Numa entrevista realizada semanas antes de José Sócrates se ter desfiliado do PS na sequência do agudizar de pressões internas, Daniel Proença de Carvalho, que recusa ser rotulado de “o advogado dos poderosos”, afirma em entrevista ao jornal Eco que “todos os dias as pessoas se pronunciam sobre a culpabilidade ou não sem terem conhecimento das provas que existem”. O tema da conversa não era José Sócrates, mas também se aplica: “Há opiniões preconceituosas e pré-formadas, justamente porque têm por detrás dessas opiniões motivações que não são propriamente conhecimento de factos e provas, são motivações políticas”, diz.

Questionado sobre se as “perseguições injustas a poderosos” a que se referiu no decorrer da entrevista diziam também respeito a José Sócrates, Proença de Carvalho não rejeitou a ideia. “Eu não quero pronunciar-me [sobre esse caso] porque não conheço os factos, nem as provas. Por alguma razão quis ser advogado e não juiz. Mas vejo muita gente, com grande leviandade, a emitir opiniões sobre a inocência ou culpabilidade de pessoas”, diz.

Necessariamente que nas opiniões que eu vejo por aí, é sempre assim ao longo da história, há opiniões preconceituosas e pré-formadas, justamente porque têm por detrás dessas opiniões motivações que não são propriamente conhecimento de factos e provas. Não são opiniões, no fundo, isentas, objetivas, e de conhecimento dos factos e das provas. São opiniões que têm na sua base motivações políticas”, afirma ainda sobre o mesmo assunto.

Sem se centrar no caso de José Sócrates, Proença de Carvalho dá o exemplo do ex-presidente brasileiro Lula da Silva: “Quando se trata de pessoas com muita notoriedade, emitem-se juízos apriorísticos porque a paixão das pessoas é assim. Para pessoas que sempre foram adversários do Lula, essas pessoas à partida acham que ele é culpado e, à partida, regozijaram-se com a sua condenação. Para os outros que acham que ele foi um grande político, que beneficiou os desprotegidos, que acham que ele foi uma grande personalidade, pelo contrário, consideram que isto é uma perseguição política. No fundo, a história está cheia de exemplos destes. De pessoas que foram alvo de processos, de perseguições, por crimes comuns mas de raiz política”.

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Sobre o problema da lentidão da justiça, o advogado desvalorizou, afirmando que a questão não é de agora e que também ele tem em mãos processos que começaram por exemplo na década de 80 e que ainda não saíram da primeira instância — e sem terem especial complexidade. “O Salgado Zenha disse uma vez uma frase que eu retive e que eu achei exemplar. Ele dizia que qualquer acusação contra uma pessoa que tenha mais do que meia dúzia de páginas é porque não há crime. Isto é obviamente uma frase simbólica. Ele queria dizer que quando há uma acusação a uma pessoa, deve ser uma coisa muito simples: este senhor, em tal data, nas circunstâncias x, praticou estes factos. Coisas muito concretas, muito diretas. Ora, hoje nós vemos acusações que estão cheias de conjeturas, de suposições, de ilações, de raciocínios, isso era aquilo que o Dr. Salgado Zenha considerava completamente desadequado. As pessoas têm de ser acusadas de coisas concretas de que se possam defender, e as acusações têm de ser escorreitas”, afirma.

Em relação ao mandato de Joana Marques Vidal à frente da PGR, Proença de Carvalho defende que se trata de um mandato “longo e único”, logo, não deve ser renovado. “Eu penso que é normal [a não renovação do mandato”, diz, deixando uma crítica implícita ao mandato da Procuradora-Geral da República devido às “constantes violações do segredo de justiça” a que se tem assistido.

“Não posso deixar de falar em constantes violações do segredo de justiça, com clara direção, por vezes com claras cumplicidades com alguns meios de comunicação social, principalmente com tabloides, no sentido de condenarem na praça pública algumas das pessoas investigadas. Tudo isso são processos que eu, que sempre fui defensor dos direitos fundamentais, da presunção da inocência, de que as pessoas não podem ser julgadas de uma forma menos correta nos media…, considero que dificultam muito um julgamento sério e equilibrado, sereno, nos locais próprios que são os tribunais. Portanto, aí eu sou crítico da atuação do Ministério Público”, diz.

Para o governo da “geringonça”, contudo, reserva elogios. “Para minha surpresa, as coisas têm funcionado no sentido em que tem havido estabilidade e que o país melhorou. Melhorou obviamente não por mérito desta solução política, mas porque por um conjunto de circunstâncias favoráveis, internas e externas, as coisas acabaram por correr bem, ou seja, durante o período das grandes dificuldades da troika e da austeridade, as empresas portuguesas viraram-se para a exportação, para novos mercados, houve reestruturações, os empresários mexeram-se e isso melhorou”, afirma.