Num território que tem sido dominado pela guerra, a ideia de criar algo novo para reconstruir o que os conflitos deixaram para trás não é uma tarefa fácil. Na Faixa de Gaza, os escombros da ocupação israelita são visíveis e a reconstrução das casas tem sido difícil: os materiais têm de ser importados a um preço alto, são em número limitado e o processo de compra é demasiado burocrático. Foi a partir deste problema que uma engenheira da Universidade Islâmica de Gaza, Majd Mashharawi, decidiu criar um tipo de tijolo diferente a partir dos escombros da guerra.

“De 2014 até 2017, algumas casas foram destruídas e os seus proprietários não conseguem arranjar materiais de construção devido à situação”, disse Majd Mashharawi à Fast Company, uma revista americana.”Quando eu era estudante do quarto ano da faculdade eu pensei ‘Como é que podemos pôr fim a esta miséria?”, acrescentou.

Nos últimos três anos da ocupação israelita na Faixa de Gaza, cerca de 18 mil casas foram destruídas e outras 150 mil ficaram danificadas. Os materiais de construção foram inicialmente barrados em Gaza em 2007, quando Israel determinou que os materiais poderiam ser utilizados com objetivos militares. Depois da guerra, apenas um determinado tipo de produtos foi autorizado a entrar no território, e apenas 33% do cimento que entrou no país foi destinado à reconstrução das casas, diz um relatório do Euro-Mediterranean Human Rights Monitor.

Foi desta necessidade que nasceu a startup  “Greencake”, em português “Bolo Verde”: “bolo” porque é mais leve que o cimento e “verde” porque o produto é amigo do ambiente.  Apesar de não faltar matéria-prima, a construção destes tijolos — que inicialmente foi feita em conjunto com outra colega engenheira — envolveu várias tentativas até chegar à resistência necessária para que fossem tão seguros como qualquer outro tijolo. Começaram em 2014 por utilizar desperdícios de papel (Gaza não tem qualquer sistema de reciclagem), mas o produto era mais caro do que o cimento normal. De seguida, tentaram blocos de argila, mas as altas temperaturas necessárias exigiam muita energia. Foi a partir da experiência com as cinzas que semanalmente são enviadas para aterros às toneladas que a engenheira conseguiu arranjar uma solução.

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Posted by GreenCake on Friday, June 29, 2018

“No laboratório onde costumava testar as amostras às vezes faziam pouco de mim. ‘O que estás a fazer? As pessoas vão construir casas de lixo, estás a falar a sério?'”, disse Mashharawi, de 23 anos, à revista, acrescentando que “o começo foi muito difícil”.

Os desafios como mulher

Não foram só os desafios do material que caracterizaram esta jornada de Mashharawi. Na Faixa de Gaza “as pessoas são muito tradicionais: acham que as mulheres devem ficar em casa, cozinhar e ter filhos e não trabalhar como os homens, especialmente no campo da construção”, explicou a engenheira. Sempre que Mashharawi se aproximava dos operários, havia um comentário que ouvia: “Oh senhora, afaste-se para nós podermos fazer o nosso trabalho”. Mashharawi não se afastou e atualmente tem um espaço alugado com 10 pessoas a trabalhar na produção dos tijolos.

“No começo eu não achava que chegaria a esta fase e que conseguiria tudo o que eu sonhava – que seria possível até mesmo viajar, conhecer [pessoas] e obter investimento. Não é impossível se acreditarem nisso”, acrescentou.

Os tijolos amigos do ambiente podem custar metade do preço de um tijolo normal e, embora não sejam uma alternativa tão resistente, permitem enfrentar os desafios que a construção enfrenta na Faixa de Gaza. “A GreenCake é boa desde que tenhamos em conta o processo de constante evolução”, disse a engenheira ao Independent.