A chuva que começou a cair com maior intensidade na zona de Lisboa mais perto da hora do jogo acabou por afastar alguns indecisos de última hora da Luz, mas nem por isso estragou as iniciativas preparadas pela Federação antes do adeus da Seleção Nacional rumo à Rússia, como a mega coreografia na altura da entrada das equipas. Depois, seguiu-se uma simbólica homenagem a Fernando Santos pelo jogo 50 pela Seleção. O técnico recebeu uma placa comemorativa da ocasião, agradeceu ao líder federativo Fernando Gomes e seguiu para a área técnica. Como diria Futre, estava concentradíssimo.

Portugal vence Argélia por 3-0 antes do início do Mundial com bis de Gonçalo Guedes

Tratando-se do último encontro antes do Mundial, o selecionador apressou-se a garantir que não poderiam (ou deveriam) ser retiradas conclusões em relação à equipa inicial para o encontro de abertura no Campeonato do Mundo, frente à Espanha. E fez mais, desviando focos de eventuais paralelismos entre os espanhóis e a Bélgica e entre Marrocos e a Argélia. Haverá pontos e ideias de jogo semelhantes, mas o último particular antes da viagem para Kratovo serviria sobretudo para testar as suas opções, mais do que encaixar as mesmas na características do adversário. E foi também por isso que, por exemplo, lançou a grande novidade na equipa inicial: Bruno Fernandes (além dos esperados Rui Patrício, Bruno Alves e Cristiano Ronaldo).

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Para quem não teve oportunidade de acompanhar a partida, de recordar que a Argélia, comandada pela antiga glória do FC Porto, Rabah Madjer, tem jogadores de grande qualidade sobretudo do meio-campo para a frente, como Mahrez, Brahimi ou Slimani. Mas também podemos resumir a sua exibição da primeira parte numa linha: Mahrez fez uma finta e brilhou com um toque de calcanhar que abrilhantou a festa; Brahimi tentou um remate que bateu na defesa e saiu para canto; Slimani não teve uma oportunidade mas foi à sua área dar um abraço a Pepe (num penálti que ficou por marcar). De resto, zero.

Haverá demérito dos argelinos, que não atravessam a melhor fase como se percebeu na derrota recente com Cabo Verde. Mas a dose de mérito de Portugal foi muito, muito maior. Na capacidade de fazer variações rápidas de jogo para criar desequilíbrios nos corredores laterais; na forma como reagia à perda de bola abafando a primeira fase de construção dos africanos; na qualidade em posse e construção; no dom de transformar processos simples em concretizações eficazes; na solidez com que foi fazendo transições defensivas e ofensivas sem sombra de desequilíbrios ou inferioridades numéricas.

Ficha de jogo

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Portugal-Argélia, 3-0

Jogo particular

Estádio da Luz, em Lisboa

Árbitro: Craig Pawson (Inglaterra)

Portugal: Rui Patrício; Cedric, Pepe, Bruno Alves (José Fonte, 57′), Raphael Guerreiro (Mário Rui, 57′); William Carvalho (Adrien, 64′), João Moutinho (João Moutinho, 74′), Bruno Fernandes; Bernardo Silva (Quaresma, 64′), Gonçalo Guedes e Cristiano Ronaldo (André Silva, 74′)

Suplentes não utilizados: Anthony Lopes, Beto, Rúben Dias, Ricardo, Manuel Fernandes e Gelson Martins

Treinador: Fernando Santos

Argélia: Abdelkadir Sahi; Mandi, Bensebaini, Medjani (Bounedjah, 71′), Benmoussa; Boukhandchouche (Benkhemassa, 57′), Bentaleb, Ferhat; Mahrez, Brahimi e Slimani (Soudani, 86′)

Suplentes não utilizados: Chaouchi, Moussaoui, Belkhiter, Chafai, Naamani, Arous, Bennacer, El Mellali e Lakroum

Treinador: Rabah Madjer

Golos: Gonçalo Guedes (17′ e 55′) e Bruno Fernandes (37′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Boukhanchouche (47′)

 

Logo no primeiro minuto, a primeira ocasião: falta perto da área da Argélia, remate de Cristiano Ronaldo a bater na barreira e recarga de João Moutinho na área para grande defesa de Sahi para canto. Mais tarde, foi a vez do capitão voltar a repetir a experiência de testar a meia distância, mas a bola saiu fraca e ao lado (6′). Havia Portugal, Portugal e Portugal. Com os centrais certinhos a não dar a mínima hipótese, com William Carvalho e Moutinho com critério na distribuição, com Bernardo Silva e Ronaldo a fazerem a diferença no jogo interior, com Gonçalo Guedes e Bruno Fernandes a explorarem o espaço.

