O Luzhniki Stadium, principal palco de eventos desportivos da Rússia que vai sendo reformulado por dentro mantendo sempre o mesmo aspeto no exterior, é de tal forma grande que existem duas estações de metro possíveis para aceder ao recinto, sendo que uma, a de Vorobyovy Gory (a outra por curiosidade é a Sportivnaya), serve apenas para a porta D. Para quem vai só ver a bola, é mau; para quem é adepto da converseta e da imperial antes do jogo, tendo em conta o espaço envolvente, é uma maravilha. Foi neste complexo que já se realizaram coisas tão díspares como Jogos Olímpicos de Verão nos anos 80, concertos com 115 mil pessoas de Michael Jackson na década de 90, finais da Liga dos Campeões já no século XXI. Foi neste palco que Cristiano Ronaldo ganhou o seu primeiro troféu internacional, então pelo Manchester United. E é neste anfiteatro que consagrou algumas das maiores figuras do desporto e do espetáculo que o avançado procura aquele que é o único grande feito que lhe falta.

O facto de ter voltado a marcar logo aos quatro minutos ajuda muito num texto que já tinha Ronaldo como figura central, mas já antes ele estivera em foco. Antes, durante e depois, em dia de jogo ou de folga, nos estádios ou nas ruas, Portugal e Campeonato do Mundo são conceitos que se confundem com o capitão nacional. Só muda a forma de dizer o nome, que vai variando entre Ranalda, Róóónaldo e Cristano. De resto, parece que tudo gira em torno deste rei sol global capaz de atrair milhares de pessoas da China à Índia por 90 minutos de um jogo de futebol. Um jogo que, para os marroquinos, não é de vida ou de morte, é muito mais do que isso, como diria o saudoso Bill Shankly. E com as atenções sempre centradas no número 7 .

Quando surgiu nos ecrãs no aquecimento, foi assobiado. Quando foi anunciado na constituição da equipa de Fernando Santos, foi assobiado. Quando, ainda no túnel de acesso ao relvado, fez questão de cumprimentar Kharja, uma antiga glória dos Leões do Atlas, foi assobiado. Quando tocava na bola ou visava a baliza, além de assobiado, até Messi gritavam das bancadas. E ele, ou Ele, impávido e sereno, a prosseguir naquele caminho para a história que lhe foi traçado pelos astros no primeiro dia em que tocou numa bola de futebol, com essa diferença de, uma década depois, ter outras virtudes e qualidades que ganhou com o tempo.

“O Cristiano não tem objetivos individuais. Não estamos num jogo individual, de ténis ou de atletismo, estamos num Mundial de futebol, que é um jogo coletivo. A Seleção portuguesa é campeã da Europa. Com Ronaldo também, obviamente, porque o nosso capitão é muito importante, mas nunca vi um jogador ganhar sozinho”, destacou Fernando Santos na conferência de antevisão do encontro frente a Marrocos. Tudo verdade. Tão verdade como o facto de, mesmo com Portugal a jogar abaixo do que consegue, o madeirense continuar a bater recordes atrás de recordes individuais como se, sozinho, fosse uma equipa.

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Depois do empate com a Espanha, o selecionador nacional admitiu erros e necessidade de fazer correções em alguns aspetos coletivos do jogo mas utilizou uma regra importante neste tipo de competições com jogos de quarto/cinco em quatro/cinco dias: trocou apenas Bruno Fernandes e João Mário, mais até por questões táticas do que outra coisa, e retirou qualquer possibilidade de se associar nome A ou B aos três golos sofridos frente à Espanha, por exemplo. Assim, e ao contrário do que se apontava, Gonçalo Guedes continuou a deixar André Silva no banco e Cédric manteve o lugar que disputa com Ricardo. A equipa foi melhor por isso? Não. Errou menos, em termos individuais e coletivos? Não. Mas a verdade é que saiu a ganhar para o intervalo.

Logo no primeiro minuto, e quando Portugal tinha apenas tocado na bola (sem posse) um par de vezes na bola, com Ronaldo a falhar um passe para João Mário, Marrocos deixou o primeiro aviso à baliza de Rui Patrício, com Boutaib a cabecear ao lado no seguimento de uma longa troca de passes e movimentações pela esquerda do ataque. Foi um aviso, quase uma ameaça. Depois, aos quatro minutos, a Seleção Nacional ganhou o segundo canto e lá surgiu o inevitável herói do costume, aquele para quem todos estão avisados e que nunca se limita apenas a ameaçar: toque curto de Bernardo Silva, cruzamento de Moutinho e remate do capitão em pleno coração da área sem hipóteses para El Kajoui (4′). Já tinha marcado à Espanha de pé direito e de pé esquerdo, agora foi de cabeça e num golo histórico que o colocou como o melhor marcador europeu de sempre de seleções, à frente de Puskas.

