[Geringonça mode off]

Faltam dez minutos para as 13h quando Carlos César, Nuno Magalhães e Pedro Filipe Soares chegam à zona reservada do grupo DN/TSF no espaço Arena Portugal, no Terreiro do Paço. Chegam juntos e já de cachecol da seleção nos ombros. “Viemos juntos mas em dois carros diferentes”, apressa-se a esclarecer o líder parlamentar do PS ao Observador: “Deixei os extremos noutro carro”. Os extremos não eram João Mário nem Bernardo Silva, nem sequer Bruno Fernandes ou Gelson Martins. Eram mesmo Pedro Filipe Soares, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, e Nuno Magalhães, o líder da bancada do CDS, que seguiram juntos do Parlamento para irem ver a bola, e que regressaram da mesma maneira: um até teve de esperar pelo outro para não perder a boleia. Prepare-se, caro leitor, porque a “geringonça” não mora definitivamente aqui.

Nem a “geringonça”, nem gravatas ou blazers. É a primeira coisa que os deputados fazem quando chegam ao recinto: pousam os casacos uns por cima dos outros, tiram as gravatas e ficam em mangas de camisa. “Querem uma?”, ouve-se alguém perguntar. Carlos César e Nuno Magalhães pegam na senha e vão ao balcão pedir uma imperial. Já o bloquista, fica-se pela garrafa de água. O tempo está demasiado quente, mas como faltam uns minutos para o jogo arrancar, ainda reina a timidez inicial. Onde sentar, onde pôr as mãos, com quem falar. Comer uma empada? Ou um pastel de nata? É melhor não comer nada. A verdade é que os três estão habituados a estar juntos apenas noutro ambiente. Rrrola a bola e acabam-se os constrangimentos. Chegam-se à frente. É agora.

Mas só estão três. Por onde andam os outros? Fernando Negrão, o líder parlamentar do PSD, também tinha confirmado presença no evento, mas estava atrasado. Rui Rio marcou uma visita à Procuradoria-Geral da República, que acabou já o jogo estava a começar, e Negrão teve de acelerar o passo.

GOLO!

Foi tão rápido que ninguém estava sequer preparado para festejar. “Vi o golo dali debaixo”, comentaria depois o social-democrata, que chegou sozinho e discreto, de óculos de sol espelhados. Não foi a tempo de ver Cristiano Ronaldo marcar contra Marrocos, mas ainda foi a tempo de conviver com os colegas da Assembleia da República. Queria café, mas não havia.

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“É a nova geringonça!”, ouve-se alguém dizer enquanto aponta para Carlos César e Fernando Negrão, que nesta altura estão lado a lado de olhos postos no ecrã. Ao lado estava ainda Nuno Magalhães, os três a reavivar o velho arco da governação — já que Pedro Filipe Soares optou por ficar os 90 minutos mais à margem, com a justificação de que preferia ficar longe do sol. Quem faltou foi o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, que à última hora acabou por recusar o convite.

Negrão nem gosta de futebol, “só deste”, em que todos torcem pelo mesmo. Pois. Aqui, a geometria parlamentar é, definitivamente, outra. E inclui críticas de César ao “lado esquerdo”, elogios ao “lado direito”, e pedidos de reforço ao “meio-campo”. Estamos a falar de futebol?

Vejamos: “O lado esquerdo da nossa defesa não está a funcionar muito bem. Marcar o segundo golo é importante para destruir o adversário. Tenho gostado de ver o nosso lado direito, com Cédric e Moutinho, mas o melhor é reforçar o meio-campo“, disse o socialista a dada altura aos microfones da TSF, quando os quatro se juntaram para fazer uma análise da primeira parte.

Tradução possível: “O acordo com os partidos da esquerda já não está a funcionar muito bem. A segunda legislatura é importante para acabar com a geringonça. Tenho gostado de ver o novo PSD, com Rui Rio, mas o melhor é reforçar o centro, com um bloco central”.

Podia ser? Poder podia, mas aqui é apenas de futebol que estamos a falar.

4 fotos

O jogo recomeça e não há sinais de António Costa. O gabinete do primeiro-ministro tinha passado a mensagem não oficial de que Costa poderia assistir ao jogo no lounge do Terreiro do Paço, a convite do DN/TSF, mas não apareceu. “Ficou a preparar o debate quinzenal”, explicaram os assessores de imprensa, justificando que, ainda por cima, o debate quinzenal desta tarde iria começar com uma intervenção do primeiro-ministro. A verdade é que Costa não tinha de andar muito: com a residência oficial de São Bento em obras, é justamente no Terreiro do Paço que está fixado o gabinete do primeiro-ministro. A janela do gabinete até dá para a praça onde estava o ecrã gigante, mas Costa optou por não descer.

“Eu preparei ontem à noite”, diria Fernando Negrão em conversa com o Observador, quando notou a ausência daquele que seria o seu adversário das três da tarde. À cautela, contudo, o líder parlamentar abandonou o jogo antes das 14h30, a tempo de ir rever os papéis. É que, olhando à volta, só Negrão é que participaria no debate pós-jogo, já que na equipa do CDS é Assunção Cristas quem fala, na do BE é Catarina Martins e na do PS, bom, varia, e desta vez seria João Galamba a intervir. “Eles podem estar mais à vontade do que eu”, diria Fernando Negrão antes de pegar no casaco e na gravata e sair. “Ainda tenho de olhar para os papéis, há sempre sugestões de última hora para o debate”.

E foi assim mesmo. César, Magalhães e Pedro Filipe ficariam a ver o jogo quase, quase até ao fim. Às 14h50 fizeram a primeira tentativa de sair. O socialista e o democrata-cristão trocaram o cachecol pela gravata, que tinham abandonado numa cadeira ali ao lado. O bloquista só não fez o mesmo porque no Bloco de Esquerda não se usa gravata. Alguém chama Nuno Magalhães para uma pequena entrevista, e Pedro Filipe Soares faz um compasso de espera. Tinham chegado juntos e juntos iriam embora. Carlos César seguiu na frente. Mais atrás BE e CDS juntos, no mesmo carro, rumo ao Parlamento.

[Geringonça mode on]:

São 15h em ponto quando o árbitro dá o apito final. À mesma hora, soa a campainha na Assembleia da República: que comece o debate quinzenal. Gravatas no sítio. A “geringonça” ajeita-se na cadeira. Rola a outra bola. É agora.