como as duas portuguesas foram escolhidas para dançar por São Marino é uma história longa que prontamente resumem. Tudo começou com um processo de stand-ins, uma espécie de casting em vídeo em que tinham de provar ser capazes de dançar todas as coreografias do festival (participaram, nesse processo, 14 portugueses, sete rapazes e sete raparigas). “Esse processo foi basicamente ficarmos a olhar para um iPad ou para um telefone, vermos o vídeo que nos mandaram e aprender as coreografias até ao dedo mindinho, porque nas câmaras faz diferença se levantas um dedo mindinho ou não”, conta Joana Lima. “Essa foi a parte mais cansativa”, refere a colega.

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[Um vídeo de um ensaio das representantes de São Marino, no qual participaram as bailarinas portuguesas:]

“Os vídeos são mandados às delegações de cada país. Não sei muito bem como foi, se olharam e disseram: quero esta pessoa… É engraçado, a Carlota não fez o stand-in de São Marino. Mas entretanto eles quiseram duas bailarinas e chamaram-na também”, conta Joana Lima.

O stage manager, que se chama Marvin e está encarregue de tudo o que acontece no palco, foi bastante direto connosco, disse mesmo: olhem, a delegação de São Marino quer duas bailarinas para fazer parte da atuação e vocês são as pessoas que nós queremos”, refere Carlota Carreira.

Os ensaios das duas começaram há um mês e uma semana, a 3 de abril. Foi aí que aprenderam as coreografias preparadas por cada país. Só souberam que iam participar enquanto bailarinas de São Marino há uma semana. “Também já sabíamos tudo”, dizem, embora de semana para semana e de ensaio para ensaio as mudanças fossem surgindo: “Acontecia haver países cuja coreografia já tínhamos decorado e que depois alteravam um bocadinho e tínhamos que decorar tudo outra vez, porque o objetivo era fazermos o mais parecido com o que eles queriam. Também foi por isso que gravámos vídeos no palco para eles terem uma noção de como o número deles ficava [quando feito na Altice Arena]. Mesmo a nossa coreografia já sofreu imensas transformações desde as primeiras indicações.

Quase não dormíamos, tínhamos ensaios desde muito cedo até muito tarde. E não houve um dia em que eu não saísse da cama mesmo com vontade de ir trabalhar. Foi um mês muito cansativo mas que nos deu muito prazer”, aponta Joana Lima.

“Dizemos que fomos convidadas por São Marino e as pessoas perguntam-nos: isso fica onde?”

A missão das duas bailarinas — e de toda a comitiva de São Marino — não se afigura fácil. Os apostadores profissionais estão pessimistas quanto às probabilidades do país conseguir o apuramento para a final do festival (que este ano acontece em Lisboa, devido à vitória de Salvador e Luísa Sobral em Kiev, no ano passado) e Joana Lima e Carlota Carreira reconhecem o desafio. “É difícil porque são 43 países a concorrer. E há países que levam vantagem só pelo nome [além do anfitrião Portugal, cinco potências europeias — França, Alemanha, Itália, Reino Unido e Espanha — apuram-se diretamente]. São Marino não é um país muito influente na Europa.”

[Carlota Carreira e Joana Lima — as duas vestidas de preto na imagem — vão representar São Marino no festival:]

Dizemos que fomos convidadas para participar por São Marino e as pessoas perguntam-nos: hã? Isso fica onde?”, ri-se Carlota Carreira.

Quanto às probabilidades de passagem, Joana Lima diz o seguinte: “Eles [a comitiva] têm noção que há muitos números teoricamente mais fortes. Também já concorremos em programas de televisão [nomeadamente o programa “Achas que Sabes Dançar”] e sabemos que às vezes basta haver maior divulgação de este ou aquele concorrente para isso influenciar um pouco o público — e acho que São Marino está um bocadinho apagado do radar”.

A participação, contudo, já é uma vitória. Esse é um slogan habitual mas que, pelo ambiente que as portuguesas observam nos ensaios, na Eurovisão justifica-se. “Toda a gente da comitiva está contente com a música e com o número que estamos a preparar. Mas acho que todos os países estão assim. Isto é mais uma festa do que um concurso, na verdade. Pelo menos eu sinto isso. É engraçado ver artistas a juntarem-se e cantarem a música de outros países, o ambiente é bom”.

[As duas portuguesas na conferência de imprensa de São Marino, após um dos ensaios para o Festival da Eurovisão:]

O bom ambiente reina também na comitiva de São Marino. As duas portuguesas contam que os dois ensaios feitos com as cantoras que vão representar o país, já em Lisboa, correram bem e que fizeram um outro ensaio no hotel em que Jessika e Jenifer Brening estão hospedadas. “Estivemos a trabalhar a coreografia lá numa salinha e agora está uma versão um bocadinho diferente da que tínhamos inicialmente. Mas eles estão super contentes, tem sido muito bom ver a felicidade e a satisfação deles”.

Do “Achas que Sabes Dançar” ao pós-Eurovisão

Joana Lima, nascida no Porto e Carlota Carreira, lisboeta, ganharam quando participaram no concurso “Achas que Sabes Dançar?”, em 2015, mas as duas começaram cedo a dançar, Joana com três anos e Carlota com cinco. A primeira acompanha, atualmente, os cantores David Carreira e Virgul, em palcos nacionais e interancionais. Carlota, por sua vez, está a regressar de um interregno de dois anos, em que deixou a dança e se tornou hospedeira aérea.

Fiz uma pausa durante dois anos para ser assistente de bordo. Fui viajar pelo mundo durante dois anos, ver o que queria ver e sair um bocadinho deste meio para poder voltar mais tarde. É isso que está a acontecer agora, acabei de voltar. Fui tentar ser outra coisa mas no final do dia sentia que faltava alguma coisa. Podia estar a viver melhor, com melhores condições financeiras e tudo o mais mas não era totalmente feliz”, refere Carlota, que estudou dança durante oito anos no Conservatório Nacional.

Uma e outra sempre quiseram ser bailarinas, embora Joana Lima conte, a rir, que “houve ali uma fase no meu segundo ano de escola em que queria ser cabeleireira de cavalos”. A Eurovisão será uma porta de entrada para novos projetos? “Ainda é cedo para dizer”, responde a mesma bailarina. “As pessoas vêm com muita curiosidade dizer-nos que sabem que já estamos a fazer a Eurovisão e quando eu lhes falava em stand-ins ninguém percebia”, atira.

A experiência de participação, essa já ninguém lhes tira. “Participar numa coisa desta dimensão quando ela acontece em território português é super marcante. Somos os anfitriões e estou super orgulhosa e feliz de estar aqui. Só tenho imensa pena que esteja a acabar, que já faltem poucos dias. Estamos aqui, está a ser tudo magnífico e de repente ‘amanhã’ acordamos e acabou tudo. Mas foi fantástico, está a ser um máximo”, remata Carlota.

[Editado às 17h52 do dia 09/05/2018 com a inclusão do nome dos quatro portugueses que participaram na semifinal pelo Azerbeijão]