Os comandados de Hervé Renard entraram com a corda toda, motivados, mas acabaram por cair um pouco em termos anímicos com o golo consentido numa fase tão precoce. E não sofreram mais um porque Ronaldo, no seguimento de uma entrada de Raphael Guerreiro da esquerda para o centro, assistiu, o avançado fez a receção orientada de calcanhar mas o remate rasteiro acabou por sair ao lado do poste (9′). Depois, veio o eclipse geral e meia hora onde Marrocos recuperou a confiança em campo.

Amrabat, o extremo direito que começou o encontro com uma espécie de capacete que depois tirou, continuava a acelerar jogo pelo seu corredor e deu a oportunidade de empate a Boussoufa, com o cabeceamento a passar ao lado (10′). No minuto seguinte, na sequência de um canto, Benatia voltou a deixar nova ameaça pelo ar. E era no meio-campo português que se jogava.

Portugal demonstrava erros posicionais (por exemplo, no reinício da partida após o intervalo João Mário ocupou uma posição mais central, quase formando um triângulo com William Carvalho e João Moutinho), demasiada permissividade na abordagem ao homem com bola contrário e, pior que tudo, incapacidade de ter bola ou sequer explorar a profundidade, desperdiçando lances de transição que podiam dar situações de 3×3 ou 2×2 por passes errados no seu arranque. Das bancadas, e apesar de estarem em clara minoria, os adeptos nacionais recuperavam aquela música do “Pouco importa, pouco importa, se jogamos bem ou mal”. Pela cara de Fernando Santos, o selecionador não concordava. E as correções que ia tentando passar não produziam grande efeito, diante de uma equipa marroquina com muitos parecenças aos seus adeptos: aguerrida, a roçar o facciosismo, com mais qualidade tática do que a maioria das equipas africanas, mas a ser traída por esse sangue quente na hora em que deviam ser frios.

Ainda assim, a oportunidade mais flagrante até ao descanso foi de Portugal, com Ronaldo a assistir Gonçalo Guedes que, na área, isolado, permitiu a defesa a El Kajoui (39′). Mesmo em cima do intervalo, Belhanda também tentou a sua sorte mas Patrício sairia mesmo a zero no final dos 45 minutos iniciais, que acabaram com o capitão a fazer mais um sprint para ser o primeiro a entrar no balneário e a aproveitar para trocar logo algumas impressões ainda antes do túnel com Fernando Santos.

Houve essa alteração supracitada em termos táticos ao intervalo no conjunto português e acabou por sair dos pés de João Mário, que numa posição mais central aproveitou para fazer a desmarcação de rutura e ganhar as costas à defesa de Marrocos, a primeira oportunidade da etapa complementar, depois de Guedes falhar o remate e Ronaldo, na passada, atirar muito por cima (51′). Daí para a frente, de novo mais perigo dos africanos, em especial quando tinham bolas paradas perto da área de Rui Patrício, que fez uma defesa monstruosa a novo remate de Belhanda que levava o selo de golo (55′). Pouco depois, aproveitando uma bola a pingar na área após livre lateral, Benatia atirou por cima; a meio do segundo tempo, um livre direto de Ziyach levou o mesmo destino. Aos 78′, já com quatro substituições, o mesmo Benatia voltou a ganhar na área mas o cabeceamento saiu ao lado.

Até ao final, ainda houve uma boa bola de Ziyach a puxar da direita para o meio mas a ver o remate a ser travado pelo carrinho de Pepe, que celebrou o lance como se fosse uma partida de futsal, e mais um tiro por cima de Benatia, no seguimento de mais uma bola que não foi limpa após um livre lateral e foi parar aos pés de marroquinos. O jogo terminou e Portugal venceu mesmo por 1-0, com o golo logo aos quatro minutos. Com isso, esta crónica acaba por ser uma história que já tem barbas, ou barbicha, em homenagem ao novo look do capitão português: Ronaldo decide, faz história e disfarça o resto. E, frente a Marrocos, houve mesmo muito para disfarças, num encontro que valeu apenas pelo resultado e pelo passo importante rumo aos oitavos.