A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e mais 50 entidades sociais vão entrar já no capital do banco Montepio, disse esta sexta-feira o presidente da Associação Mutualista Montepio Geral, Tomás Correia. O responsável indicou que a ideia é alienar até 2% até ao final do ano, “com a entrada de muitas outras entidades” da economia social além das primeiras 50, como misericórdias, IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social), fundações e cooperativas.

Para já, sabe-se que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa investiu 75 mil euros na Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), confirmou o provedor da entidade, Edmundo Martinho.

Além da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a União das Misericórdias Portuguesas entrará com 5 mil euros. Sobre a grande maioria das outras instituições da economia social de todo o país (nomeadamente misericórdias) não é conhecido o investimento de cada uma no capital do banco Montepio. Tomás Correia não revelou qual a percentagem já alienada nem qual é o valor total até ao momento.

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Segundo a imprensa, a maior parte das misericórdias poderão investir apenas 1.000 euros, sendo que algumas poderão pôr mais, como a Santa Casa da Misericórdia do Porto, que deverá investir 10.000 euros.

Tendo em conta que o capital social da CEMG é de cerca de 2.400 milhões de euros, a alienação de 2% do capital até ao final do ano significaria um investimento de 48 milhões de euros, uma vez que cada ação é vendida ao valor nominal de um euro.

“Temos 50 instituições das várias famílias da economia social, mas sabemos que vai crescer porque está aberto a todas as instituições da economia social”, disse Tomás Correia na cerimónia em Lisboa em que se formalizou a entrada das entidades.

Questionado, mais tarde, pelos jornalistas sobre se acredita na alienação dos 2% até ao final do ano, Tomás Correia foi evasivo: Primeiro disse “não faço ideia” e repetiu que essa era a percentagem autorizada pelo Conselho Geral da Associação Mutualista, mas perante a insistência referiu que “essa é a expectativa”.

O presidente da Mutualista Montepio afirmou, por outro lado, que esta alienação da participação da Caixa Económica Montepio Geral não se deve a “necessidades de capital”, mas à vontade de criar uma entidade financeira da economia social.

Ao longo do último ano discutiu-se este projeto como uma necessidade imperiosa de fazer face a dificuldades da Caixa Económica. (…) Isto é e era completamente errado. Passou-se um ano e aquilo que se verifica é que a Caixa Económica cumpre com as exigências regulamentares do ponto de vista do capital. Nunca esteve em causa qualquer situação de incapacidade para o fazer. O que estava em questão não era uma necessidade de capital, mas a necessidade de criar este grupo financeiro para o projeto [de economia social], que não assenta tanto em volume financeiro”

Um homem, um voto

Apesar de “2% do capital ser uma gota de água” no total do capital da Caixa Económica, completou Tomás Correia, isso não significa que as instituições que entram no capital do banco deixem de ter voz.

Para Tomás Correia, “o facto de as participações serem simbólicas, pequenas, marginais – como lhes quiserem chamar – isso não significará uma menor capacidade de intervenção de todos os acionistas da Caixa Económica. Não faz sentido que instituições desta natureza funcionem na lógica de que quem tem maior parte do capital é que toma decisões”.

Ou seja, disse, as decisões serão tomadas “de forma consensual”, com vista ao princípio “um homem, um voto”.

“Neste grupo financeiro, os acionistas tomarão as suas decisões de forma consensual. Nunca verão discussões em que alguém diz ‘estou em maioria, vou decidir’. Tanto me dá que tenham duas ações ou dois milhões de ações, é exatamente a mesma coisa”, sublinhou Tomás Correia.

E terão assento no conselho de administração da futura entidade? Sim, “mas em função do resultado consensual que se estabelecer”, respondeu Tomás Correia.

“Será um conselho de administração alargado, terá administradores executivos e não-executivos. Estas instituições terão também um papel na escolha e na eleição destes dirigentes”, disse o responsável da Associação Mutualista, face às muitas dúvidas dos jornalistas sobre o modelo de governo.

Como? Através da participação num Conselho Estratégico e numa Assembleia de Representantes, “órgãos não sociais que manterão reuniões e que terão um papel decisivo nas decisões que se tomem na instituição”. Esta Assembleia de Representantes, disse depois Tomás Correia, “estabelecerá orientações para a Assembleia-Geral da Caixa Económica”.

