O tribunal sudanês reverteu a sentença de morte da jovem que matou o marido depois de ter sofrido abusos sexuais. A decisão do recurso apresentado pela defesa surge após o caso se ter tornado viral nas redes sociais e indignado a comunidade internacional.

Noura Hussein, agora com 19 anos, foi condenada à morte no mês passado. Com a alteração da sentença, terá de cumprir cinco anos de prisão e indemnizar a família do marido em 337 mil libras sudanesas (cerca de 16 mil euros). A redução da pena só foi possível porque o tribunal aceitou a versão da jovem que afirma ter encontrado a faca, arma do crime, debaixo da almofada em vez de a ter ido buscar à cozinha, como tinha sido inicialmente argumentado pela acusação.

A jovem tinha 16 anos quando foi forçada pela família a casar com um homem que não conhecia e tinha o dobro da sua idade. Três anos mais tarde, depois de ser abusada sexualmente, como alegou no tribunal, Noura matou o marido quando este tentava violá-la novamente. A jovem fugiu para casa dos pais e a família procurou proteção na esquadra da polícia por temer represálias da família do marido, mas a jovem acabou por ser presa.

A pena de morte foi-lhe decretada um ano mais tarde, mas os advogados de defesa recorreram. O caso foi então partilhado nas redes sociais com a hashtag #JusticeForNoura, gerando a indignação da comunidade internacional que exigiu a libertação da jovem. Circularam ainda várias petições que reuniram milhares de assinaturas.

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A decisão foi divulgada ontem na página da Amnistia Internacional que acompanhou o caso.

Para o diretor adjunto regional da Amnistia Internacional, esta é uma oportunidade para o Sudão rever a legislação relativa ao casamento infantil, casamento forçado e violência sexual matrimonial. “Embora a anulação desta sentença de morte seja uma notícia extremamente bem-vinda, ela deve agora levar a uma revisão legal para garantir que Noura Hussein seja a última pessoa a passar por esta provação”, afirmou.

Enquanto aguardava o resultado do recurso, Noura foi entrevistada pela CNN. No testemunho, a jovem explica que nunca quis casar e como resistiu ao matrimónio. “Eu disse-lhes que não queria casar, eu queria estudar”, conta.

O casamento infantil é uma prática corrente no Sudão, onde a idade mínima legal para entrar no matrimónio é 10 anos e a violência sexual no casamento não é considerada crime. A UNICEF estima que pelo menos um terço das mulheres sudanesas casem antes dos 18 anos. O caso de Noura catapultou o tema dos casamentos forçados e abusos entre conjugues para a discussão pública. No Twitter as histórias partilhadas têm-se multiplicado.

Esta não é a primeira vez que um tribunal sudanês altera uma sentença por sofrer pressão internacional. Em 2014, Meriam Yehya Ibrahim foi presa quando estava grávida e condenada à morte por renunciar ao islamismo, mas a comunidade internacional conseguiu salvá-la.

O Sudão é um dos 94 países onde a pena de morte é legal. Estes casos decorrem geralmente com grande secretismo, não sendo conhecidas penas executadas em 2017. Ainda assim, o Cornell Center on the Death Penalty Worldwide estima que pelo menos 28 pessoas tenham sido executadas desde 2014.