Tudo em torno do concerto dos The Killers, no terceiro e penúltimo dia do Rock in Rio, foi excecional, a começar pela meteorologia. Embora tenha cessado mal soaram os primeiros acordes para nunca mais voltar (os impermeáveis deram uma tréguas mas quanto às franjas coladas à testa já não havia nada a fazer), a chuva dissuadiu muitos festivaleiros de correrem para a frente do palco, sobretudo depois da molha que quase todos tinham apanhado no concerto de Xutos & Pontapés, minutos antes. Depois, houve a agenda do dia, que fez com que a banda de Las Vegas, cabeça de cartaz, não encerrasse o Palco Mundo.

View this post on Instagram

Rock in Rio

A post shared by The Killers (@thekillers) on

Os The Killers começaram a tocar à hora de jantar (pelas 21h35). Sem problema: vêr Brandon Flowers, o vocalista hiperativo de 37 anos, faz qualquer jejum valer a pena. É que nem o facto de ter dado um concerto na noite anterior, no festival O Son do Camiño, em Santiago de Compostela, lhe diminuiu os níveis de energia. Saltitante, sorridente e simpático, Brandon é um one man show — e dos que não poupa nos efeitos próprios de uma festa. Provas? O concerto arrancou com “The Man”, do álbum Wonderful Wonderful, editado no ano passado e que dá nome à digressão que trouxe a banda a Portugal pela terceira vez (a primeira foi em 2009, no Estádio do Restelo, a segunda foi em 2013, no Meco, ambas em edições do Super Bock Super Rock). Houve explosões de papelinhos, como se a festa estivesse no fim. Só que estava só a começar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Com as saudações da praxe, veio um “Olá, malta”. Talvez o vocalista tenha estado atento ao concerto anterior e apanhado a deixa frequente de Tim. “Somebody Told Me”, êxito planetário que, em 2004, pôs meio mundo a ouvir The Killers, foi a segunda música num alinhamento ponteado por grandes sucessos. O público manteve-se frio e distante, à exceção dos fãs em ebulição, mesmo junto ao palco. Apesar dos avanços de Flowers, demorou até que a Bela Vista começasse verdadeiramente a vibrar com o concerto da banda, formada no romper dos anos 2000. Na realidade, foi preciso esperar mais de metade do concerto até ver o Rock in Rio corresponder às incessantes investidas de Brandon.

4 fotos

Foi só em “Runways”, tocada depois de “Spaceman”, “Shot at the Night”, “Smile Like You Mean It” r outras músicas pelo caminho, irmãmente rebuscadas dos cinco álbuns da banda, que a plateia começa a dar mais de si e a encher o espaço junto ao palco, deixando a paisagem muito mais parecida com a do concerto dos Xutos & Pontapés. Para o final, os The Killers guardaram dois trunfos. Três, pensando melhor — “Read My Mind” arrancou os primeiros coros audíveis, “All These Things That I’ve Done” aumentou os decibéis com o verso “I got soul, but I’m not a soldier” e “When We Were Young” deixou a Bela Vista no ponto. Pena que depois disso já só tenha vindo o encore — “Human” e “Mr. Brightside” — e que o Rock in Rio tenha demorado tanto a aquecer com os The Killers. Feito o balanço, foram muito mais os humans do que os dancers.

No amor incondicional dos James, também coube Portugal

Muito antes da banda de Brandon Flowers, houve os James. Os britânicos, os primeiros a subir ao palco principal do Rock in Rio Lisboa, têm uma ligação especial com Portugal: o guitarrista Saul Davis viveu no Porto, o vocalista Tim Booth tem família em Lisboa e, enquanto banda, já passaram por cá várias vezes (a última delas em 2016, a propósito do lançamento de Girl at the End of the World). Foi talvez com isso em mente que os britânicos escolheram abrir o concerto ao som de Carlos Paredes e de Jorge Sousa Braga, cujo poema “Portugal” se fez ouvir por todo o recinto. E como se isso não bastasse, um dos músicos apareceu com uns óculos de sol da cor da bandeira portuguesa (não que fossem precisos) e vestido com uma camisola da seleção com o número sete e o nome da banda nas costas. Este hino a Portugal serviu de introdução a “Hank”, tema retirado do novo álbum de originais, Living in Extraordinary Times (com lançamento marcado para 3 de agosto), que foi interpretado à chuva por um Tim Booth incapaz de cantar em falsete.

