A comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas do setor elétrico deve discutir as incompatibilidades entre políticos, gestores e quadros que passaram do Estado para as empresas e das empresas para o Estado. Quem o defende é o secretário de Estado da Energia, que é uma das cerca de 100 personalidades que será chamada a prestar esclarecimentos sobre a situação do mercado elétrico e os preços da energia.

Para Jorge Seguro Sanches há outro tema essencial para esclarecer: como é que um país que tem boas condições para as energias renováveis chegou a ter uma dívida tarifária de cinco mil milhões de euros e preços da eletricidade acima da média europeia.

Jorge Seguro Sanches defende, em entrevista ao Observador, que é muito relevante discutir “a forma como ao longo dos anos se transitou de empresas para o Estado e do Estado para as empresas”. Mais do que aconteceu no passado, o governante considera mais importante que se faça essa discussão para o futuro de forma a “evitar que estas situações aconteçam”. Em causa está um fenómeno que tem sido descrito como de portas giratórias e que no passado levou à passagem de membros dos gabinetes políticos de ministros e secretários de Estado e dos serviços do Estado para as empresas de energia.

As ‘portas giratórias’ do caso EDP

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Sem querer referir situações em concreto, o secretário de Estado da Energia defende que, quem está na política, “tem de ter o princípio de que à mulher de César não basta ser séria” e que no passado não houve muito essa preocupação.

Questionado sobre o se está a referir-se, por exemplo, ao ex-ministro da Economia, Manuel Pinho, que tem sido um dos alvos do inquérito judicial que investiga os alegados favorecimentos dos governos à EDP, o secretário de Estado responde que está a falar sobre “todas as situações neste setor que têm levantado suspeitas aos portugueses”.

“Há muita gente séria a trabalhar nesta área, mas é preciso padrões de ética mais exigentes. E não temos tido isso. É preciso mudar o paradigma”.

Seguro Sanches admite que algumas das suspeitas que surgiram no último ano, e que estiveram na origem da iniciativa de lançar uma comissão de inquérito, até podem ser desmistificadas e sublinha que tem “esperança que o trabalho político neste setor no futuro, a seguir à comissão de inquérito, possa beneficiar de um debate construtivo. Se não for esta lógica, provavelmente não estaremos a fazer um bom serviço ao país”.

Para o governante que tutela a energia, “é importante que se faça o debate” e que se promova mais transparência em temas que são difíceis de discutir e de explicar aos consumidores em Portugal e dá exemplos: O que são CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual)? O que são os CAE (contratos de aquisição de energia) ? O que são os CIEG (custos de interesse económico geral)? E como têm funcionado? O secretário de Estado da Energia afirma ainda estar “disponível, interessado e com vontade” de prestar toda a informação e documentação que o Parlamento pedir.

Na semana em que arrancam as audições no Parlamento às rendas excessivas no setor elétrico, o governante vê no inquérito parlamentar “uma oportunidade de dar mais informação de forma transparente e construtiva, para seja possível todos nós termos uma noção mais exata sobre como são formados os preços, como funciona o mercado e o que há a corrigir”. Nesse sentido, considera que a discussão pode ajudar os objetivos do Governo de reduzir os custos no sistema elétrico e baixar os preços. No entanto, avisa que não deve arrastar-se no tempo.

O setor precisa de continuar um conjunto de medidas no  sentido que iniciou nos últimos anos e que levaram a que, pela primeira vez em 18 anos, houvesse uma descida dos preços da eletricidade, ainda que reduzida, quer nos preços da tarifa de acesso.”

Seguro Sanches realça ainda que este Executivo conseguiu a primeira descida do preço real, ao mesmo tempo que reduziu a dívida tarifária em cerca de 30%. E que foi o primeiro nos últimos anos a não deixar faturas para os consumidores pagarem no futuro.

Os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito abrangem as políticas e decisões de seis governos desde 2004 e envolvem os polémicos contratos CMEC que beneficiam as centrais da EDP e também as decisões políticas que levaram à criação da dívida tarifária, um encargo que está a ser pago pelos consumidores, travando uma descida mais expressiva dos preços da eletricidade.

Pedro Sampaio Nunes, antigo secretário de Estado do Governo de Santana Lopes e ex-diretor de energia da Comissão Europeia, é o primeiro a ser ouvido esta quarta-feira, iniciando uma ronda de audições a especialistas. O seu nome está também associado ao movimento pró-energia nuclear que nasceu em Portugal com a escalada do preço do petróleo na década passada, mas também ao grupo de personalidades que apresentou uma queixa na Comissão Europeia por causa dos contratos com as centrais da EDP decididos no primeiro Governo de José Sócrates, com Manuel Pinho na Economia, e que estão também a ser investigados na justiça