Andrés Guardado é o mais recente jogador da seleção mexicana de futebol a pedir aos adeptos para não gritarem “puto” quando forem ver jogos do México ao estádio: “Demonstremos que como mexicanos os nossos valores são de respeito e cordialidade. Receberam-nos de braços abertos, por isso é hora de mostrar que somos excelentes visitantes”, escreveu Guardado no Twitter esta quinta-feira. Antes dele, já futebolistas como Javier Hernández ou a própria conta oficial da Seleção Nacional do México tinham feito o mesmo apelo nas redes sociais. É que “puto” é uma palavra equivalente ao “bicha” ou “paneleiro” em português, portanto é usada para ofender os homossexuais.

A expressão “puto” e o cântico em que ela está enquadrada é uma adaptação de um grito de futebol dos anos 80 que era usado nos jogos nos Estados Unidos da América: em vez de “puto”, o cântico original dizia “pum!” e era usado não para desestabilizar a equipa adversária, mas antes para apoiar a própria equipa. No início do milénio, o cântico saiu dos campos do futebol americano pelas gargantas dos adeptos do Clube de Futebol Monterrey para provocar os guarda-redes das equipas adversárias, principalmente Oswaldo Sánchez e Óscar Perez. Em 2003, a palavra “pum!” foi substituída por “puto” num torneio pré-olímpico em Guadalajara e daí saltou para os campeonatos nacionais mexicanos e para campeonatos mundiais da FIFA.

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A Federação Internacional do Futebol (FIFA) tem tentado travar os cânticos com a palavra “puto” entoados pelos adeptos mexicanos durante o partido frente à Alemanha. Um dos passos que deu nesse sentido foi abrir um procedimento disciplinar contra a Federação Mexicana de Futebol depois de os adeptos que assistiam ao jogo terem dirigido esses cânticos ao guarda-redes alemão Manuel Neuer: “A decisão foi aprovada após uma avaliação minuciosa dos relatórios das partes relevantes, os precedentes da Federação Mexicana e as provas fornecidas, que incluíram vídeos dos incidentes, bem como exemplos de certas ações sustentadas tomadas pela Federação para consciencializar os seus apoiantes. Além disso, o Comité Disciplinar alertou a Federação de que poderia sofrer sanções adicionais em caso de infrações repetidas deste tipo”, diz o documento oficial da FIFA.

Mundial. FIFA processa federação mexicana por cânticos homofóbicos contra Neuer

Outra medida foi declarar “uma abordagem tolerância zero à discriminação” que implica permitir aos funcionários da FIFA identificarem e expulsar adeptos que usem esses cânticos. Além disso, deu autoridade aos árbitros para suspender os jogos caso os gritos prossigam. Só que nada disso pode resultar: a Federação Mexicana já tinha pedido aos adeptos que não gritassem “puto” nos jogos do Mundial ainda antes do início do Campeonato do Mundo, mas de nada valeu. A Federação mexicana já foi multada 12 vezes pela FIFA por causa desses cânticos.

Mas há uma grande controvérsia e incerteza sobre o verdadeiro significado da palavra “puto”: essa expressão tanto pode ser usada para ofender homens e mulheres homossexuais — num formato semelhante às palavras portuguesas “bicha” ou “paneleiro” — como também pode ser usada para significar “cobarde”. Em entrevista ao The New York Times, Luis Fernando Lara, editor do Dicionário de Espanhol no México, diz que a FIFA se engana ao interpretar o “puto” dos adeptos mexicanos como uma ofensa dirigida aos homossexuais: “É um insulto, sim, mas não contra a comunidade gay. Acho lamentável que se esteja fazendo esse escândalo por causa do politicamente correto”.

Essa não é a leitura de Ricardo Bucio, ex-dirigente da Comissão Nacional para Prevenir a Discriminação mexicana: “O sentido com o qual esse grito é entoado nos estádios não é inócuo. Ele reflete a homofobia, o machismo, a misoginia que ainda imperam em nossa sociedade. É expressão de desprezo, de rejeição, não é descrição nem expressão neutra. É uma qualificação negativa, é estigma, é subvalorização”. Joshua Nadel, autor do livro “Fútbol! Porque é que o Futebol Importa na América Latina”, é semelhante: “Chamar ao oponente gay é definitivamente um espetro de machismo, em que o oponente é visto como mais fraco ou menos masculino”.

A luta que a FIFA tem vindo a travar contra a palavra “puto” surge quatro anos depois de ter sido criticada por não se ter pronunciado sobre os cânticos que a incluem: “Eles podem considerar abstratamente o que a palavra significa, mas não entendem o soco visceral que se sente quando ouve um insulto na sua língua nativa. Os oficiais da equipa mexicana, por outro lado, sabem exatamente o que significa ‘puto’. No mínimo, eles poderiam fazer uma declaração simbólica”, disse  Juliana Jiménez Jaramillo num artigo na Slate feito em junho de 2014. Foi o que a FIFA decidiu fazer neste Mundial.