Está tudo preparado para o último arraial. Os estendais improvisados em que esvoaçam cachecóis vão ficando vazios, há música, sol, (muita) cerveja… E um mar azul e branco espera o começo da partida de futebol, exibida num enorme ecrã mesmo em frente à Câmara do Porto e noutros seis ao longo da Avenida dos Aliados.

Assim que soa o apito inicial, é como se a avenida fosse uma extensão do estádio D. Afonso Henriques. Aos cânticos que a claque entoa a quilómetros de distância, sobrepõem-se as vozes de quem ficou por cá. Mas a gritaria é sol de pouca dura porque, assim que o jogo ganha ritmo, os cachecóis e as bandeiras descem e os olhos colam-se ao ecrã – apesar de o Campeonato estar ganho, não há adepto que não ambicione outra vitória, no dia em que a taça vai ser levantada na varanda da Câmara 19 anos depois. É por isso que todos levam as mãos à cabeça quando Rafael Martins falha a primeira grande oportunidade do encontro, na primeira parte, e quando aos 52 minutos Maxi Pereira dispara para defesa de Miguel Silva.

Mas a ânsia chegaria rápido ao fim – aos 69 minutos, a voz da multidão levanta-se em uníssono para festejar o cabeceamento fulminante de Marcano, que resultou no primeiro e último golo da partida.

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Incansáveis e vestidos a rigor

Esta já é a terceira grande festa desde que o FC Porto se sagrou campeão no sofá, com o empate no dérbi lisboeta em Alvalade, mas não é por isso que os adeptos desleixam a indumentária. E não há melhor exemplo do que Natália. É muito fácil encontrá-la por entre a multidão: basta procurar a mulher que traz um de vestido de gala feito a partir de cachecóis. Com um sorriso aberto, a portista de 49 anos conta que foi ela quem o coseu, depois de ter sonhado com um semelhante. Agora é um dos rituais mantém quando o seu clube é campeão, celebração a que nunca falta: “Vou sempre para os Aliados ou para Alameda, sempre, sempre. Tinha filhos pequeninos que agora já são homens e eles estiveram sempre aqui na festa.”

Uns metros abaixo está César, apenas mais um dos pontos azuis e brancos da onda que vai engrossando à medida que entardece. Às cavalitas, traz o seu filho de dois anos, que sorri animado pelos vários hinos cantados a pulmões cheios. O pai de 32 anos esteve no Dragão, no passado domingo, para festejar com os jogadores. Está orgulhoso pelo seu clube “voltar à mesma rotina” e, com uma pronúncia do norte imponente, desfaz-se em elogios a Sérgio Conceição, que “conseguiu que a equipa voltasse a ter a mesma raça e ambição e voltasse a jogar ‘à Porto’.” Hoje, anseia ver a taça naquela varanda de novo e não esconde o ressentimento para com Rui Rio, que manteve o clube afastado dos Paços do Concelho, mesmo depois de ter vencido uma Liga dos Campeões e duas Ligas Europa. Nem Jorge, nem Pedro, nem Francisco eram nascidos quando o FC Porto levantou a taça na Câmara pela última vez. Mas o amor, esse, é inato. “É uma parte do meu coração o nosso Porto, car****”, atira um deles.

Ao longo da tarde, com o sol ainda alto, subiriam vários nomes ao palco, como Marante, Jimmy P e Mundo Segundo. Mas as verdadeiras vedetas do dia chegariam de autocarro – e só às 22h. Pouco antes, já não havia quem conseguisse furar por entre os adeptos que tentavam, todos, aproximar-se da passerelle onde desfilariam os jogadores.

19 anos depois, o regresso à Câmara (e a Medalha de Honra)

A noite está fria, mas não há quem arrede pé (estima-se que tenham marcado presença no momento cerca de 250 mil pessoas). Há balões presos por fios que se assemelham a luzes de Natal e tochas, muitas tochas vermelhas. Mas, assim que se vê o topo do autocarro, outra coisa se levanta: milhares e milhares de telemóveis.

Durante hora e meia, o microfone do autocarro roda por entre os jogadores, que vão perdendo a voz. Já os adeptos, esses, não a perdem nunca. E o silêncio só se instala quando, já depois de toda a comitiva entrar na Câmara, Pinto da Costa se chega ao microfone para agradecer a Medalha de Honra da Cidade, que acabara de lhe ser atribuída.

“Amo o Porto desde os primeiros momentos da minha vida. 19 anos sem vir à Câmara foi muito tempo. Encontrámos as portas fechadas. Hoje, como em 1999, temos à nossa frente um homem [Rui Moreira] que gosta do FC Porto e que, acima de tudo, ama a cidade do Porto”, diz, visivelmente emocionado. E arranca um aplauso do mar azul e branco.

“Foi muito merecida, a medalha. O Pinto da Costa é um grande presidente. Não existe no mundo ninguém igual a ele, ninguém. Venha quem vier.” Quem o diz é Júlia, de 61 anos, de cachecol ao pescoço e bandeira à costas. Está desde as 10 da manhã no mesmo sítio, apoiada nas grades, muito perto da passerelle. Não come desde que chegou, mas não se importa. Custaram bem mais os anos ‘a seco’, diz a adepta – “Isto era a coisa de que mais precisávamos.”

Já Diogo, de 25 anos, vê nesta vitória algo mais: “Com tudo aquilo que tem acontecido neste ano – o caso dos emails, das toupeiras – vencer este título é como uma luta contra o sistema, contra o poder centralizado.”

Os jogadores chegam ao palco, finalmente

Depois do fim dos discursos no interior da Câmara, de novo a espera. Mas, se se esperou 19 anos por este momento, o que são mais uns minutos? Maria Amélia Canossa chega, entretanto, a palco, para cantar o hino dos portistas. E é ao som da canção, já gritada vezes sem conta ao longo da tarde, que Herrera ergue a taça brilhante na varanda da Câmara.

Pouco antes da meia-noite, meia hora antes do previsto, os jogadores chegam ao palco, vestidos a rigor e com o 28 impresso nas camisolas, número referente ao títulos nacionais já conquistados pelo clube. Um a um, os 30 os campeões nacionais percorrem a passerelle para falar aos adeptos. Marega, Brahimi e Telles elevam os gritos dos adeptos. Mas foram o capitão da equipa, o treinador e a equipa técnica os brindados com aplausos ensurdecedores. “Somos Porto, car****”, articula Herrera, num espanhol que já é um pouco portuense. E Sérgio Conceição, o herói unânime, que rompeu o maior jejum sem títulos na era Pinto da Costa e conseguiu igualar a melhor marca de pontos de sempre no Campeonato, emociona-se.

Na última roda do ano, os foguetes são lançados – os últimos da noite. E os portistas começam a dispersar. Mas a festa, essa, ainda vai durar. Nos metros apinhados, nos carros que apitam sem parar, no caminho a pé até casa. Três dias de festa pareceram pouco – a saudade já apertava.