Foi uma agitação de última hora. O Presidente tinha de assinar o livro de honra assim que chegasse ao Centro Comunitário Português da Virgínia, na cidade de Manassas, mas não podia fazê-lo de pé. Parece óbvio, mas onde está a mesa? Ninguém se lembrou disso e agora é preciso resolver o problema com urgência que estamos nas vésperas da visita. Solução: os dirigentes do Centro fazem chegar aos responsáveis do protocolo português fotografias das mesas que têm lá em casa, para se escolher a que melhor se adequa à função. Analisadas várias opções, ganha uma pequena mesa metálica toda em dourado, com uma caneta no centro, também em imitação de ouro, para não destoar. Talvez não fosse a escolha mais evidente para quem está habituado a organizar com sobriedade estas pequenas cerimónias institucionais, mas é o que há, cumpre a função e até acaba por ser um bom símbolo de uma comunidade que nasceu com poucos recursos e que hoje se impõe na economia da região.

Este não é só o Portugal humilde e trabalhador que abandonou o país de origem à procura de um futuro melhor. Na grande sala do centro que serve de ponto de encontro dos portugueses e luso-descendentes, onde costuma haver festas tradicionais e se ensina o português, hoje, ali, cheira a sucesso. Cá fora, estão estacionados vários Mercedes, alguns Porsches, Maserattis e um Bentley cor-de-laranja. Lá dentro, exibe-se sem pudor o orgulho de quem venceu na vida e se apropriou do sonho americano. Um orgulho dourado.

São mais de 300, vêm de Manassas e das terras vizinhas da Virginia, do Maryland e de Washington. Quase todos pequenos empresários, quase todos da construção civil, eles de fato e gravata, elas de vestido e saltos altos, todos em fila e de telemóvel no ar para registar os primeiros momentos em que um Presidente da República português ali entra.

Marcelo Rebelo de Sousa, que aterrou nessa tarde em Washington, chega a Manassas no estado da Virginia por volta das sete da tarde, como previsto. À chegada, os jornalistas querem saber das expectativas para a reunião com Trump no dia seguinte. “Tenho sempre boas expectativas, há uma amizade entre os dois países de 242 anos”. E não dirá muito mais do que isto o presidente que se refugia no passado para evitar as questões do presente. “E vão falar de imigração e guerra comercial?” Fuga para a frente que — em boa hora — o Mayor de Manassas já ali está para o receber e descerrar com ele a placa que assinala o dia “histórico”. O republicano Harry J. Parrish acompanha Marcelo à entrada e no lento percurso que os levará até ao palco. Beijos e abraços e selfies e o Marcelo do costume –para quem já se habituou a isto — a surpreender quem assiste ao espetáculo pela primeira vez. “Nunca vi ninguém conquistar uma plateia como o senhor acabou de fazer agora”, diz o Mayor, que também conhece alguns truques: “Todos em Manassas são portugueses esta noite”.

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Em bom rigor, não serão todos. Mas são muitos e são cada vez mais. Na região norte da Virgínia, haverá hoje entre sete a oito mil portugueses. Clara Sousa juntou-se à comunidade há pouco mais de dois anos, chegou com um visto especial para trabalhadores especializados com o marido João Santos, farmacêutico. A experiência correu tão bem que já se candidataram ambos a um “green card”, para garantir o estatuto de residente permanente. “Espero que o Presidente Marcelo consiga vias mais rápidas para a atribuição de vistos para os portugueses, porque nós somos uma mais valia para a América”, diz Clara. João concorda e cita a primeira conferência da comunidade portuguesa nos Estados Unidos, organizada uns dias antes, para provar esse argumento: “Havia políticos, industriais, profissionais da educação, da saúde, da justiça, religiosos. Esta mistura dá força à comunidade e ajuda a garantir o reconhecimento do nosso papel na sociedade americana”.

Não há, como se percebe, problemas de auto-estima entre os portugueses que aqui estão. Olham uns para os outros e reconhecem o mesmo percurso feito de trabalho duro. Marcelo ajuda à festa:

Vocês são uma comunidade excecional. Muitas e muitos vieram para aqui para recomeçaram as suas vidas e foi palmo a palmo que ficaram como ficaram e são hoje o que são: marcantes na vida norte-americana. E sabem que têm peso porque foram fiéis àquilo que é essencial na nossa maneira de ser: o trabalho, a honestidade, a lealdade, a solidariedade, o respeito pelos outros, a humanidade”

Solidariedade, respeito pelos outros, humanidade. No curto discurso do Presidente da República, há algumas passagens que poderiam ser lidas como referências indiretas aquilo que mais tem sido criticado à administração norte-americana nas últimas semanas. Mas se essa leitura estiver correta, Marcelo não vai mais longe do que isto. De pouco lhe interessaria antagonizar o anfitrião nas vésperas do encontro. E este também não seria o público para isso.

