“Anon”

Se há filmes que pecam por ser demasiado demonstrativos e explicativos, com outros passa-se o contrário. É o caso de “Anon”, o policial de ficção científica de Andrew Niccol (“Gattaca”), ambientado num futuro próximo em que se abdicou de toda a sua privacidade em nome do combate ao crime. Através do que parecem ser nano-implantes cerebrais, todos as movimentações e actos das pessoas são seguidas e gravadas pelas autoridades, que assim monitorizam em permanência não só a sociedade no seu colectivo, como também cada cidadão individualmente, naquilo que é uma distopia de vigilância virtual contínua e omnipresente. O filme nunca elucida como funciona esta tecnologia ou como se chegou a ela, e se as pessoas autorizaram a sua instalação e activação ou foi o Estado que a impôs de forma discricionária. (Ela permite também que as pessoas façam com a mente o que dantes faziam usando os telemóveis e os computadores).

Neste mundo, o anonimato e a eliminação das “pegadas digitais” dos cidadãos constituem crimes severos. Clive Owen interpreta um detective que investiga uma série de assassínios que terão sido cometidos por uma “hacker” sem identidade (Amanda Seyfried), que ganha dinheiro apagando os registos pessoais de criminosos de todo o tipo ou de cidadãos comuns que cometeram pecadilhos. “Anon” apresenta um conceito narrativo aliciante, embora o exponha de forma difusa e desconjuntada, deixando o espectador em défice permanente de explicação, e tenha um ritmo irremediavelmente narcoléptico. Owen e Seyfried pouco mais fazem do que picar o ponto das suas presenças.

“Cuidado com a Mamã e o Papá”

Aqui está um sério candidato ao título de Melhor Pior Filme do Ano (ou não tivesse no elenco Nicolas Cage aos urros e aos pinchos e armado de uma moto-serra). De repente, os pais de um subúrbio igual a muitos outros de uma grande cidade americana desatam a matar os filhos (percebe-se depois, pelas televisões que vão aparecendo em várias cenas, que o mal é nacional). Brent Ryan (Cage) e a mulher Kendall (Selma Blair) não são excepção, atirando-se aos seus dois descendentes, Carly, uma adolescente com todos os defeitos irritantes da sua idade, e Josh, um rapaz mais miúdo que gosta de pregar partidas de muito mau gosto. E é precisamente por eles serem assim que este filme, escrito e realizado por Brian Taylor com a subtileza de quem manipula um martelo pneumático numa obra, não consegue mobilizar a nossa simpatia para com os Ryan mais novos.

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As coisas vão piorar ainda mais em termos de subversão selvática das relações progenitores-filhos, quando chegam os pais de Brent, que vinham jantar lá a casa. A intenção de Taylor terá sido fazer uma metáfora em registo grotesco e negro sobre a disfuncionalidade da família nuclear americana, e a dissolução dos laços mais elementares que unem os seus membros. Mas tudo o que eu consigo ver é um filme de terror insondavelmente ridículo e embaraçosamente inepto. Uma coisa é certa: entretenimento familiar é que “Cuidado com a Mamã e o Papá” não é.

“Frantz”

Rodado a a preto e branco com ocasionais assomos de cor, este filme de François Ozon passa-se pouco depois da I Guerra Mundial, entre a França e a Alemanha, e é falado em francês e alemão. Tem na origem uma peça pacifista de Maurice Rostand, “L’homme que j’ai tué”, adaptada do romance homónimo do mesmo autor, filmada por Ernst Lubitsch em 1932 em “O Homem que Eu Matei”. Ozon manteve-se fiel à história mas decidiu prolongá-la, criando uma segunda parte que não existe nem na obra de Rostand, nem na fita de Lubitsch, o que lhe permite pôr em cena temas que lhe são queridos e conhecidos de filmes anteriores, tornar a trama mais complexa, romanesca e dramática, para lá da simples mensagem de apelo à paz e à concórdia entre os povos que é a razão de ser da peça e do filme anterior, e refinar o retrato psicológico das personagens principais.

Anna (Paula Beer) vive com aqueles que iriam ser os seus sogros numa vila alemã onde a guerra levou muitos dos jovens e deixou marcas visíveis e invisíveis nos que sobreviveram. Faz o luto por Frantz, o seu noivo, morto nas trincheiras, e todos os dias vai pôr flores na sua campa (vazia, já que o corpo do rapaz ficou no campo de batalha, em França) e recolher-se junto dela. Um dia, Anna descobre um jovem francês muito comovido à beira da sepultura de Frantz e a pôr-lhe flores. Chama-se Adrien Rivoire (Pierre Niney), é músico e também foi soldado, e conheceu Frantz antes da guerra, quando este estudou em Paris, tendo ficado amigos. É um rapaz educado, culto, sensível e pacifista, características que partilhava com Frantz, e a rapariga leva-o a sua casa para conhecer os pais do morto. “Frantz” foi escolhido como filme da semana pelo Observador e pode ler a crítica aqui.