O tribunal sudanês reverteu a sentença de morte da jovem que matou o marido depois de ter sofrido abusos sexuais. A decisão do recurso apresentado pela defesa surge após o caso se ter tornado viral nas redes sociais e indignado a comunidade internacional.
Noura Hussein, agora com 19 anos, foi condenada à morte no mês passado. Com a alteração da sentença, terá de cumprir cinco anos de prisão e indemnizar a família do marido em 337 mil libras sudanesas (cerca de 16 mil euros). A redução da pena só foi possível porque o tribunal aceitou a versão da jovem que afirma ter encontrado a faca, arma do crime, debaixo da almofada em vez de a ter ido buscar à cozinha, como tinha sido inicialmente argumentado pela acusação.
A jovem tinha 16 anos quando foi forçada pela família a casar com um homem que não conhecia e tinha o dobro da sua idade. Três anos mais tarde, depois de ser abusada sexualmente, como alegou no tribunal, Noura matou o marido quando este tentava violá-la novamente. A jovem fugiu para casa dos pais e a família procurou proteção na esquadra da polícia por temer represálias da família do marido, mas a jovem acabou por ser presa.
A pena de morte foi-lhe decretada um ano mais tarde, mas os advogados de defesa recorreram. O caso foi então partilhado nas redes sociais com a hashtag #JusticeForNoura, gerando a indignação da comunidade internacional que exigiu a libertação da jovem. Circularam ainda várias petições que reuniram milhares de assinaturas.
Sentenced to death at 19 years old: #NouraHussein killed her rapist in self-defence and may be executed : #JusticeforNoura :#Sudan https://t.co/lDeqwK7ncc
— Ricky Martin (@ricky_martin) June 7, 2018
Tricked into marriage, raped and disowned. Do not execute Noura for self-defense against the man who raped her. Sign the petition & retweet with the hashtag #JusticeForNoura https://t.co/le79elOjMH pic.twitter.com/IlSEOpXvqj
— Help Refugees (@HelpRefugees) May 24, 2018
You did it! You saved Noura's life! ???
1.4 million of you signed the petition calling on Sudan to drop the death sentence against 19 year old Noura, after she stabbed her rapist.
And now her sentence has been commuted to 5 years in prison!
RT!#JusticeForNoura pic.twitter.com/VOPhQLUAj1
— Change.org UK (@UKChange) June 26, 2018
A decisão foi divulgada ontem na página da Amnistia Internacional que acompanhou o caso.
?Breaking? Sudan has repealed the death penalty for 19-year-old Noura Hussein, who was sentenced for killing her husband, after he tried to rape her. Thank you to over 400,000 of you who demanded #JusticeForNoura & helped make this happen! pic.twitter.com/euzWQ4LuUX
— Amnesty International (@amnesty) June 26, 2018
Para o diretor adjunto regional da Amnistia Internacional, esta é uma oportunidade para o Sudão rever a legislação relativa ao casamento infantil, casamento forçado e violência sexual matrimonial. “Embora a anulação desta sentença de morte seja uma notícia extremamente bem-vinda, ela deve agora levar a uma revisão legal para garantir que Noura Hussein seja a última pessoa a passar por esta provação”, afirmou.
Enquanto aguardava o resultado do recurso, Noura foi entrevistada pela CNN. No testemunho, a jovem explica que nunca quis casar e como resistiu ao matrimónio. “Eu disse-lhes que não queria casar, eu queria estudar”, conta.
O casamento infantil é uma prática corrente no Sudão, onde a idade mínima legal para entrar no matrimónio é 10 anos e a violência sexual no casamento não é considerada crime. A UNICEF estima que pelo menos um terço das mulheres sudanesas casem antes dos 18 anos. O caso de Noura catapultou o tema dos casamentos forçados e abusos entre conjugues para a discussão pública. No Twitter as histórias partilhadas têm-se multiplicado.
Esta não é a primeira vez que um tribunal sudanês altera uma sentença por sofrer pressão internacional. Em 2014, Meriam Yehya Ibrahim foi presa quando estava grávida e condenada à morte por renunciar ao islamismo, mas a comunidade internacional conseguiu salvá-la.
O Sudão é um dos 94 países onde a pena de morte é legal. Estes casos decorrem geralmente com grande secretismo, não sendo conhecidas penas executadas em 2017. Ainda assim, o Cornell Center on the Death Penalty Worldwide estima que pelo menos 28 pessoas tenham sido executadas desde 2014.