“Todo dia é um 7 a 1”, é uma expressão engenhosa, sintomática de uma sucessão de derrotas diárias, pequenas ou grandes, de tal forma desesperantes que chegam a desmotivar um brasileiro, essa fonte interminável de alegria. “Mais um gol da Alemanha” é outra frase que já se tornou corriqueira no quotidiano de quem sobrevive ao país do futebol. Estas duas entradas a pés juntos no dicionário são um contra-ataque mordaz às adversidades, uma jogada genial de quem sabe fitar a desgraça — a derrota de 7-1 com a Alemanha em 2014 — e sair do campo sempre vencedor. O plano na Rússia é recuperar do trauma que deixou os jogadores em lágrimas, levar para casa o desejado hexa e, a julgar pela convocatória de canções para este Mundial, só vai dar Brasil. Preparem-se, vai ser um baile.

“Eu Vim pra Fazer a Diferença”

Alexandre Pires e Thiaguinho

Salmo 30:5: “O choro pode persistir uma noite, mas de manhã irrompe a alegria”. A evangelização pagodeira de Alexandre Pires e Thiaguinho, começa no jeitinho radiofónico da Igreja Universal, a soltar salmos aleatórios para ver se colam às nossas desgraças, a recordar a choradeira, o “ai mamãe que te quero” que foi o Thiago Silva, David Luiz e Júlio César no último Mundial. O remédio é sempre alegria, e com churrasco e boa disposição se faz o pagode, que consegue crescer em contentamento a cada trago de cerveja. Na comunidade do Jardim Irene, São Paulo, filmaram o melhor videoclip desta safra, com a imprescindível ginga da câmara entre barracos, sem atores profissionais, na mira de “Cidade de Deus”, e aqui o papo é mesmo “bola p’ra frente” e fé em Deus. “O Espírito Santo vai te ajudar/ Não aceite a derrota antes de tentar”, motivam os pagodeiros, a tentar “resgatar o orgulho de ser brasileiro”. “Engole esse choro, segure a sua dor”, ou por favor não queremos passar mais vergonhas em campo. Não garantem que este ano é hexa, apenas que vieram para “fazer diferença”, como comprova o novo penteado esparguete de Neymar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Kikadinha”

Jerry Smith

Obviamente que existe um leque extenso de cruzamento de canções do Mundial com rabos, não fosse este o país da acirrada competição Miss BumBum, que tem este ano sua última edição. Jerry Smith, com aquele beat azeiteiro de buzina de carro em “Kikadinha”, tem o sonho de ser obeso no Mundial de 2028, comer muito gelado e ter sempre ao seu lado “vários bumbum, que é pra me dar mais sorte”. O grande desafio nisto tudo é fazer o bumbum “quicar igual bola” e seguindo esta lógica, se é “bola na trave, dá uma tremidinha” e se “é escanteio, dá uma empinadinha”. Faz sentido.

“Copa do Bumbum”

MC WM e Léo Santana

Kondzilla é o svengali dos traseiros femininos em tela, produtor de videoclips e principal youtuber do Brasil, que demonstra novamente uma extraordinária disposição técnica para captar ângulos impossíveis de sinuosas curvas. O funk-samba chiclete de MC WM e Léo Santana, “Copa do Bumbum”, repleto de exaltadas dançarinas, quase em síncope coletiva, a conseguirem entrar em campo com um impressionante jogo de equipe, perfeita sincronia “quando a bunda faz bum”. As mulheres brasileiras chegam sempre vitoriosas à peladinha, afinal “já nasce de fábrica com um pandeiro”, que é como quem diz, um instrumento de percussão e exaltação nacional, a bunda. “Quando ela passa, a gente grita: É do Brasil!”. E as inimigas, alemãs, que tenham vida longa de inveja. “Deixa os gringos zoar com aquele papinho de 7 a 1/ Hoje a gente vai desafiar o mundo inteiro”.

“PaPum”

MC Kevinho

MC Kevinho, que levou o Norte do país à loucura e promete voltar ainda este ano a Portugal, responde à pergunta de Gabriel Jesus, avançado de Manchester City. “Qual é a boa?”. É “Papum”, outro remelexo do “moleque dos hits”, novamente nas mãos do produtor KondZilla. É um funk requebrado irresistível, aparenta simbolizar um “movimento que ela faz”, quando joga e “vai pra trás”, envolve reboladinhas, e certamente deve ser uma nova e original onomatopeia para descrever movimentações desde a linha de canto à grande área.

“Disputa do Bumbum”

MC Loma e As Gêmeas Lacração

As amigas funkeiras pernambucanas pouparam a família, espalham a magia dentro do guarda-roupa, no duche de casa, na bicicleta do vizinho, e fizeram um vídeo viciante com 45 milhões de visualizações, sendo hoje as principais responsáveis pela febre do brega funk nordestino. Para o Mundial voltaram à batida brega e a maquilhagem duvidosa para convocarem todos para a “disputa do bumbum”, que consiste maioritariamente em “mexendo o bumbum pra lá” e “mexendo o bumbum pra cá”. Era neste momento que o Hulk e seu quadril imponente faria falta na convocatória de Tite, selecionador da canarinha.

