Enviado especial do Observador à Rússia (em Moscovo)

Saber que o centro de imprensa do Luzhniki Stadium abre às 10h da manhã e ser o primeiro a chegar é qualquer coisa. Boa, claro. Mas também pode ser má. Não sabendo ao certo de onde vem as pessoas que estão à porta da primeira entrada, no mínimo têm uma ou duas costelas britânicas e tudo é para cumprir com uma pontualidade ao segundo. Assim, resta-nos dar uma volta a passarinhar um bocado enquanto aquele teimoso ponteiro dos minutos não avança para onde devia. E parar junto ao mapa de todo o complexo onde Portugal venceu Marrocos por 1-0. Com as devidas salvaguardas, tem pontos de contacto com a nossa zona do Jamor. Mas só mesmo isso porque estamos perante uma brutalidade que esmaga tanto como o interior do estádio.

O Centro Aquático ainda aparece como estando em construção, mas comparando com o tamanho do estádio principal, é tudo menos uma coisa pequena. Longe disso. Depois existe ainda o Crystal Ice Center, outro edifício imponente. E há a Bolshaya Sportinvaya Arena, o Druzhba Sports Hall, a Malaya Arena, o North Sports Center, o Palácio dos Desportos, campos de futebol (um de relva natural, os outros com sintético) com fartura, courts de ténis, inúmeros espaços para fazer programas tipo ginásio ao ar livre, paredes para escalada, ginásios, piscinas exteriores, parques para crianças e até uma igreja. Parece uma cidade. Grande, grande, grande como a zona do Fan Park criado do outro lado do rio, com uma capacidade para 25 mil pessoas.

A caminho do espaço que receberia esta sexta-feira como primeiro jogo o Brasil-Costa Rica, deparamo-nos com alguns pormenores que ainda não tínhamos visto até agora na capital. Como, por exemplo, espaços delimitados no acesso à plataforma das estações onde os músicos podem ganhar algum fazendo as delícias de quem passa. Ou, já no corredor mais próximo da estação de Universitet, pequenas bancas no chão que vendem bandeiras, camisolas e pequenas trombetas que só nos fazem lembrar como é engraçado e ao mesmo tempo doloroso para os ouvidos andar de metro após um jogo da Rússia. A tabuleta do Fan Park está já ali, mas é um engano: ainda nos esperam daquele ponto até lá 20 minutos a andar com uma boa passada.

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Há mais coisas até lá pelo enorme corredor pedestre, do gelado simples por 100 rublos (1.20 euros, algo por aí) que parece ser daqueles amontoados de corantes de conservantes em forma arredondada às tão comuns pinturas de bandeiras na cara, daquelas que saem com uma lavagem por serem feitas com tintas de água. E andamos, andamos, andamos. E andamos mais um bocado, neste espaço que parece não ter fim. Entretanto passam dois brasileiros, um deles a gravar uma mensagem de Whatsapp para enviar. “Já estamos chegando cara, eu e o Alemão já bebemos uma garrafa de vodka, temos agora uma cervejinha e o plano é o seguinte: se o Brasil ganhar, há farra; se o Brasil não ganhar, vamos dar pancada nos argentinos e vamos para a farra porque assim não dá”, diz. Há rivalidades que nunca vão mudar no futebol; com um copito a mais em cima, ainda pior.

A certa altura, viramos para cima e segue a caminhada. Agora sim, numa fotocópia em ponto grande do Jamor, naquela zona por onde costumam chegar os autocarros, com muitas árvores e pequenos passeios. Mas com uma entrada mais parecida com um festival de música de Verão do que outra coisa, com muitas bancas de bebidas, comida e souvenirs, além das instalações da FIFA e dos voluntários do espaço. Em Moscovo é tudo grande e o Fan Park não é exceção: além das dezenas de bancas espalhadas por todo o complexo (mesmo cheio aquele cenário das grandes filas para ir buscar uma cerveja, por exemplo, não parece ser muito provável), há um pormenor engraçado que é um palco onde adeptos de seleções diferentes tiram fotografias juntos (com contador incluído) e podem ganhar bilhetes para a final ou os mini pacotes de amendoins que são vendidos com cerveja com um formato ligeiramente maior do que aqueles caixas redondas de paté que existem nos restaurantes como entrada.

Como seria de esperar, os brasileiros tomaram conta da situação. Quando surgem as primeiras imagens do estádio de São Petersburgo, há quem se questione porque não havia mais bilhetes à venda e existem tantas clareiras ainda nas bancadas; outros não querem mesmo saber: vieram para Moscovo diretos, vão aos jogos que se jogam por aqui, veem outros no Fan Park e estão ansiosos que venha o Brasil-Sérvia, que se vai realizar no Spartak Stadium. Quase que podemos jurar que vimos bandeiras, camisolas, pinturas na cara e cachecóis de todos os países no Mundial (praticamente vá, se bem que até com adeptos islandeses nos cruzámos quando vínhamos a sair), mas há uma que nos chama a atenção. A nós e a toda a gente, porque às vezes parecem abelhas à volta do mel por uma fotografia com aquelas pessoas, aquelas camisolas, aquelas cores de Portugal.

