Enviado especial do Observador à Rússia (em Moscovo)

Uma vaquinha, duas vaquinhas, outras tantas bandeiras brasileiras. Faltava ainda uma hora e meia para o início do segundo jogo do grupo H, que começara com uma surpreendente vitória do Japão frente à Colômbia (com menos um desde os cinco minutos), mas havia festa com fartura nos arredores da Otkritie Arena. Os adeptos polacos esmagavam, senegaleses poucos ou nenhuns, e foi então que começámos a perceber a quantidade de adeptos do conjunto de Tite que estão em Moscovo, onde a canarinha fecha a fase de grupos no dia 27, quarta-feira, frente à Sérvia, atual líder do grupo após vencer a Costa Rica por 1-0. “Estamos à espera aí da nossa turminha, somos oito e viemos de São Paulo vestidos assim como se fosse o Carnaval, pela festa. Como temos bilhete para o jogo do Brasil, aproveitamos e viemos também ver este, todos os jogos no Mundial são bons”, contam-nos Guilherme e Rodrigo, certamente dois dos adeptos que mais deram nas vistas esta tarde. E tinham mesmo razão. Aliás, mal imaginavam como o Brasil estaria indiretamente ligado ao resultado do jogo…

Olhando à volta, mais parecia termos voltado aos jogos na Polónia durante o Campeonato da Europa de 2012, tamanha era a falange de apoio do conjunto comandado por Adam Nawalka. Um topo deles, outro topo deles, a bancada oposta à central também… Mas onde andam os senegaleses? Não era muitos, mas bastaram cinco minutos para começarem a aparecer como só eles sabem, de reco reco, batuque e outros irmãos instrumentais na mão enquanto dançam em coreografias que sem serem ensaiadas roçam a perfeição simétrica. Afinal, tratando-se de um braço-de-ferro entre dois estilos quase antagónicos a nível de construção ofensiva, por exemplo, os africanos conseguiram entrar melhor no encontro. Sendo que, e antes de entrarmos no jogo, foram tão bem recebidos que os polacos estiveram a aplaudir o seu hino. O Mundial (também) é isto.

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A Polónia, como era de esperar, entrou com mais posse e maior domínio territorial, mas não demorou até que perdesse o peito feito no assumir de jogo após dois lançamentos em profundidade das unidades mais avançadas dos senegaleses, Mbaye Niang e Biram Diouf, sempre tendo em vista também a grande referência da equipa, Sadio Mané. Na hora mais importante, a do último toque, havia sempre qualquer coisa que desafinava, mas o barulho dos instrumentos ia aumentando porque se percebia a capacidade da formação de Aliou Cissé, confortável e a gerir ritmos de jogo consoante as necessidades.

Não se pode falar propriamente em oportunidades flagrantes para nenhum dos lados, a não ser uns cruzamentos rasteiros e umas tentativas de remate que ainda conseguiram colocar o público de pé durante uns segundos. Mas havia uma grande diferença. Ou melhor, duas. No meio-campo, com Zielinski sempre a fugir ao jogo no corredor central, Krychowiak, um pequeno grande craque com a bola nos pés (jogou este ano emprestado pelo PSG no West Bromwich Albion, depois de brilhar no Sevilha), esteve sempre demasiado lento nas variações de flanco e ataque organizado; em contrapartida, Gueye, do Everton, tomou conta por completo daquele espaço, ou a rodar o centro de jogo ou a lançar em profundidade. No ataque, Sadio Mané foi conseguindo ser a muleta de Niang e Diouf quando jogava por dentro, ao passo que nem Błaszczykowski nem Grosicki, abertos nas laterais para jogar em campo grande, conseguiam servir Milik (primeira parte desastrada) e Lewansdowski.

Até que chegou o golo que faria o resultado ao intervalo, neste caso o primeiro sofrido pela Polónia contra conjuntos africanos em fases finais de Mundiais: variação de jogo com muito espaço entre setores, movimento interior de Mané a descobrir Gueye em boa posição para rematar, tentativa fraca mas desvio infeliz de Cionek para a própria baliza. E quem é este central (que falta faz o melhor Glik, central do Mónaco que teve problemas físicos e ficou no banco)? Essa é que é a história!

Nascido em Curitiba, Thiago Cionek começou no Vila Hauer e passou para o Cuiabá antes de ter uma experiência na Europa, mais concretamente em Portugal, quando jogou no Bragança durante seis meses, antes de voltar para a América do Sul e representar o Clube Regatas do Brasil. Daí foi para a Polónia (os seus bisavôs são polacos), onde jogou quatro anos no Jagiellonia Białystok e obteve nacionalidade polaca em 2011, antes de rumar a Itália (Pádua, Modena, Palermo e SPAL). Esta semana, a Globoesporte fez uma reportagem com a família do central na sua cidade natal.

Os jornalistas senegaleses, grande parte com o mesmo polo azul escuro, estavam em delírio com o que se estava a passar, sobretudo o único que em vez de ter “Presse Senegal” nas costas tinha “Persse Senegal”, que saltava que nem um adepto ou um jogador. O intervalo chegava com a favorita Polónia a perder, de forma justa, por tudo aquilo que não fez e deixou fazer. Por isso, Nawalka não perdeu tempo e, perante as dificuldades físicas de Błaszczykowski, tirou o ala do Wolfsburgo, lançou Bednarek e desenhou uma linha de três defesas que pudesse dar outra largura ao jogo dos laterais Piszczek e Rybus.

Lewandowski, de livre direto, obrigou Khadim Ndiaye a defesa apertada para canto. Pouco depois, Piszczek, após cruzamento da esquerda, foi à área tentar fazer a diferença mas o desvio saiu por cima. Havia mais Polónia perante um Senegal que era incapaz de esticar jogo mas que acabou por aumentar a vantagem num golo caricato (60′): Krychowiak fez um atraso longo para Szczesny sem perceber que Niang já estava em campo (o avançado tinha saído para ser assistido e houve muitos protestos, alegando que o número 19 não recebeu ordem para reentrar), o guarda-redes teve uma saída precipitada da baliza e o dianteiro do Torino só teve de desviar, seguir em frente e empurrar para o 2-0 já mais celebrado por todos aqueles que… não eram da Polónia.

Começaram as danças das substituições, as tentativas mal disfarças dos senegaleses perderem tempo mas parecia que tudo estava decidido, até porque não havia propriamente uma reação forte e com muitas oportunidades dos polacos para inverterem o resultado. No entanto, a quatro minutos do fim, um livre em posição frontal a meio-campo acabou por reduzir a desvantagem, com Krychowiak a aparecer da melhor forma ao segundo poste a desviar de cabeça sem hipóteses para Ndiaye. Os jogadores pediram o apoio do público, não se conseguia ouvir nada com a pressão que foi feita mas a mesma acabou por ser mais forte do que dentro delas. O encontro acabou, a primeira ronda do grupo H ficou fechada e, quando muitos pensavam que Colômbia e Polónia estariam na frente, é o Japão e o Senegal que lideram. E com futebol para chegar pelo menos aos oitavos.