“Eu e a Torcida do Brasil”

Aviões e Wesley Safadão

Na malandragem brasileira alguns já tinham uma música a aquecer no banco, com umas bandeirinhas aqui, uma referência a “torcida” ali, e entram no jogo a tempo do prolongamento. Uma canção de amor sobre futebol? Anda comigo ver os Aviões e Wesley Safadão, o cantor mais popular do Brasil, expertise em escapadelas românticas e grandes safadezas. O forró “Eu e a Torcida do Brasil”, com o conceito peculiar de amigos a assistirem — e cantarem — um filme piegas na televisão, não consegue despontar, apesar do sempre esforçado e esganado cantar de Safadão.

“Agora é Hexa”

AnaVitória

Os romantismos não ficam por aqui. O movimento musical brasileiro “fofolk”, diga-se folk fofo (sim, isto existe), é a definitiva vitória do Instagram sobre as nossas vidas, canções delico-doces de pessoas stylish que passam a vida a sorrir, sem aparentes preocupações, como fazer descansar as bochechas fatigadas de tanta boa disposição. A dupla AnaVitória (sim, são irmãs e chamam-se Ana e Vitória), queridas do público português, que em breve vão lançar um filme sobre as suas sorridentes vidas, admitem logo: “Não entendo nada de nada de futebol”. E mesmo assim garantem: “Agora é hexa!”. Os amigos, Atitude 67, entendidos da bola, lembram-se “do Bebeto e do Romário em 94”, “Ronaldo no ataque”, e quando a “gente tinha o Taffarel”, fizeram a papinha toda para o Tite, basta “Philippe Coutinho solto no canto direito”, recebe e toca “pra Jesus, que milagre fazia”, “lançou pro Neymar, que chutou com sede, é bola na rede e grita, é gol!”. Fácil, não é?

“Vai Aê”

Ruy Brissac

Até hoje muitos brasileiros estão convencidos que o Mundial de 98 foi comprado. O pesadelo começou com uma cabeçada de Zidane para dentro da baliza, seguido de outras duas desgraças em forma de golo francês (Zidane, Zidane, Emmanuel Petit). Dinho, vocalista dos Mamonas Assassinas, tinha um música pronta para 98, que só agora foi gravada por Ruy Brissac (Dinho morreu em 1996), ator que incorporou o vocalista do “Vira Vira” num musical. Se esta sexta-feira o jogo for igual ao da Suíça, e Neymar passar os 90 minutos no cai, levanta, roda e vira, corre o risco de lhe passarem a mão na bunda e não comer ninguém.

“Oooh La La La La”

K2rhym, Ronaldinho

A segunda teoria do Mundial de 98 é o envenenamento de Ronaldo pelos franceses. A vingança chegou em 2002, com dois golos do Fenómeno, vitória sobre a Alemanha e a presença em campo de Ronaldinho Gaúcho, famoso por brincar na areia e na vida, prova irrefutável no recente pedido de casamento simultâneo a duas namoradas (a “festa” é em Agosto). Outra prova é a carreira musical deste artista de muitos malabarismos, que regressou este mês ao lado de Will Smith na música oficial do Mundial e na oficial da Tunísia, videoclip filmado no Rio de Janeiro com um segurança do Urban que o Google garante ser um rapper de sucesso no Norte de África.

“Família Canarinho”

Felipe Neto

O detestável youtuber Felipe Neto, que de tão detestável ainda acaba em Presidente, cantou um samba onde garante que “a seleção do Tite vem pra detonar”, isto claro, se considerarmos estes sussurros desafinados como cantar.

“Torcida Brasil”

Diogo Nogueira

Um sambista de corpo inteiro é Diogo Nogueira, reuniu uma “Torcida Brasil” e não inventa, é tudo à grande, a beber caipirinhas em botequins na Lapa carioca. Equipa que ganha não mexe.

“O Hino da #TorcidaN1”

Anitta, Thiaguinho e Fabio Brazza

Anitta, que faz a paradinha este domingo no Rock in Rio, junta-se a Thiaguinho e Fabio Brazza num pedido — a serviço do Banco Itaú — para o Brasil mostrar a força e “acreditar de novo”. A cerveja Brahma requisitou o clássico benfiquista Daniela Mercury para uma sequência confusa de ritmos chamada “O Hino da #TorcidaN1”.

“Aonde Nós Chegou”

MC Menor MR e MC Dede

“É nois”, é uma demonstração de união e afeto entre amigos. O MC Menor MR e MC Dede apostam na balada funk “Aonde Nós Chegou” para acordar a canarinha e ao mesmo tempo, refletir no caminho árduo que os tirou da favela, desde Vila Isabel à comunidade mais exclusiva de todas, a Lacoste. É nois. “Eles podem errar, quem não pode errar é nós”, cantam, a adivinhar os cortes de cabeça de Thiago Silva com os olhos fechados. “Só deus sabe o quanto eu já sofri e tudo o que a gente passou” é o mote para uma final de amizade e superação. No fim, e independentemente do penteado esparguete e a oferta de bumbum, só interessa quem ganha em campo, e mesmo assim, se o Brasil perder, é apenas “mais um gol da Alemanha”.