Faltava o primeiro golo mas também não demorou muito tempo. Ou melhor, o primeiro a contar, porque Ronaldo já tinha entretanto marcado numa jogada que estava anulada por fora de jogo (a ser, mesmo no limite): em mais um exemplo de boa variação na distribuição de jogo, William Carvalho lançou bem em profundidade nas costas da adormecida defesa argelina, Bernardo Silva assistiu de cabeça com classe e Gonçalo Guedes, na área, inaugurou o marcador (17′).

A seguir houve um período curto, de dez minutos, onde a intensidade e as zonas de pressão baixaram um pouco, permitindo que os visitantes tivessem um pouco mais de bola (sem com isso criar perigo). Tudo controlado, até à aceleração seguinte na partida: grande jogada de entendimento pela esquerda com Raphael Guerreiro a lançar Ronaldo na frente, cruzamento perfeito para a zona entre guarda-redes e defesas e cabeceamento de Bruno Fernandes para o 2-0 (37′). O intervalo chegava com a Seleção a replicar o brilho que vinha das bancadas com as muitas luzes dos telemóveis.

No segundo tempo, a história manteve-se. A certa altura, já com seis alterações feitas e o encontro mais partido pelo desnível na exibição e no resultado, Bounedjah ainda conseguiu ter um remate forte e enquadrado mas Rui Patrício encaixou com muita segurança; de resto, continuou tudo igual, com mais indicações positivas para Fernando Santos em relação ao grupo que leva para o Mundial. Danilo será sempre uma baixa marcante pelo peso que poderia representar até no xadrez dos 23 convocados (possivelmente seguiriam apenas três centrais), mas existem mais opções para garantir outra versatilidade à equipa. E duas delas foram os principais destaques da partida: Guedes, a “Ducati” como ficou conhecido ao longo da temporada pelos adeptos do Valencia, e Bruno Fernandes, que se estreou a marcar pela Seleção com o primeiro golo de cabeça como sénior.

Na primeira parte, houve uma nuance tática que fez estragos ao adversário: a forma como, em jogo, a equipa conseguia transformar um modelo de quase 4x3x3, com Bernardo e Ronaldo mais nas alas e Bruno Fernandes nas costas de Gonçalo Guedes para ficar com as segundas bolas, num 4x4x2 com Bruno Fernandes a encostar mais na esquerda e Ronaldo a chegar mais ao meio ao lado de Guedes. Daí derivaram algumas das movimentações interessantes que Fernando Santos falou no final da partida; na etapa complementar, mantendo o registo, houve uma melhor exploração da profundidade, com João Moutinho e Bruno Fernandes a lançarem as três unidades mais ofensivas em velocidade em lances de muito perigo.

Cristiano Ronaldo, que acabou o jogo com uma assistência mas ‘n’ tentativas para chegar ao golo que não surgiu na 150.ª internacionalização, foi somando remates atrás de remates, mas seria mesmo Gonçalo Guedes a fechar as contas aos 55′, na sequência de uma grande arrancada de Raphael Guerreiro pela esquerda com cruzamento para o desvio de cabeça para o avançado que, pouco depois, ficou muito perto de conseguir o primeiro hat-trick pela Seleção. Mais tarde, João Mário, que entrou para os últimos 15 minutos, ainda marcou após grande assistência de Bruno Fernandes (mais uma), mas o VAR anulou o lance por uma mão de Guedes no início da jogada. O resultado até foi curto, ao contrário da exibição.

No final, Rui Patrício ainda assustou ao ficar agarrado ao gémeo após defesa a cabeceamento de Bounedjah, mas pareceu acabar sem qualquer lesão. E a cereja no topo do bolo para uma noite muito positiva para Portugal acabou por aparecer de onde menos se esperava: Cristianinho, o filho mais velho do capitão português, foi ao relvado, andou a testar a pontaria na baliza norte do estádio da Luz e ainda marcou num remate de primeira após cruzamento do pai da direita, numa imagem que conseguiu prender vários adeptos nas bancadas após a partida. O futuro parece assegurado. Mas, agora, o que mais interessa é o presente. E a Seleção de Ronaldo, entre Bélgica e Argélia, mostrou argumentos para ir longe no Mundial da Rússia.