9 fotos

“Olá, pessoas corajosas à chuva!”, cumprimentou o vocalista no final da música. “Toquei uma vez à chuva em Portugal e toda a gente fugiu. Obrigada por estarem aqui!”, agradeceu, antes de explicar que a banda tinha decidido mudar “um bocadinho o alinhamento” para deixar todos mais confortáveis. “Sit Down” foi o tema que se seguiu: “Agora podem dizer a todas as pessoas que chegaram atrasadas porque estava a chover que tocámos a ‘Sit Down’”, disse o vocalista depois de a música terminar. Booth também não teve medo da chuva e no tema seguinte, “Frustration”, decidiu cantar na ponta do palco. Farto de estar longe do público, desceu para a frente de palco, saltou as grades e caminhou no meio da multidão, sorridente. Os fãs responderam à iniciativa do cantor com uma onda de selfies, que Tim Booth não conseguiu ignorar.

“Tantos telemóveis!”, disse, já de volta ao palco. “Querem viver o momento ou querem viver a recordação? Desci até aí porque queria ver as vossas caras, queria ver quem são, não porque queria ver os vossos Samsungs, os vossos Sonys ou os vossos iPhones. Porque quando olho para as vossas caras, consigo ver a vossa alma.” Depois de “Heads”, os James voltaram ao novo álbum com uma música escrita “em resposta” ao muro de Donald Trump, que fala sobre “o amor universal: “Many Faces”. “There is only one human race, everyone belongs here”, cantou Booth, sempre enérgico, sempre com um sorriso bondoso nos lábios. Para o final, os britânicos guardaram aqueles temas antigos que parece que nunca envelhecem: “Getting Away With It”, “Sometimes” e “Laid”. Valeu a pena estar à chuva.

Tom e Ed transformaram a Bela Vista numa discoteca a céu aberto

Não eram os cabeças de cartaz, mas foram os últimos a subir ao palco. Os The Chemical Brothers (que não vinham a Portugal desde 2016, altura em que tocaram no Passeio Marítimo de Algés) tocaram depois dos norte-americanos The Killers e transformaram o Parque da Bela Vista numa gigantesca pista de dança, luminosa e pulsante. Havia por acaso melhor maneira de terminar a noite de sexta-feira? Era certo que não — o duo de Manchester é sempre uma aposta ganha. Prova disso foi o facto de a pouca energia demonstrada pelo público durante o concerto dos The Killers se ter dissipado em pouco mais de meia hora — durante a atuação dos Brothers, sempre com um cenário de fazer inveja, ninguém tirou o pé do chão — para recorrer à célebre frase de Ivete Sangalo, que toca já amanhã, sábado.

8 fotos

É certo que o alinhamento escolhido também deu uma ajudinha. Depois de terem entrado em palco no meio de luzes — muitas luzes — e efeitos visuais impressionantes, Tom Rowlands e Ed Simons começaram por “Go”, o single do último álbum, Born in the Echoes, lançado há três anos. A partir daí, foram chutando hits atrás de hits, contagiando tudo e todos durante mais de duas horas de espetáculo. Houve “Do It Again”, “Star Guitar”, mas também “Hey Boy Hey Girl” e, claro está, “Galvanize”, tema do disco Push the Button (2005). É difícil alguém ter saído desapontado do Parque da Bela Vista, até porque, com mais de 20 anos de carreira, Tom e Ed sabem bem, muito bem o que fazem.