De quatro em quatro anos, a história repete-se e, à partida para cada campeonato do Mundo, muitos são os palpites e as opiniões sobre quais os principais favoritos à vitória na competição. Quer dizer, na realidade, não são assim tantos, já que os nomes apontados são invariavelmente os mesmos: Brasil, Alemanha, Espanha e… Argentina.

A formação alviceleste é presença assídua no lote de candidatos, seja pelo peso da história ou do seu maior astro Messi, pelo legado deixado por ídolos como Maradona, Batistuta, Di Stéfano ou Passarella — ou simplesmente porque deixar de fora da fase decisiva uma seleção com nomes como o supracitado Messi, Agüero, Di María, Dybala ou Higuain parece quase tão ousado como a própria linha ofensiva argentina. Essa, que salta à cabeça quando pensamos na seleção das pampas, levando a ignorar o setor mais recuado, que tanto deixa a desejar.

Mas fosse a organização defensiva o único problema da Argentina e estavam os sul americanos bem contentes da vida. Campeões do Mundo por duas vezes — o primeiro título aconteceu em 1978 e o último em 1986 –, é importante ter noção de que já passaram 32 anos desde a conquista sobre a Alemanha Ocidental (3-2). Na altura, José Luis Brown, Burruchaga e Jorge Valdano (sim, o antigo diretor desportivo do Real Madrid) apontaram os golos da vitória. Nessa mesma altura em que a Rússia fazia parte da União Soviética, a Alemanha não estava unificada e o craque argentino era Diego Maradona. Lionel Messi? Bem podiam falar dele em 1986 que ninguém o conheceria — a estrela da Argentina e do Barcelona só viria a nascer a 24 de Junho do ano seguinte. 

Então o que vai mal na Argentina, que até marcou presença na final do último Mundial (derrota por 1-0 frente à atual Alemanha), mas que se vê afastada dos títulos há mais de três décadas? O Observador olhou para as prestações da equipa de Jorge Sampaoli até ao momento no Rússia 2018 e mostra-lhe a distância que separa os sul americanos do topo do Mundo.

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Cabisbaixo, derrotado e sozinho. Assim estava Messi no final da partida; assim o esteve durante todo o encontro. O astro argentino foi insuficiente para levar a equipa às costas contra a Islândia e a Croácia (Photo by Gabriel Rossi/Getty Images).

Uma equipa inteira às costas de Messi

“Foi um bocado difícil elaborar o onze. Tínhamos de analisar os rendimentos mais compatíveis e quais os que encaixavam com o Leo (Messi). Vão ver uma equipa que sabe muito bem o que o Leo necessita, que é um jogador do qual dependemos imenso”. A frase é de Jorge Sampaoli, selecionador da Argentina, e deixa adivinhar a ideia de jogo alviceleste: a equipa gira em torno de Messi numa dependência quase doentia do pequeno grande astro do Barcelona.

Sampaoli nunca negou que a estratégia argentina seria montada de forma a facilitar o trabalho de Messi e exponenciar as suas muitas qualidades individuais, mas, frente à Islândia, na primeira jornada do grupo D, essa dependência foi levada ao extremo e o que podia ser bom rapidamente se tornou numa espécie de pesadelo. A responsabilidade de construir e finalizar praticamente todas as jogadas de ataque da Argentina recaiu sobre Messi, que se viu demasiado isolado dos restantes companheiros durante grande parte do encontro.

O número dez alviceleste bem tentou combinar com os seus, mas sem sucesso, já que Di María e Meza se encontravam demasiado abertos no campo, ao passo que Biglia ficava excessivamente recuado. A Agüero, a bola nem chegava. Resultado: Messi foi protagonista de onze das 26 finalizações argentinas (atrás de Messi surgem Otamendi e Agüero, com três), assinou 65 passes, foi derrubado em falta três vezes e correu quase oito quilómetros. Contra a Croácia, então, mal se viu Messi. E o resultado ficou à vista, com a vitória croata a trazer justiça ao que se passou em campo — a Croácia anulou o astro do Barcelona e com isso acabou com as hipóteses de sucesso dos alvicelestes na partida.

Terceiro golo da Croácia, assinado por Rakitic. Situação de três para um na área argentina com superioridade numérica para os croatas. Surreal… (Photo by Clive Brunskill/Getty Images)

Previsibilidade em ataque organizado

Ponto prévio: Islândia e Croácia tiveram muito mérito na organização defensiva que apresentaram e na forma como anularam Messi, perdão, o ataque argentino. Perante defesas bem montadas, foi escassa a inspiração dos sul americanos e quase nula a capacidade para desequilibrar a muralha opositora. Se frente à Islândia a Argentina ia trocando a bola a toda a largura do campo, esperando pelo momento certo para Messi (quem mais?) ser criativo e arrancar no lance individual, frente à Croácia nem isso aconteceu. O herdeiro legítimo de Maradona foi ofuscado pelos atletas croatas, que apagaram o brilho de Messi e deixaram a Argentina às escuras. Sem o número dez, foi-se a criatividade, foram-se as oportunidade, ficou a derrota frente à Croácia.

