Andres Manuel Lopez Obrador bem pode dizer que, à terceira, foi de vez. Aos 64 anos e depois de ter já perdido duas eleições presidenciais em 2006 e 2012, AMLO (como também é conhecido) ganhou as eleições presidenciais no México. Uma vitória que é histórica também pelo facto de representar a conquista de um partido de esquerda depois de décadas em que a a direita se sentou na cadeira da presidência do país.

O fundador do MORENA (Movimento de Regeneração Nacional) conseguiu 53,7% dos votos (valor em atualização) e ganhou, com o resultado mais expressivo da história recente do México, aquelas que foram consideradas as eleições mais violentas do país. O gabinete de estudos Etellekt estima que pelo menos 145 políticos e ativistas envolvidos na campanha, entre os quais 48 candidatos e pré-candidatos, tenham sido assassinados. Obrador concorreu pela coligação “Juntos Faremos História” que junta o MORENA, o partido trabalhista (Esquerda) e o Partido Encuentro Social (Direita). Esta foi a terceira vez que se apresentou a eleições.

Durante a campanha procurou diferenciar-se como um político alternativo ao sistema, defendendo valores como a simplicidade e honestidade. O presidente eleito comprometeu-se a combater a pobreza e corrupção para travar a violência no país. Como medidas concretas prometeu facilitar o acesso à Internet, oferecer apoio financeiro aos estudantes, tornar as universidades públicas acessíveis a todos, aumentar a autossuficiência alimentar do país, vender o avião presidencial, tornar a residencia presidencial num centro cultural, aumentar o salário mínimo e reduzir os salários dos políticos.

Da morte do irmão aos primeiros passos na política

Andres Manuel Lopez Obrador nasceu em 1953 em Tepétitan, uma pequena vila do Estado do Tabasco no sudeste mexicano. Neto de um espanhol exilado e o filho mais velho de pequenos comerciantes, mudou-se com a família nos anos 60 para a capital do estado, Villahermosa.

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Foi na loja que os país abriram nesta cidade que Obrador, com 15 anos, testemunhou a morte acidental do irmão mais novo. José Ramon encontrou uma arma que o pai tinha recebido como pagamento de uma dívida e estaria a brincar com ela quando disparou acidentalmente, sendo atingido na cabeça. Há várias versões para o nível de envolvimento que AMLO terá tido no acidente.

No entanto, o jornalista Jorge Zepeda Patterson relata que o comportamento de Obrador se tornou mais “taciturno” e “reflexivo” depois do acidente, no livro “Los suspirantes 2018”, que faz uma análise dos candidatos presidenciais. Foi também em Villahermosa que se formou em Ciência Política e Administração Pública e que entrou na política, tendo liderado o Gabinete de Estado para os Assuntos Indígenas.

Três partidos e três eleições: o político “antissistema” com carreira no sistema

Obrador apresentou-se a eleições como o candidato antissistema, procurando distanciar-se da classe política, que apelida como “máfia do poder”. Esta estratégia foi bem sucedida, uma vez que a sua popularidade aumentou enquanto a do candidato do partido do atual presidente afundou como resultado dos escândalos de corrupção que envolvem o partido.

Contudo, Andres Manuel Lopez Obrador conta já com uma longa carreira política que começou em 1976, quando ingressou no Partido Revolucionário Institucional (PRI, o partido do atual presidente Peña Nieto). Enquanto membro do PRI, ocupou os primeiros cargos na administração do partido e do Estado de Tabasco. Em 1988 saiu do PRI e tornou-se militante do Partido da Revolução Democrática (PRD), que liderou de 1996 a 1999. Foi com este partido que foi eleito presidente da câmara da Cidade do México em 2000, cargo que ocupou até 2005, quando se demitiu para se candidatar pela primeira vez às eleições presidenciais.

Nas eleições presidenciais de 2006, Obrador perdeu para o candidato conservador Felipe Calderón por meros 0,58%, numas eleições controversas em que recorreu da decisão (sem sucesso) por considerar que existiram “graves irregularidades” na contagem dos votos. O candidato voltou a concorrer em 2012, mas foi novamente derrotado, desta vez por Enrique Peña Nieto com uma diferença de 6,77%. No mesmo ano desistiu do PRD e dois anos mais tarde fundou o MORENA com o qual concorreu pela terceira vez às eleições presidenciais este ano.

Um candidato controverso: reações e a relação com os EUA

Casado pela segunda vez e pai de quatro rapazes, Obrador é um político popular no país. Mas isso não o livra da controvérsia nem das acusações de populismo. Alguns dos seus críticos, traçaram vários paralelismos entre Obrador e Hugo Chávez. Citado pela Aljazeera, Jorge Castaneda afirmou que AMLO acredita no protecionismo, estatismo e nos subsídios. “[Obrador] representa um regresso ao nacionalismo dos anos 70 do século passado”, afirmou o coordenador de campanha de Ricardo Anaya.

A vontade que expressou em combater o “neoliberalismo que causou muitos danos ao México” custou-lhe o apoio dos grandes empresários. No entanto, Obrador prometeu não expropriar ou nacionalizar as empresas e financiar as reformas sociais que pretende concretizar através das poupanças de Estado e que resultarem do combate a corrupção.

O presidente que termina agora o mandato, Enrique Peña Nieto, já reagiu aos resultados da contagem rápida dos votos que preveem uma vitória entre os 53 e os 53,8% para Obrador. Na conta oficial do Twitter, felicitou o vencedor e prometeu o apoio do Governo para “uma transição ordenada e eficiente”.

Também Donald Trump usou o Twitter para felicitar AMLO. “Estou muito ansioso para trabalhar com ele. Há muito a ser feito para beneficiar tanto os Estados Unidos como o México!”, escreveu o presidente americano.

No discurso de vitória, Obrador garantiu que quer construir uma relação de “amizade e cooperação” baseada no “respeito mútuo” com os Estados Unidos, assim como na “defesa dos companheiros mexicanos que vivem e trabalham honradamente no país [EUA]”.

No entanto, o presidente eleito é um conhecido crítico do presidente Trump. Durante a campanha, AMLO qualificou a política americana de imigração que tem separado famílias na fronteira como “racista” e “irresponsável” e prometeu “pôr o Trump no seu lugar” e fazer o homólogo americano “ver a razão”.

Outro assunto de grande tensão é o NAFTA. Trump é um forte crítico do tratado de comércio livre celebrado entre EUA, México e Canadá e já demonstrou vontade de rever as condições deste. Tendo prometido proteger os mexicanos, Obrador pode, caso sofra pressões dos EUA, romper as relações comerciais com o país, o que teria um impacto significativo na economia americana.