Milhares de crianças e adultos com deficiência estão desnecessariamente confinadas em instituições no Brasil, onde podem enfrentar situações de negligência e abuso, denunciou a Human Rights Watch (HRW) num relatório hoje divulgado.

O documento de 83 páginas, intitulado “Eles ficam até morrer: uma vida de isolamento e negligência das pessoas com deficiências nas instituições no Brasil”, revelou que muitas pessoas com deficiência entram em instituições em criança e permanecem lá toda a vida. A maioria dessas instituições visitadas pelos investigadores da organização não-governamental dos direitos humanos não fornece mais do que o mínimo para as necessidades básicas das pessoas, como alimentação e higiene, com escasso contacto com a comunidade e pouca oportunidade de desenvolvimento pessoal.

Alguns residentes nestas instituições estão amarrados às camas e são sedados para serem controlados. “Muitas pessoas com deficiência no Brasil estão trancadas em instituições em condições abismais, sem controlo sobre as suas vidas”, disse Carlos Ríos-Espinosa, autor do relatório e investigador sénior sobre os direitos das pessoas com deficiência da HRW.

“O Governo do Brasil deve garantir que as pessoas com deficiência tenham o apoio de que precisam para viver na comunidade, assim como todos os outros”, referiu Ríos-Espinosa.

Este relatório foi realizado com base em 171 entrevistas com pessoas com deficiência, incluindo 10 crianças, bem como membros das famílias, funcionários das instituições, especialistas em direitos de pessoas com deficiência e autoridades de todos os níveis do Governo, além de visitas a 19 instituições nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Baía e Distrito Federal. Muitas destas instituições têm uma atmosfera de prisão, segundo a HRW, sendo que algumas têm grades nas portas e janelas.

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Segundo o documento, as condições são muitas vezes desumanas, com dezenas de pessoas amontoadas em salas cheias de camas juntas. A maioria dos adultos e crianças com deficiência nas instituições visitadas tinha poucos objetos pessoais, se é que possuíam algum. Muitas pessoas ficam confinadas nas suas camas ou quartos 24 horas por dia.

A maioria das crianças com deficiência nas instituições recebe educação muito limitada, ou nenhuma. A investigação mostrou que o desenvolvimento físico, intelectual e emocional das crianças pode ser prejudicado pela ausência de um relacionamento com um cuidador. A maioria das crianças visitadas pela HRW tem pais vivos, mas muitas vezes, com o tempo, perdem o contacto com as suas famílias.

No Brasil, os juízes determinam a colocação de uma criança numa instituição em casos excecionais, quando a criança está em risco de abandono, negligência ou violência, e não há soluções alternativas. No entanto, as crianças com deficiência acabam por ficar em instituições por muito mais tempo do que o limite legal de 18 meses, muitas vezes indefinidamente.

Embora o Brasil tenha pais de acolhimento e adoção, a Human Rights Watch considerou que essas opções devem ser mais desenvolvidas. Muitos adultos em instituições são privados da sua liberdade porque um cuidador os colocou lá, muitas vezes sem o seu consentimento, sendo que estes deficientes não têm o direito de contestar a sua institucionalização.

Vários diretores de instituições disseram que não tinham pessoal adequado para prestar atenção individualizada aos residentes, incluindo crianças. A maioria das instituições no Brasil é administrada de forma privada e quase 70% têm parcerias com os governos municipais, de acordo com a resposta do Ministério do Desenvolvimento Social à HRW.

Nos termos da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD), que o Brasil ratificou, os Governos devem respeitar a dignidade inerente às pessoas com deficiência, reconhecendo-as como pessoas em igualdade de condições com as demais pessoas. Isso inclui garantir que pessoas com deficiência possam viver de forma independente na comunidade.

Nos termos do tratado, os governos também devem evitar a discriminação e o abuso contra as pessoas com deficiência e remover as barreiras que impedem a sua plena inclusão na sociedade. Todas as crianças, incluindo com deficiência, têm o direito de crescer em família. Nenhuma criança deve ser separada dos seus pais por causa de uma deficiência ou pobreza.