A profundidade dada por Acuña e Salvio (os jogadores de Sporting e Benfica foram titulares na partida frente aos croatas) em ambos os corredores não foi suficiente para desequilibrar a defesa croata, que apostava na classe de Modric, Rakitic, Perisic e Brozovic para secar Mascherano e Enzo Pérez e ganhar o controlo da zona central do terreno. Depois, cruzamentos para o pequeno Agüero no meio de centrais altos e fortes como Vida ou Lovren serão a melhor aposta? Pelos vistos, não. E, enquanto este facto era constatado, Modric fazia magia e assinava o 2-0, enterrando ainda mais a Argentina. E que golaço do médio croata a mostrar aos argentinos como se faz. 

Foram vários os duelos entre Kun Agüero e os centrais croatas, muitos deles perdidos pelo avançado. O jogo aéreo foi uma insistência argentina que trouxe poucos ou nenhuns frutos (Photo by Clive Brunskill/Getty Images)

Constelação de estrelas apagadas

Lionel Messi, Ángel Di María, Gonzalo Higuaín, Sergio Agüero e Paulo Dybala. Ah, falta Mauro Icardi, que não conseguiu lugar nos 23 eleitos. Com tanto nome sonante, seria de esperar melhor prestação e maior produtividade ofensiva, não? Bem, pelos vistos também não. (Pausa para apreciar o terceiro golo croata, apontado por Rakitic, quando na área alviceleste se encontravam três croatas contra Acuña). Agora sim, está carimbada a derrota argentina por 3-0. Escândalo? Só para quem não viu a partida. 

Continuando a ideia do texto, por mais que Messi seja o líder incontestado da equipa, convém a esta Argentina que La Pulga tenha um pouco mais de ajuda. Para que serve ter uma das melhores frentes de ataque do Mundial, se esta faz apenas um golo em duas partidas? Para quê ter Messi, Di María, Higuaín, Agüero e Dybala, se jogarão Meza, Salvio, Acuña e Pavón? Para ganhar? Certamente que não. E que o digam a Islândia e a Croácia, que ultrapassaram uma constelação de estrelas apagadas e deixaram a Argentina em maus lençóis.

Otamendi é o patrão de uma defesa pouco trabalhadora, que nem com a mais certeira ordem parece ser capaz de se mostrar eficaz. Já em desvantagem no marcador, Otamendi chuta a bola contra a cabeça de Rakitic, que se encontrava no chão. O resto foi a confusão habitual no futebol sul americano  (Photo by Clive Mason/Getty Images)

Aposta em jogadores com pouco ritmo competitivo

Minuto 53′ do encontro com a Croácia: o guardião Caballero tenta o alivio, manda uma rosca que não sai da área e deixa a bola à disposição de Rebic, que inaugurou o marcador. Antes, na partida frente à Islândia, já o guarda-redes se tinha desentendido com Rojo, com o lance a ficar perto de originar um autogolo. No total, Caballero (13) e Rojo (12) somam 25 jogos esta época; no Mundial, estrearam-se a titulares.

Ignorando a falta de rotinas defensivas de Salvio para assumir o posto de lateral direito, a Argentina contou ainda com Biglia no meio campo – o médio do AC Milan realizou apenas 45 minutos nos últimos dois meses, fruto de uma lesão nas costas. 

Na frente, aparecia Maximiliano Meza. O extremo do River Plate até marcou seis golos em 35 partidas na presente temporada, mas contava apenas com duas internacionalizações (vitória particular frente ao Haiti e derrota em jogo de preparação frente à candidata Espanha por 6-1) até à estreia no Mundial.

No final da partida, era visível a desilusão entre os adeptos argentinos. Pelo menos, os poucos que se mantiveram nas bancadas. A Argentina soma um ponto em dois jogos e tem o apuramento para os oitavos em risco (Photo credit should read MARTIN BERNETTI/AFP/Getty Images)

Setor defensivo abaixo do exigível para um candidato ao título

Se o futebol se jogasse apenas do meio campo para a frente, a Argentina teria um dos melhores onzes do Mundo (pelo menos, no papel). Azar o de Sampaoli que também seja preciso defender. E com Willy Caballero, Marcos Rojo, Nicolás Tagliafico, Gabriel Mercado, Cristian Ansaldi, Federico Fazio e Nicolás Otamendi o papel do técnico argentino não fica facilitado. Como transmitir segurança a criativos como Messi ou Dybala, se estes souberem que, perdendo a bola, a defesa alviceleste tremerá por todo o lado?

Mas este problema defensivo é já hábito na Argentina. Em todos os Mundiais, o sul americanos apresentam-se com um ataque monstruoso e uma defesa minúscula. Se em 2014 a experiência de Zabaleta, Garay e Demichelis serviu para segurar as pontas, na Rússia os dois primeiros jogos foram um desastre e nem Sampaoli sabe o que fazer: contra a Islândia, apostou numa defesa a quatro (Otamendi, Rojo, Salvio e Tagliafico) e perdeu 1-0; frente à Croácia, entrou com três centrais (Otamendi, Tagliafico e Mercado) apoiados por Acuña e Salvio, nas alas, e voltou a perder, desta feita por 3-0. Solução? Sampaoli que a arranje. E rápido, se não quiser ficar já pela fase de grupos. A verdade é que a Argentina leva um ponto em dois jogos e depende de terceiros para seguir para os oitavos da prova. Passar a primeira fase vai ser uma missão complicada. Candidatos ao título? Claro. Tal como a Islândia, a Croácia, a Nigéria…