Se todos trabalham para um bem comum e todos beneficiam disso, a comunidade prospera. Se existirem demasiados elementos oportunistas a tirarem proveito sem dar nada em troca, a comunidade pode colapsar. Então como se explica que algumas comunidades de bactérias consigam prosperar mesmo com vários destes elementos oportunistas? É isso que a equipa liderada por Karina Xavier, investigadora no Instituto Gulbenkian de Ciência, quer descobrir. E com essa informação tentar combater infeções bacterianas sem precisar de recorrer a antibióticos.

Vamos por partes. As bactérias comunicam umas com as outras pela produção de algumas moléculas. Quando comunicam com bactérias de outras espécies produzem moléculas que ajudam a controlar o crescimento das outras comunidades de bactérias — é a competição por espaço e alimento. Quando comunicam com bactérias da própria espécie, ajudam a criar condições para que a comunidade prospere e se expanda tanto quanto possível. Com um ambiente tão favorável, em que todos contribuem e tiram proveito da vida em comunidade, há sempre algumas bactérias oportunistas — ou batoteiras como lhes chamaram os investigadores — que só recolhem benefícios sem contribuir com nenhum fator positivo.

As bactérias oportunistas ou batoteiras como só tiram proveitos sem se esforçarem, poupam energia e podem crescer mais e mais rapidamente. Se conseguirem dominar a comunidade, estes autênticos parasitas acabam por levar ao colapso da população, porque a produção feita em benefício de todos deixa de ser suficiente. Atenção: estamos a falar de bactérias, mas qualquer semelhança com as comunidades humanas é pura realidade.

Tal como as sociedades humanas, as populações bacterianas também têm batoteiros. Alguns cidadãos não trabalham e usufruem dos benefícios fiscais proporcionados pelos contribuintes sem terem de pagar impostos. Se muitos cidadãos seguirem esta tendência, todo o sistema económico entra em colapso. O mesmo acontece com as bactérias. As bactérias batoteiras lucram com produtos produzidos por outras bactérias sem contribuir para essa produção”, explica Özhan Özkaya, primeiro autor deste estudo e estudante de doutoramento no laboratório de Karina Xavier na altura em que esta investigação foi conduzida.

Isto parece lógico, mas as bactérias arranjam (quase) sempre uma maneira de dar a volta à questão. Quando há apenas uma tarefa comprometida com estes batoteiros, o resultado parece ser o colapso da população — pelo menos no laboratório. Mas quando há várias bactérias mutadas e uma tantas tarefas comprometidas parece que as bactérias — as batoteiras e as outras — conseguem evitar o colapso e manter a comunidade estável — pelo menos pelo que se observa na natureza. “Isto pode ser muito bom do ponto de vista das bactérias, mas são péssimas notícias quando se quer eliminar uma infeção causada por um patogéneo indesejável”, diz Özhan Özkaya.

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A equipa decidiu então estudar a bactéria Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria patogénica que infecta os pulmões e que é muitas vezes encontrada em pacientes com fibrose quística. O que perceberam foi que alterando os nutrientes disponíveis, as bactérias poderiam deixar de ter um comportamento cooperativo, o que levava à extinção daquela população. “Na minha opinião, novas drogas que atuem de modo a bloquear os comportamentos sociais das comunidades bacterianas vão ser muito mais eficazes no combate contra infeções do que os antibióticos agora disponíveis”, diz Karina Xavier.

“Desligar” a capacidade das bactérias se agruparem

Os investigadores pegaram nas teorias económicas, criadas para as populações humanas, para entender o comportamento das comunidades de bactérias. Com o modelo matemático usado, a equipa conseguiu prever como é que as bactérias interagem umas com as outras e qual o resultado de se alterarem alguns dos fatores do ambiente. “Esta nova abordagem permitiu-nos desenvolver previsões sobre como as comunidades bacterianas podem ganhar com a cooperação ou sofrer com a batota”, diz a investigadora. Os resultados foram publicados esta quinta-feira na revista científica Current Biology.