Dez anos depois, recuperar as imagens do último minuto de Rui Costa como jogador profissional ainda consegue mexer com os sentimentos de qualquer apaixonado por futebol É lá que recordamos pormenores que hoje dificilmente alguém se lembraria (por exemplo, que o jogador que entrou para o seu lugar no final do encontro com o V. Setúbal foi o médio Binya), é lá que percebemos como o desporto-rei consegue deixar de lado cores e sentimentos quando o que está em causa é um bem maior. Ou, naquele caso, o adeus ao bem maior. Poucos jogadores tiveram a capacidade de marcar gerações como o número 10 do Benfica, do Fafe, da Fiorentina, do AC Milan e da Seleção Nacional. E provavelmente nenhum se recusou a ver as imagens do adeus.

“Há pouco quando me lembrei do último dia a lágrima ainda veio aos olhos. E posso até dizer que nem gosto muito de rever as imagens desse último dia. Há muitos vídeos na Internet, no Youtube, de reportagens da minha despedida, mas confesso que não vejo nunca. Na altura, logo no início, havia muita gente a querer mostrar-me as imagens e nunca as quis ver. Se ainda me emociono? Muito, muito mesmo. E já lá vão dez anos…”, partilhou numa entrevista ao jornal A Bola (conteúdo fechado).

Desse dia 11 de maio de 2008, que o Benfica fez questão de assinalar nas suas plataformas de comunicação através de um vídeo, Rui Costa admite um misto de sensações, ao mesmo tempo que chegou a pensar depois de arrumar as chuteiras que poderia ainda estar nos relvados. “Desse dia [da despedida] guardo dois tipos de sensações: uma de enorme tristeza de deixar os relvados, nunca é fácil tomar essa decisão e esta é das mais duras que um jogador tem de tomar… Por outro lado, recordo a enorme satisfação que aquele dia me proporcionou: a ter de deixar, nada melhor do que aquele quadro, a jogar pelo Benfica, no estádio da Luz, com 55 mil pessoas nas bancadas e num final de época em que o Benfica até acabou em quarto e eu senti muito que aquelas pessoas estavam ali pela minha despedida”, salientou, acrescentando: “Essa nostalgia, acabou por surgir mais tarde: numa altura em que a equipa estava bem, no primeiro ano como diretor, dei comigo a pensar ‘Bolas, ainda podia estar ali no meio deles’. Isso surgia sobretudo num jogo mais importante da Liga dos Campeões, num dérbi, num clássico, num jogo da Seleção. Não direi que sentia arrependimento, mas sentia pena por não poder estar”.

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Recordando as muitas reações após a despedida, o antigo internacional português detalhou um pormenor que o emocionou na despedida e falou ainda da sua principal referência: Paolo Maldini. “Ainda agora o Pirlo acabou e parece que com ele acaba um bocado de nós todos que jogámos com ele. Quando acabei senti que, se calhar, alguma coisa boa no futebol consegui para merecer todo aquele carinho que me foi manifestado. O meu último jogo foi com o V. Setúbal e lembro-me de passar pela zona onde estava a claque do Vitória que tinha um cartaz a dizer ‘Os campeões não têm cor, obrigado Rui’. Tudo isso é inesquecível, é de lágrima no olho”, frisou. “Ter estado no AC Milan naquela altura foi para mim uma felicidade enorme, onde acabo por jogar cinco anos com o Maldini que considero ter sido uma referência máxima na minha carreira pelo enorme jogador, como é reconhecido mundialmente, pela liderança como capitão, pela capacidade humana, por tudo”, destacou.

Sobre a Seleção Nacional, onde viveu também grandes momentos da carreira como o triunfo no Campeonato do Mundo Sub-20 em 1991, Rui Costa centra a conversa num pontos para si inesquecível: ter feito parte de três gerações marcantes. “Na anterior à minha, na passagem de miúdos para a Seleção, com jogadores de enorme qualidade como o João Pinto do FC Porto, Rui Águas, Vítor Paneira, Oceano; depois a minha, com Figo, João Vieira Pinto, Fernando Couto, Paulo Sousa, Vítor Baía, Pauleta, Ricardo Carvalho e tantos outros que marcaram o futebol português; depois ainda apanho a geração seguinte já com Cristiano Ronaldo, Nuno Gomes, Simão Sabrosa, Deco, Costinha. Foi um orgulho enorme fazer parte deste ciclo”, recordou.

Por fim, as diferenças no futebol uma década depois. E uma ideia de quem ficou conhecido como Maestro por atuar como puro número 10: “A única coisa que tenho pena e que lamento é que não haja aquilo que nós considerávamos como o futebol de rua, que era um estilo que trazia muita espetacularidade ao futebol profissional. O futebol hoje é muito mais mecânico, mais estudado, menos criativo. Vamos diretamente ao caso da posição em que eu jogava, o número 10 – existem, o que não existe é a posição 10. Os jogadores existem e o povo adorava os números 10, queriam ver aquele tipo de jogador habilidoso que conduzir o jogo, o playmaker, o jogador que criava e mandava no miolo, como então se dizia. A posição é que já não existe”.

Aos 46 anos, Rui Costa, atual diretor desportivo do Benfica, admite que não sabe o que lhe reserva o futuro. Do passado fica um dos maiores currículos de sempre de jogadores nacionais: após ter começado no Damaia Ginásio Clube, chegou com apenas nove anos ao Benfica (onde fez toda a formação), esteve um ano emprestado ao Fafe (1990/91), saiu para a Fiorentina em 1994 onde passou sete épocas, jogou cinco temporadas no AC Milan (2001-2006) e acabou a carreira com dois anos ainda na Luz. Ganhou um Campeonato Nacional e uma Taça de Portugal pelos encarnados; duas Taças e uma Supertaça de Itália em Florença; e uma Liga dos Campeões, um Campeonato, uma Taça, uma Supertaça de Itália e uma Supertaça Europeia pelos rossoneri. Na Seleção, além de ter sido campeão mundial Sub-20, chegou à final do Europeu de 2004 em Portugal (derrota com a Grécia) e ficou nas meias no Euro-2000, na equipa ainda hoje considerada por muitos como aquela que melhor futebol praticava. Mas, currículo à parte, Rui Costa foi muito maior do que isso. E assim continua, dez anos depois.