“Quando cheguei a esta zona, havia 100 portugueses. Hoje vivem uns milhares aqui e nos arredores. Abalaram de Portugal sem nada e alguns hoje são riquíssimos”, conta Manuel Fernandes, que chegou a Manassas com 7 anos, em 1966. Também ele se orgulha da vida que leva, é “Senior Vice President” da Fort Myer Construction, uma empresa de construção civil que garante emprego a vários portugueses. “Já tivemos mais, mas depois de aprenderem saíram para fundar as suas próprias empresas. Só quem não quer fazer nada é que não tem oportunidade neste país.”

Manuel está casado com Angélica Fernandes que saiu de Arcos de Valdevez há 46 anos. São ambos emigrantes, mas já se sentem americanos :”Este é o meu país”. E como tal, não olham para as medidas mais polémicas do Presidente Trump com os mesmos olhos de quem assiste a tudo à distância “Nem tudo o que ele faz é errado. Ele tem boas ideias.” Por exemplo? “Impedir as pessoas de entrar é uma boa ideia, porque eles chegam sem ter garantias de trabalho e exigem logo muita coisa e nós é que pagamos com os nossos impostos. Mas agora separar as famílias é que não”, diz Angélica, uma das muitas simpatizantes do partido Republicano que encontramos na sala. “Há aqui muita fortuna e muito voto republicano”, explica António Alexandre, português de Alcobaça que vive em Riverdale, no Maryland, vai para 50 anos :”Uns dizem mal do Trump, outros dizem bem. Eu acho que ele quer o bem do país, não quer crime na América e isso é uma coisa boa.”

Sr. Trump, “you are the best”

Entre os que se manifestam mais abertamente e os que o fazem de forma mais discreta, talvez não haja maior apoiante de Trump na sala do que Ricardo Jerónimo. Está ali em trabalho para o jornal que fundou, o “Foto comunidades”, distribuído em papel onde quer que haja portugueses nos Estados Unidos. Para a ocasião, mandou imprimir uma t-shirt que traz vestida, a apelar a Marcelo Rebelo de Sousa que “seja a voz do Povo” e diga a Trump “you are the best, my friend”, és o melhor, meu amigo. Muito provavelmente, não vai ter sorte nenhuma.

Na questão da amizade, nada há a apontar, o próprio Presidente da República salientou esse como o fator decisivo para justificar o otimismo com que parte para a importante reunião com Donald Trump. Fora isso, Marcelo não quer que o país se impressione demasiado com o encontro, por isso relativiza e prefere destacar o papel de Portugal, um país que “está bem em todo o mundo”.

Amanhã estarei com o presidente deste grande país. Mas também acabei de vir de Moscovo onde tive uma visita de cortesia com o presidente de outro grande país (Vladimir Putin) E no final do ano, receberemos em Portugal o presidente de outro país também muito importante, porque nós temos esta capacidade de diálogo e de entendimento”

Sem especificar no discurso a quem se referia, a Presidência confirmava depois que Marcelo Rebelo de Sousa estava a falar do Presidente da China Xi Jinping.

Quanto a Trump e a Ricardo, que saiu do Cadaval há 20 anos, ele reconhece que o atual Presidente dos Estados Unidos da América é uma figura polémica, mas diz que “ele está a fazer um bom trabalho, está a virar tudo para a produção nacional”.

Portugal não parou no tempo

Como já vem sendo hábito nos encontros com a comunidade portuguesa, e tal como já havia feito no início de junho, para as celebrações do Dia de Portugal nos Estados Unidos, Marcelo gosta de exaltar os feitos e as características dos portugueses. “Somos os melhores do mundo”, disse em Boston. E em Manassas, repetiu uma variante do mesmo chavão falando, para alguns portugueses que atravessaram o Atlântico há muitos anos, de um país que não parou no tempo, um “Portugal novo, de esperança e de futuro, que avança, que triunfa”.

A ouvi-lo, e sem perceber uma palavra do discurso feito em português, está a agente da polícia municipal de Manassas, Tina Laguna. De serviço este final de tarde no Centro Comunitário, Laguna deixou-se contagiar pela energia de Marcelo e juntou-se à multidão de telemóvel em riste para fotografar a entrada do Presidente de Portugal. “Isto é incrível”.

No final, juntou-se aos portugueses que tentavam cumprimentar Marcelo Rebelo de Sousa, conseguiu dar-lhe um abraço e acabou, claro, a tirar uma selfie. “Amazing”, diz. “Que honra, estou tão contente”. O espetáculo de Marcelo Rebelo de Sousa terminava assim o único ponto da agenda no primeiro dia da visita de trabalho a Washington. Esta quarta-feira há novo espetáculo, mas desta vez o alinhamento é outro, a plateia também. E Marcelo terá pela frente o maior showman da política mundial da atualidade.