É histórico: os irlandeses aprovaram em referendo a legalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gravidez. Os resultados finais dão a vitória ao “sim” com 66,4%, contra 33,6% do “não”. Este é a percentagem favoravel mais alta alguma vez alcançada num referendo no país desde que os irlandeses foram chamados a votar a aprovação do divórcio, em 1996.

Segundo um gráfico da estação de televisão estatal, RTÉ, a despenalização do aborto ganhou em todos os condados, à exceção de Donegal, no norte do país, ainda que com pouca margem. Nesta região, o “sim” obteve 48,1% dos votos, com o “não” a vencer com 52,9%. A região onde os votos a favor foram em maior número foi na zona sul de Dublin (78,5%), onde o “não” atingiu apenas 21,5%.

As projeções feitas à boca das urnas feitas pelo The Irish Times (com base em entrevistas feitas a quatro mil eleitores à saída das urnas) e de outros órgãos de comunicação irlandeses deram desde logo como certa a aprovação da nova lei, votada na sexta-feira. Apesar de a votação ter encerrado às 22h desse dia, os votos só começaram a ser contados às nove da manhã deste sábado.

A sondagem feita à boca das urnas pela RTÉ revelou também que 72% das mulheres votaram “sim”. O único grupo etário onde o “não” terá ganho terá sido o das pessoas mais de 65 anos. Oficial é a percentagem de adesão: 64,51%. Os números são finais, segundo o The Guardian, e confirmam que este foi o referendo com amaior taxa de participação na história do país, ultrapassando inclusivamente a do plesbicito (voto expresso diretamente pelos cidadãos) sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo de 2015.

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Governo acredita que aborto será aprovado antes do final do ano

O primeiro-ministro Leo Varadkar mostrou-se confiante de que a legalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gravidez será aprovada pelo Parlamento irlandês antes do final deste ano. Em declarações à rádio irlandesa RTÉ, Vardkar disse que os resultados esperados são o “culminar de uma revolução silenciosa” e que são uma demonstração clara de que o país não está dividido no que diz respeito a este tema. “Estamos unidos”, disse o governante, acrescentando que o referendo irá permitir à Irlanda tornar-se “maior de idade”.

Estas declarações vão de encontro ao que já tinha sido dito este sábado pela ministra da Infância e Juventude, Katherine Zappone. Claramente emocionada, Zappone admitiu estar “especialmente grata às mulheres da Irlanda que se chegaram à frente para dar o seu testemunho pessoal sobre os momentos difíceis que passaram, o stress e o trauma por que tiveram de passar por causa da Oitava Emenda”.

Já o ministro da Saúde, Simon Harris, uma das principais vozes do governo a favor do aborto, disse tinha a certeza de que o povo irlandes “era decente e que tinha compaixão”. De acordo com a Sky News, Simon Harris irá tentar que o seu gabinete aprove formalmente a nova lei até terça-feira para que seja possível transformar o projeto-lei num texto legislativo formal.

Principal grupo anti-aborto fala em “tragédia de proporções históricas”

John McGuirk, porta-voz do Save the 8thgroup (nome que faz referência à Oitava Amenda da constiuição irlandesa, que proíbe o aborto no país), o principal grupo anti-aborto na Irlanda, disse à televisão estatal que os irlandeses não irão reconhecer o país em que estão a acordar, considerando que, a partir de agora, será muito mais fácil para o governo aprovar outras leis relativas ao aborto no parlamento. “Não existem espectativas de que a legislação não seja aprovada, disse McGuirk, classificando os primeiros resultados do referendo como uma “tragédia de proporções históricas”.

Cerca de 3,2 milhões de pessoas foram chamadas às urnas para responder a um referendo à Oitava Emenda da Constituição irlandesa, cuja revogação pode resultar numa nova lei para legalizar o aborto. Os boletins de voto permitiam escolher entre a aprovação ou não da proposta de alteração da Constituição, que substituirá o artigo 40.3.3° pela frase: “Pode ser feita provisão por lei para a regulamentação da interrupção da gravidez”.

A Irlanda é o país com leis mais apertadas da União Europeia sobre a interrupção voluntária da gravidez: o aborto é proibido no país e a prática dele pode resultar  numa sentença de 14 anos de prisão para a mulher e para o profissional de saúde que a ajude no procedimento. A aprovação da proposta de alteração possibilita o aborto até às 12 semanas de gravidez em qualquer situação. Depois desse tempo de gestação, o aborto só seria possível em duas situações: se a vida do bebé ou da mãe estiverem em risco ou se o feto tiver uma anomalia que o possa condenar à morte em alguma altura durante a gestação ou logo depois do nascimento.

Uma sondagem do Irish Times com a Ipsos previa que 44 em cada 100 eleitores fossem votar a favor do aborto e que 32% votassem contra a proposta de alteração da Constituição. A margem de diferença era muito curta, por isso a decisão terá sido dos 24% dos eleitores que se diziam indecisos ou que não iam exercer o direito ao voto.

A consulta pública foi precedida por uma campanha dura e amarga, na qual as divisões entre as populações rurais e as populações urbanas e entre as camadas mais novas e mais velhas da sociedade irlandesa foram intensas. De acordo com o Conselho Nacional da Juventude, para esta consulta registaram-se para votar cerca 125 mil novos eleitores, mais do dobro do número verificado em 2015 a propósito do referendo sobre o casamento homossexual, quando foram acrescentados mais perto de 66 mil eleitores aos cadernos eleitorais.

Esta consulta pública acontece a três meses de uma visita do papa Francisco, que estará naquele país por ocasião do 9.º Encontro Mundial das Famílias (a decorrer em Dublin entre 21 e 26 de agosto), e três anos depois de uma nova legislação, que também foi submetida a referendo, para o casamento de pessoas do mesmo sexo, situação que causou um terramoto cultural neste país com 4,7 milhões de habitantes e com uma forte tradição católica.

Estas projeções também estão a ser interpretadas como um reflexo do declínio da influência da Igreja Católica irlandesa, que tem enfrentado as mudanças económicas e sociais registadas naquele país, mas também devido aos escândalos relacionados com casos de pedofilia envolvendo padres.