Vêm da zona do Porto e fazem a diferença. Os amigos Joaquim Veloso, Luís Assis e Manuel Campos vieram a Moscovo para o jogo com Marrocos e por cá ficaram mais uns dias, numas férias que acabam daqui a dois dias. À medida que vamos falando lá chegam as interrupções do costume para as fotos e a certa altura até já somos quase uma espécie de fotógrafo oficial de gente de todo o mundo com este trio da vida airada. Manuel é o único que sabe russo. Veio pela primeira vez ao país há 30 anos e durante algum tempo viveu mesmo cá, trabalhando no setor da metalomecânica e subcontratando outras empresas. “Isto já não tem mesmo nada a ver, está cada vez melhor e melhor. Esta organização não sei se será perfeita, mas anda perto disso”, diz. Há sempre aquele problema de já estar a amanhecer às 3h30, mas o resto compensa. “Com a segurança não facilitam nada mas por acaso hoje estivemos no Museu da Guerra, que tinha lá um evento ou uma homenagem, e foi menos apertado”, conta Luís. “Mas no jogo, cá fora, houve dois marroquinos que abriram uma tocha, veio logo a polícia a cavalo e ficaram ali”, recorda Joaquim.

E lá vêm mais umas fotografias. Arranjar a bandeira, fazer aquele “fixe” com o dedo polegar, sorrir para qualquer que seja aquele país. “Por acaso aconteceu uma coisa engraçada: nós só trazíamos estas camisolas de Portugal mas começámos a perceber que, durante o dia, quando andávamos com ela, toda a gente queria tirar uma fotografia. Assim o que começámos a fazer foi chegar a casa, lavar as t-shirts, pôr depois a secar a apanhar com o ar condicionado e no outro dia de manhã estava prontinho”, dizem. “Todos gostam de nós, é Portugal para aqui e Portugal para ali porque nós somos assim: sempre simpáticos, bem dispostos, prontos para o convívio com toda a gente. Só queremos paz e sossego, o resto venha tudo”, reforçam. E é mesmo assim, com uma outra curiosidade que vimos ao longo da tarde: se for alguém com traços asiáticos e uma camisola de Ronaldo, e há muitos por aí, ninguém liga muito. Afinal, o verdadeiro português é fácil de identificar em qualquer lado.

Ao intervalo, mais uma surpresa. Pena que esteja tão longe e numa zona reservada a que só as credenciais com os números todos do 0 ao 9 podem aceder, dizem-nos. Mas está ali: Iker Casillas, antigo campeão europeu e mundial e guarda-redes do FC Porto, sobe ao palco principal que tem o maior dos nove ecrãs gigantes espalhados por todo o espaço e saúda os adeptos, que tinham ido dar uma volta mas vão a correr para os lugares onde estavam, mais coisa menos coisa. “Tudo isto é muito bonito, é bom ver sempre tanta gente nesta Fan Zone e que mantenham sempre o desportivismo. Mensagem? Que aproveitem, que desfrutem e que contribuam para a festa. E que no final ganhe o melhor, neste caso a Espanha”, atira entre muitos aplausos.

Começa a segunda parte e só há mesmo dois grupos que conseguem rivalizar com os portugueses: o maior de brasileiros, com cerca de 20 ou 30 (provindos de várias partes do país, sobretudo São Paulo e Porto Alegre), e um mais pequeno de colombianos que têm uma camisola especial onde cabem cinco pessoas (e onde todos querem entrar para tirarem uma fotografia). Com o passar dos minutos, a tensão aumenta e as oportunidades em barda que o Brasil vai falhando, assim como a queda de jogadores da Costa Rica no chão, também não ajudam. Marcos, camisola 10 nas costas, teve minutos a fio a ver o jogo enquanto se metia com um russo com a camisola da canarinha que já era seu amigo e com algumas raparigas que iam passando, pintando a bandeira do país na cara com uma espécie de batom que tinha o verde e o amarelo, já dá murros no chão plastificado de quando em vez. Até que Coutinho colocou a bola entre as pernas de Navas e provocou a festa total. E Neymar, aquele a quem já chamavam de tudo um pouco do cabelo à personalidade, faz o 2-0 e torna-se um herói. O miúdo chora, todos ficam com a lagriminha no canto do olho. Mas agora já passou, não é tempo para chorar mais sim para rir. Para ir para a farra. E para desfrutar, como diria Iker Casillas, o convidado inesperado desta tarde que ainda tem uma enorme legião de fãs entre os adeptos do futebol.