Atualizado às 18h51 do dia 04/07/2018 com reportagem do primeiro ensaio feita pelo Observador

Às 20h20 (mais coisa menos coisa) da passada terça-feira, dia 3, de mãos cruzadas à frente da cara, Sérgio Godinho fez uma pausa, respirou fundo, conversou com técnicos e com a sua banda habitual, a que chama Assessores (Nuno Rafael, Miguel Fevereiro, Nuno Espírito Santo, João Cardoso e Sérgio Nascimento). Estava no palco do Teatro São Luiz, no primeiro ensaio para o ciclo de quatro concertos consecutivos que dará com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, entre quinta-feira, 5 de julho, e domingo, 9. “Não preciso de tanto piano aqui”, atirou a um responsável de som.

Numa pequena plataforma, virado de costas para o público que neste primeiro dia de ensaios era apenas composto por jornalistas, fotógrafos e repórteres vídeo, o maestro Cesário Costa dirigia mais de duas dezenas de músicos da Orquestra Metropolitana. Músicos que elevam o volume e a intensidade das canções, tornando-as em alguns momentos mais épicas. Tal acontece, por exemplo, em “Grão da Mesma Mó”, tema do novo disco de Sérgio Godinho (Nação Valente, editado há seis meses) e o primeiro a ser ensaiado por todos. Com orquestra, a canção cresce a ponto de quase obrigar o cantor a gritar as palavras que dão título à canção, para se fazer ouvir acima dos músicos.

“Tive ali uma branca”, disse Sérgio Godinho na dianteira do palco, depois de testada essa primeira canção e antes de fazer o primeiro apontamento sobre o volume (demasiado alto) do piano do “assessor” João Cardoso. Havia que seguir em frente, Sérgio Godinho perguntou “está?” ao maestro, Césario Costa disse que sim. “Vamos ao ‘Velho Samurai’, por favor?”, perguntou o maestro à orquestra, que toca atrás de Godinho. Foram mesmo, com o cantor e letrista a retirar-se para regressar mais tarde, já com a canção oleada entre “Assessores” (que tocam à esquerda de Godinho, um pouco atrás) e músicos da Metropolitana.

Sérgio Godinho nos ensaios para os concertos que dá esta semana no Teatro São Luiz, em Lisboa. @ João Porfírio / OBSERVADOR

A preparação do concerto começou alguns dias antes, quando o pianista e orquestrador Filipe Raposo, habitual parceiro de Sérgio Godinho, começou a alinhavar compassos e arranjos com o maestro da Orquestra Metropolitana de Lisboa. Dessa fase inicial, o cantor de “O Primeiro Dia” e “Com um Brilhozinho nos Olhos” esteve dispensado. Para Godinho, os ensaios começaram apenas esta semana, já com a estrutura das canções relativamente definida. Ainda assim, havia melhorias a fazer. “Vamos ver questões rítmicas que temos de ver?”, perguntava César Costa.

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No canto direito do palco, de pé junto ao piano, Filipe Raposo (polo e calças de ganga, ténis Adidas calçados) lia um caderno com as pautas das canções. Discreto, só ocasionalmente se dirigia ao maestro, proferindo pequenos apontamentos sobre os compassos. “Grão da Mesma Mó” já estava ensaiada, seguiu-se “O Velho Samurai”, tema de Sérgio Godinho repescado do álbum Ligação Directa, de 2006. Depois de avisar os repórteres de vídeo que no concerto cantaria a canção “sentado”, apesar de estar a cantar de pé no ensaio, Godinho atirou-se aos primeiros versos:

“Olha o Velho Samurai
como ele entra assim de embalo
nos transportes coletivos
como quem sobe ao cavalo”

A versão ainda não estava perfeita e o maestro da orquestra constatou isso mesmo: “Ainda não está no limite mas pronto. Acha que vale a pena repetir, Sérgio?”. O cantor respondeu que “não”, ainda haveria tempo para ultimar tudo até às 21h de quinta-feira, hora do primeiro concerto. É um tema algo inesperado de se ouvir, que Sérgio Godinho já não canta “há muito tempo” mas cuja escolha se percebe pelo tom da versão de estúdio, já de si algo sinfónico. Um pouco menos inesperada, mas ainda assim algo surpreendente, é a escolha de “Bomba-Relógio”, tema que Sérgio Godinho cedeu à cantora Cristina Branco (que o incluiu no disco Kronos) mas que não resistiu a cantar também ele no álbum Mútuo Consentimento.

