Através de um relatório divulgado esta sexta-feira, a organização não-governamental Oxfam acusou a França e a Itália de não tratarem com dignidade os migrantes que estão na fronteira entre os dois países. Segundo a ONG os migrantes estão presos “sem água, comida, abrigo ou direitos básicos”.
O documento contém alguns testemunhos de migrantes e diz que a polícia na fronteira francesa detém as crianças e deixa-as sem comida ou água, corta as solas dos seus sapatos e retira o cartão SIM dos seus telemóveis antes de “ilegalmente enviá-las de volta para Itália”.
Em Ventimiglia, perto da fronteira entre a Itália e a França, os refugiados e outros migrantes estão a viver um período duro, sem acesso aos serviços mais básicos. Mulheres, homens e crianças são «empurrados» para fora do sistema de asilo italiano, que muitas vezes falha em oferecer-lhes as necessidades básicas para a sua segurança, informação e educação. Do outro lado da fronteira, a polícia francesa recebe as crianças com abuso e envia-as de volta para Itália, violando a lei francesa e da União Europeia. Milhares de pessoas, presas, estão impedidas de procurar o suporte mais básico”, diz o estudo.
O relatório da Oxfam cita ainda a história de uma rapariga “muito nova” da Eritreia que foi forçada a voltar a pé para a fronteira italiana, em Ventimiglia, numa estrada sem pavimento, enquanto carregava uma bebé de 40 dias. “Não temos evidências de abuso físico violento, mas muitas crianças contaram terem sido puxadas, empurradas e ouviram gritos numa linguagem que não entendiam”, disse Giulia Capitani, a autora do estudo, ao The Guardian. “A polícia intimida-os, por exemplo, ao cortar as solas dos seus sapatos, como uma forma de dizer «Não tentes voltar»”, acrescentou.
Segundo os termos do regulamento de Dublin, as crianças migrantes em França não podem ser enviadas de volta para Itália se tiverem pedido asilo. A lei da União Europeia (UE) estipula que os menores não acompanhados têm o direito em ser transferidos para outro asilo onde estiverem membros da sua família.
Esta manhã eu tentei atravessar a fronteira. Éramos dois. A polícia tirou-nos do comboio, empurrou-nos e gritou para nós. Depois, colocaram-nos numa carrinha no parque de estacionamento da estação de comboios . Deram-nos um documento [recusa de entrada] na carrinha e fomos colocados noutro comboio de volta para Itália, sem qualquer explicação”, disse Michael, um rapaz de 15 anos de Darfur, no Sudão.
Além de acusar a França, a Oxfam afirmou também que a Itália deixou muitas crianças “presas” e sem outra escolha senão tentar o caminho pelos seus próprios passos. A organização aconselha o governo italiano a “assegurar a implementação de leis das crianças não acompanhadas em toda a Itália e, em particular, assegurar o exercício eficaz do direito à união familiar”.
Esta semana, o ministro do interior do novo governo de Giuseppe Conte, Matteo Salvini, impediu o navio Aquarius de desembarcar na Sicília e acusou a França de virar as costas a 10.250 migrantes na fronteira entre janeiro e maio deste ano. Na resposta, o presidente francês Emmanuel Macron criticou o “cinismo e irresponsabilidade” de Itália em negar um navio de resgate com 629 pessoas a bordo.
O Aquarius acabou por ser recebido por Espanha, com a ajuda dois barcos militares italianos em toda a operação.
“Aquarius” vai para Espanha com ajuda de barcos militares italianos
De acordo com a organização, 17.337 crianças chegaram a Itália em 2017. 91% chegou sozinha. Ao todo, fora quase 39.000 os migrantes que viram negada a entrada em França, na fronteira com a Itália, entre janeiro e agosto do ano passado.