O PSD garante que vai insistir no pedido de apreciação parlamentar do decreto-lei que introduziu mudanças na contagem de direitos de voto em assembleias gerais e que pode ter um papel relevante na oferta pública de aquisição (OPA) da China Three Gorges sobre a EDP.

Em declarações ao Observador, António Leitão Amaro diz que o pedido de levar ao Parlamento a discussão desta lei “está vivo” e que neste momento o partido está a olhar para o calendário para fazer o respetivo agendamento.  Mas não há de ser para já. O deputado admite que a margem para agendar a discussão para esta sessão legislativa é reduzida, dada a grande quantidade de agendamentos feitos até com outros pedidos.

O pedido de apreciação parlamentar do decreto-lei que aprova uma das medidas do Programa Capitalizar foi feito pelo PSD no final de junho do ano passado, tendo na altura os sociais-democratas dado como exemplo o caso da REN (Redes Energéticas Nacionais) onde a empresa estatal chinês State Grid é a maior acionista com 25% do capital.

Mas na altura a iniciativa não foi considerada urgente, reconhece Leitão Amaro. O tema voltou, entretanto, a ser discutido pelo grupo parlamentar do PSD, já depois da OPA sobre a EDP, e mantém-se a intenção de levar o decreto ao Parlamento.

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Uma intenção que, para já, não tem qualquer data marcada. O próprio líder do partido ainda não sinalizou qual é a sua posição em relação à oferta chinesa sobre a eléctrica. Para esta semana, a prioridade do PSD foi dada à carga fiscal sobre os combustíveis que irá ser discutida esta quinta-feira.

A aplicação do decreto-lei de junho de 2017, que “cria medidas de dinamização do mercado de capitais, com vista à diversificação das fontes de financiamento das empresas”, obrigou a alterar o código do mercado de valores mobiliários, e teve impacto numa posição adotada pelo supervisor da bolsa em relação à OPA lançada sobre a EDP. Apesar de os direitos de voto da China Three Gorges e a CNIC (outro acionista chinês da EDP) na elétrica serem atribuídos à República da China para alguns efeitos, a CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários) conclui também que para a contagem de votos numa assembleia geral, as duas entidades são acionistas distintos.

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A consequência desta interpretação, sustentada no decreto do Governo que alterou o código do mercado, é a que os dois investidores chineses podem votar como acionistas independentes, ainda que tenham o mesmo dono, por assim dizer. Logo, não ficam sujeitos ao limite de 25% definido nos estatutos da EDP para o exercício dos direitos de voto por um acionista, sendo que estes dois grupos controlam juntos pouco mais de 28% do capital. Mais do que uma ajuda para conseguir os dois terços necessários para aprovar a desblindagem e acabar com o limite aos direitos de voto, esta margem pode ser ainda mais eficaz como minoria de bloqueio travando, por exemplo, eventuais medidas de defesa de OPA propostas por outros acionistas ou pela comissão executiva.

Para Leitão Amaro, “ficou a descoberto a intenção do Governo”, dando razão às suspeitas que levaram o partido a pedir há quase um ano a apreciação parlamentar do decreto-lei que faz parte do Programa Capitalizar. Na altura, os sociais-democratas alertaram para a “dúvida razoável” sobre o efeito prático desta alteração legislativa, que poderia ser “o de contornar os limites legais a participações societárias em empresas que atuam em áreas fundamentais para o interesse nacional, como sejam o operador da rede nacional de transporte de eletricidade ou o operador da rede nacional de gás natural” – nos dois casos, a REN. O PSD levantava o cenário em que um Estado estrangeiro que dividisse as participações por várias empresas, como acontece no caso chinês, poderia contornar o limite legal de participação societária e adquirir o controlo.

Agora, o deputado diz que o PSD “renova o apelo ao Governo para explicar” o que pretende com esta lei. Mais do que os efeitos da lei, os sociais-democratas querem também respostas sobre o papel que um dos seus autores tem tido no processo que envolve a oferta chinesa sobre a EDP. Até ir para o Governo em outubro de 2017, Pedro Siza Vieira foi sócio do escritório de advogados Linklaters, que está agora a assessorar a China Three Gorges nesta OPA. O ministro-adjunto de António Costa foi rápido a pedir a escusa em relação a matérias do setor elétrico depois de ser conhecida a operação, para evitar qualquer dúvida sobre a sua imparcialidade.

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No entanto, neste comunicado, Siza Vieira não esclareceu se tinham existido contactos prévios com a China Three Gorges, já enquanto membro do Governo. E o envolvimento de Siza Vieira em matérias que são do interesse do investidor chinês pode até atingir outras dimensões. De acordo com o jornal Público, antes de ser ministro, enquanto ainda estava na Linklaters, Siza Vieira foi um dos coordenadores de um grupo de trabalho que apresentou propostas para atrair investimento direto estrangeiro, ao abrigo do Programa Capitalizar.

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E é nessas propostas que surge a alteração que levou a que a contagem dos direitos de voto de sociedades que tenham uma relação de domínio entre si seja feita de forma autónoma. Uma alteração “cirúrgica” denunciada então pelo PSD e que terá sido feita à revelia da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, refere ainda o pedido de apreciação parlamentar na altura apresentado.

Para além de uma eventual intervenção na lei que agora beneficia os interesses chineses, o gabinete do ministro admitiu ao Expresso que Siza Vieira teve pelo menos um encontro com uma delegação da China Three Gorges antes do anúncio da OPA. O grupo chinês adiantou, entretanto, que a reunião realizada no primeiro trimestre deste ano teve como objetivo discutir temas de regulação, numa altura que o Governo tem apertado o cerco às chamadas rendas da elétrica.

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Logo no sábado, o deputado social-democrata Emídio Guerreiro divulgou um conjunto de perguntas ao Governo sobre o comportamento do ministro adjunto de António Costa neste caso, questionando se o pedido de escusa, em nome da necessidade de evitar qualquer dúvida sobre a imparcialidade, não deveria ter sido feito antes do lançamento da OPA e da reunião com o grupo chinês que tinha já como cliente a China Three Gorges.

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