Santa Casa entra com 75 mil euros, mas admite ter mais no futuro

O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa explicou mais tarde, em conferência de imprensa conjunta com Tomás Correia, o porquê de a instituição ter investido apenas 75 mil euros na Caixa Económica, quando inicialmente tinha admitido a possibilidade de adquirir 10% do capital por 200 milhões de euros. Essa perspetiva foi depois reduzida para 160 milhões de euros por 6% e posteriormente para 18 milhões de euros por 1%.

O estranho negócio que começou nos milhões e acaba em tostões

“[O investimento de 75 mil euros] Espelha bem a mais valia que a Santa Casa entende que retira deste projeto. Sempre dissemos desde o princípio que nossa participação neste projeto não tinha nem motivações de natureza financeira imediata, não tinha motivações de rentabilização imediata de recursos financeiros – nem pelo lado da Santa Casa nem pelo lado da Caixa Económica. (…) A questão dos 200 milhões nunca esteve como objetivo em cima da mesa, foi sempre colocada como um teto máximo, que tinha a ver com os 10% do capital”, disse Edmundo Martinho.

O provedor admite que essa participação possa aumentar no futuro, mas “para já está fora de questão” investimentos de milhões.

Referindo as recomendações aprovadas em abril no parlamento sobre o investimento da Santa Casa no Montepio (do PSD, do CDS e do Bloco de Esquerda), Edmundo Martinho disse que a instituição que dirige não poderia ficar indiferente à discussão pública sobre o tema. O PSD e o CDS pediam ao Governo que impedisse a entrada da Santa Casa no Montepio, enquanto o Bloco queria que os investimentos fossem regulados.

Terá sido por isso, a “alteração das circunstâncias”, que levaram a Santa Casa a diminuir para “valores simbólicos” a sua participação no Montepio. Mas ainda assim, disse Edmundo Martinho, a Santa Casa informou o Governo sobre as suas intenções. Apesar de não ser obrigado a fazê-lo.

“Estamos a falar de trocos”

As instituições da economia social que agora entraram no capital da Caixa Económica compraram as ações ao valor nominal (um euro), pelo que no âmbito desta operação a avaliação da Caixa Económica Montepio Geral foi a do capital social, 2,4 mil milhões de euros.

Mas o valor do Montepio no balanço da Associação Mutualista é de 1,8 mil milhões de euros. Questionado sobre a diferença, Tomás Correia recusou que a avaliação da operação anunciada hoje possa resultar num ganho contabilístico futuro de mais de 500 milhões de euros.

“Não. Não é uma venda significativa para poder ser considerada, no sentido da valorização”, disse. “Estamos a falar de trocos”, insistiu Tomás Correia, rejeitando igualmente que esta situação possa ser aproveitada para limpar imparidades.

Sobre a operação em si, Tomás Correia explicou que a Caixa Económica não fará um aumento de capital, pelo que a “Associação Mutualista está a vender [às 50 entidades já dentro do projeto e às futuras interessadas] ações próprias que detém”.

Montepio terá fundo de capital de risco

“Este é um projeto muito virado para ganhar dinheiro, mas depois para aplicar o dinheiro que ganha de forma diferente daquela que é utilizada pelos projetos de capital privado”, disse Tomás Correia, introduzindo desta forma uma das novidades da conferência de imprensa: a Caixa Económica Montepio Geral vai destinar uma parte dos seus resultados para um fundo de capital de risco.

O fundo depois “ajudará as instituições a financiar projetos inovadores para o seu desenvolvimento, para a sua sustentabilidade e para o seu trabalho”, completou o responsável.

O que não está decidido, ou “consensualizado”, na expressão de Tomás Correia, é a percentagem dos resultados do Montepio a adjudicar a este fundo, nem o valor com o qual será constituído.

Poucas horas depois, a Caixa Económica Montepio Geral anunciava os resultados do primeiro trimestre, com um dado em destaque: os lucros do banco caíram quase para metade, de 11,1 milhões de euros nos três primeiros meses de 2017 para 5,7 milhões no mesmo período deste ano.

“A rentabilidade foi afetada negativamente pela queda de 11,2 milhões de euros na margem financeira, em parte determinada pela menor exposição a dívida pública”, explicou o banco dirigido por Carlos Tavares.

Sobre a situação de capital e liquidez, a Caixa Económica informou que no final do trimestre registava “um rácio de capital core de 12,9%, confortavelmente acima dos requisitos regulatórios” e um rácio de cobertura de liquidez de 150,4%, “cerca de 50% acima do requisito mínimo regulamentar de 100%, o que evidencia uma situação saudável”.

Atualizada às 17:45 com os resultados trimestrais da Caixa Económica Montepio Geral.