Enviado especial do Observador à Rússia (em Sochi)

Há um sentimento quase de ressaca este sábado de manhã em Sochi. Para não variar, mesmo com aquele bafo do costume, lá caiu a chuva da ordem, mas o calor está sempre garantido. Pessoas, nas ruas, poucas ou nenhumas, a não ser famílias com carrinhos de bebés e um ou outro jornalista de mala aviada para partir para outra cidade a passear 20 quilinhos em rodinhas mais a saca do computador ao ombro. Até nas dezenas de bares que foram montados na zona circundante ao Fisht Stadium, entre a praia e o recinto, estavam a abrir mais vagarosamente, sem música alta, sem clientela (e sem grandes preocupações, acrescente-se). As atenções de cada estádio do Mundial estão focadas na véspera, no dia dos jogos e pouco mais.

No fundo, abre-se aqui uma janela de oportunidade para poder enfrentar o problema do trânsito que é transversal a toda a Rússia e que aqui não é exceção. No centro de imprensa do estádio, há uma pequena banca ao pé de todas as outras que distribuem os bilhetes e os passes para a zona mista com um balcão e um cartaz que diz “Bem-vindos a Sochi”. No fundo, uma promoção à cidade em si, como costuma sobretudo haver nos sorteios das fases finais do Campeonato do Mundo. “Aqui no mapa, onde fica a casa de férias de Estaline?”. A funcionária ri-se para a colega que tem ao lado. “Mais um a perguntar pela casa de férias de Estaline”, atira. No mapa, é preciso virar a folha para ver esse local, mas a distância em minutos é bem menor. Mas já agora, uma curiosidade: há assim tanta gente a perguntar? “Sim. Para as pessoas que vêm ver o jogo, querem saber onde fica o Sochi Park, outros parques temáticos, a praia. Jornalistas olham para outras coisas, como a casa de Estaline e as plantações de chá”.

A casa de férias de Estaline, modesta e verde para se confundir com a vegetação que tem à volta (NATALIA KOLESNIKOVA/AFP/Getty Images)

Para quem poderia imaginar algo muito pomposo ou grandioso, só a aparência do exterior da casa do ditador russo que liderou a União Soviética durante três décadas deita qualquer ideia mais ousada por terra: é modesta, verde para se confundir com toda a vegetação que a circunda (pela via terrestre ou através dos meios aéreos), e quer manter ao máximo os detalhes históricos de alguém que marcará para sempre a história do século XX. A Dacha onde Estaline passava alguns meses do ano, aproveitando o ar puro e a melhor temperatura de Sochi, tem como pontos altos os jardins interiores e a sala onde está a figura em causa, sentado na cadeira ao pé da sua secretária, mas também há sempre o quarto (o mais simples possível) e uma piscina. Falar sobre a perceção que existe hoje do ditador às vezes parece ganhar quase a forma de um tabu, porque o tempo foi sábio o suficiente para mostrar a árvore e não a floresta, e quando encontramos alguém na cidade que consiga falar o suficiente inglês para perceber uma conversa, a mesma em poucos momentos já está no presente: “Há muita gente a vir cá de férias”.

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Uma imagem da Dacha onde Estaline passava três a quatro meses do ano em Sochi (NATALIA KOLESNIKOVA/AFP/Getty Images)

Haverá outros pontos interessantes para visitar certamente. E a verdade é que o primeiro jogo com a Espanha troue aquela confiança (ou feeling, vá) de que Sochi irá cruzar-se de novo no caminho da Seleção Nacional, seja no jogo dos quartos de final do Mundial (caso o conjunto de Fernando Santos acabe no primeiro lugar do grupo B e vença os oitavos) ou na partida dos oitavos (se Portugal ficar em segundo do grupo). Mas antes de imitar todos aqueles que andavam a fazer aquele barulho do vruuuuum, vruuuuum das rodinhas das malas a caminho de aeroporto e de Moscovo, a curiosidade foi mais forte e tivemos mesmo de parar no Museu “Casa do Gigante”, um dos poucos pontos num enorme corredor pedestre até à espécie de Calçadão onde se concentraram ontem milhares de adeptos antes do Portugal-Espanha, que não é nem restaurante, nem bar, nem loja.

Como a imagem em baixo mostra, trata-se de uma pequena casa com um gigante marinheiro de bigode sentado num banco, onde uma perna é quase do nosso tamanho. Ao lado existe uma indicação que diz que cada fotografia custa 100 rublos, menos de um euro e meio, mas não encontramos ninguém que respeite essa condição. Mas, afinal, o que seria o museu? Teria quantas divisões e compartimentos? Teria um andar de baixo? Ou melhor, porque seria o Museu “Casa do Gigante”?

Entramos e logo do lado direito há um enorme cartaz com a adaptação da saga Regresso ao Futuro de Robert Zemekis mas que em vez de ser “Back to the Future” é “Brick to the Future” e tem a sinopse “Nunca chegou a horas às aulas, nunca estava a horas à mesa até que um dia deixou simplesmente de estar no seu tempo”. Está acompanhado de Legos, os mesmos que encontramos quando viramos o olhar: afinal, aquilo a que chamam Museu mais não é do que literalmente, a casa de um gigante, com ténis, camisolas, sofá, sanita, máquina de lavar roupa e cozinha em versão XXXL sobretudo para tirar fotografias para a posteridade. E não há uma história para contar, ou uma explicação para haver algo do género no meio da folia de Sochi. Pode ser que entretanto a mesma seja construída. E que a possamos contar. No mínimo, era sinal que Portugal passara a fase de grupos. Próxima paragem: Moscovo, onde a Seleção Nacional defronta na próxima quarta-feira Marrocos.