“Começo a dirigir a partir do compasso 15”, avisou o maestro. Com andamento mais rápido, “Bomba Relógio” parece poder vir a ser um dos momentos altos dos espetáculos de Godinho com a orquestra. Depois de ensaiada por orquestra e banda, numa primeira versão antes de Sérgio Godinho voltar a palco para cantar, a canção motivou até palmas dos assessores e um comentário do teclista e “sampler” João Cardoso: “Queria um bocadinho mais de orquestra, está-me a saber a pouco”. O resto do ensaio fez-se “à porta fechada”, como se diz na gíria futebolística, para não se revelar todo o alinhamento e para o público (ainda) poder ser surpreendido nos concertos.

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SG: “Nunca toquei com uma Orquestra Sinfónica. Fiquei muito contente pelo convite”

O concerto com a Orquestra Metropolitana de Lisboa resultou de um desafio do Teatro São Luiz a Sérgio Godinho. Este ficou contente com o convite, que no ano passado foi também aceite pelo fadista Camané.”Gosto de desafios diferentes e já fiz concertos de muitos teores: com a Orquestra Jazz de Matosinhos, com várias orquestras filarmónicas, que é uma outra experiência porque inclui amadores e gente de todas as idades, com a minha banda, com o Filipe Raposo em formato de voz e piano…”, enumerou o músico ao Observador.

Sérgio Godinho no piso superior do teatro lisboeta, que assinala este ano 125 anos de existência. @ João Porfírio / OBSERVADOR

Com uma banda sinfónica, contudo, o cantor e compositor nunca tinha tocado. “Já toquei com a Metropolitana mas ocasionalmente, uma canção ou duas, não um concerto de fôlego”. Ser confrontado e ver as canções serem também elas confrontadas com “outros universos”, é algo de que Sérgio Godinho gosta. Em termos práticos, desta feita, impunha-se uma decisão: deveria o músico atuar acompanhado apenas pela Orquestra Metropolitana de Lisboa ou seria melhor juntar à orquestra a sua banda habitual? Esta é composta por Nuno Rafael na guitarra elétrica e guitarra acústica, no cavaquinho, lap steel guitar, coros e percussão; por Miguel Fevereiro, também nas guitarras, percussão e coros; por Nuno Espírito Santo no baixo e percussão; por João Cardoso nos teclados, samplers e coros; e por Sérgio Nascimento na bateria e outras percussões.

Decidimos juntar todos esses universos. Inclusivamente há uma canção que vou fazer só com o Filipe Raposo porque temos feito esses concertos de voz e piano. Fizemos uma súmula de vários universos e formatos, mas claro que o foco maior será a Orquestra Metropolitana, que é de uma grande competência”, apontou Godinho.

No que toca ao alinhamento, Sérgio Godinho desvendou que tocará algumas canções do seu último disco, Nação Valente, não apenas porque as tem praticado nos últimos meses mas também porque “gosta muito” delas e porque “é novo material”. Depois, haverá “canções que são, enfim, aqueles clássicos — isto dito sem pretensiosismos” e ainda temas que Godinho não toca há muito tempo e que teve “prazer em reavivar, desempoeirar e trazer à vida”. É o caso da já referida “O Velho Samurai” mas também de “Só Neste País” e “O Homem Fantasma”.

Do teatro em que os concertos decorrerão, que este ano assinala 125 anos de existência, Godinho só tem boas memórias, algumas como espectador e outras como músico. Foi ali, aliás, que cantou “pela primeira vez” depois do 25 de abril de 1974, numa sessão de canto livre, em maio desse ano, depois de “nove anos sem poder estar cá”.

Esta sala onde estamos, no Jardim de Inverno, chama-se agora sala Bernardo Sassetti. Uma pessoa com quem fiz canções, que tocou comigo, também. Isto está recheado de memórias”, referiu o músico.

Sobre os concertos, Sérgio Godinho espera que não difiram muito nas quatro sessões, três noites (quinta-feira, sexta-feira e sábado, sempre às 21h) e uma tarde (domingo, às 17h30). “Há sempre nuances porque há várias vertentes: a emoção da estreia, o lastro que se leva desse dia e se transporta para os outros… Mas espero que nenhum concerto seja um desastre, que nós não nos espetemos. Acho que não vai acontecer. Tenho a certeza que não.”