Os cinco homens condenados em abril a nove anos de prisão por abuso sexual de uma jovem nas festas de São Firmino, em 2016, foram libertados esta quinta-feira em regime de liberdade condicional, pelo tribunal de Navarra. Os juízes podiam tê-los deixado em preventiva mais tempo, mas optaram pela libertação sob o pagamento de uma fiança de 6 mil euros, o que está a motivar manifestações em vários pontos do país.

As justificações foram conhecidas esta sexta-feira depois da divulgação de partes do auto que serviu de base à decisão do tribunal: um dos motivos é o facto de os arguidos viverem a mais de 500 quilómetros de distância da vítima.

A decisão, tomada com o voto a favor de dois dos três juízes que compõem o coletivo, tem a ver com o facto de “nenhum dos acusados ter antecedentes criminais por delitos de natureza semelhante” e de “todos os acusados terem residência a mais de 500 quilómetros de distância da vítima”, segundo se lê no auto judicial, citado pelo jornal espanhol El País. Isto, no entender dos juízes, é mais adequado do que manter os acusados em prisão preventiva. O tribunal entende igualmente que não há risco de fuga.

O tribunal explica, assim, que os cinco condenados perderam o anonimato, o que faz “menos impensável” o risco de repetirem o delito e também complica a possibilidade de fugirem à Justiça. Por outro lado, os magistrados alegam que vivem a mais de 500 quilómetros da vítima, que não têm antecedentes de delitos sexuais, que não têm dinheiro para “conseguirem uma fuga eficaz” e que o alarme social não justifica a sua manutenção em prisão preventiva.

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José Ángel Prenda, Ángel Boza, Jesús Escudero, Antonio Manuel Guerreiro, Alfonso Jesús Cabezuelo, os cinco homens conhecidos como La Manada, com idades entre os 26 e 29 anos, acusados de terem abusado sexualmente de uma jovem de 18, estavam presos desde o dia 7 de julho de 2016, sendo que, de acordo com o El País, ainda podiam ficar mais dois anos e meio na mesma situação. O tribunal, contudo, decidiu que podia ficar em liberdade condicional sob o pagamento de uma fiança.

Membros de La Manada saem da prisão em liberdade condicional

O advogado de quatro dos cinco arguidos, Agustín Martínez Becerra, congratulou-se ainda ontem com a decisão: “Não estamos perante um caso de violência contra as mulheres, mas sim perante um caso particular em que, por mais que vos custe crer, eles estão inocentes”, disse, acrescentando ainda que a medida de prisão preventiva deve ser “excecional” e não prolongada no tempo.

A verdade é que prolongar a preventiva, em vez de decretar a saída em liberdade condicional, tinha algumas vantagens para os arguidos. Se o tribunal tomasse a decisão de prolongar a prisão preventiva, os cinco réus só teriam de cumprir mais dois anos e meio de prisão efetiva, o que corresponderia a metade da pena (quatro anos e meio da pena de nove anos). Ou seja: esta decisão significou a liberdade dos acusados no imediato, mas também é a única forma de cumprirem — caso a decisão transite em julgado — mais sete anos de prisão efetiva em vez de apenas dois e meio.

A liberdade condicional foi conseguida mediante a imposição de medidas cautelares para lá do pagamento de uma fiança: os condenados tiveram de dar uma morada e um telefone para serem localizados a todo o momento. Se não forem localizados “de imediato” nos domicílios referidos, ficam sujeitos a uma ordem de detenção. Mais: têm de se apresentar todas as segundas, quartas e sextas na esquadra mais próxima da sua casa, e estão proibidos de entrar na comunidade de Madrid, onde reside a jovem molestada.

Para os juízes do tribunal de Navarra, os membros de La Manada não atuaram com violência nem intimidação e essas são condições essenciais para determinar que houve agressão sexual segundo o Código Penal espanhol. Não considerando ter havido agressão, os cinco homens foram apenas condenados pelo crime mais leve: abuso sexual. Saber se foi ou não um ato consentido ou uma violação esteve sempre no centro da discussão: a jovem de 18 anos disse que o ato não foi consentido e que só não apresentou mais resistência — e lesões que indicassem essa resistência — porque entrou em “estado de choque”. O grupo, por outro lado, afirmou sempre que o sexo tinha sido consentido.

Nova onda de indignação

A decisão dos juízes de decretar a liberdade condicional motivou de imediato novas enchentes nas ruas de Pamplona. O slogan “Não é abuso, é violação” voltou a fazer-se ouvir numa nova onda de indignação e mobilização social, com várias manifestações a serem convocadas para os próximos dias para vários pontos do país. A indignação vai desde a sociedade civil aos partidos políticos, com todos os grandes partidos a condenarem a decisão dos magistrados.

Os protestos alargaram-se de forma espontânea a outras cidades espanholas e há várias manifestações marcadas para hoje, como a do Movimento Feminista de Madrid que convocou uma concentração em frente do Ministério da Justiça, em Madrid, contra a decisão de libertar “A Manada”. O Partido Socialista Operário Espanhol, no Governo, considerou que a libertação decidida é uma “má notícia”, que provoca “insegurança” e o afastamento das pessoas em relação à Justiça, enquanto o Partido Popular (direita) manifestou o seu respeito pelas decisões judiciais, mesmo aquelas que se gosta menos.

Fontes do governo de Pedro Sánchez sublinham que “os atos provados são gravíssimos”, mas não querem, nem “podem”, “interferir em decisões judiciais”. A secretária de Estado da Igualdade, Soledad Murillo, que tem sido muito criticada por inação, afirmou nas redes sociais que a decisão “gera um grande alarme social”, mas acrescentava que era preciso esperar para ler o auto que fundamentava a decisão.

Segundo o El País, esta vai ser já a terceira vez em menos de um ano que milhares de pessoas, sobretudo mulheres de coletivos feministas de todo o país, se vão mobilizar contra o caso judicial que maior contestação tem desencadeado. “Sentimos uma indignação muito grande perante uma justiça patriarcal que não protege nem acredita nas mulheres”, explica ao El País Justa Montero, uma das organizadoras dos protestos, que avisa que o tom dos protestos vai ascender ao que se sentiu a 26 de abril, quando foi tornada pública a sentença (que considerava a violação ocorrida como apenas abuso).