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Violência doméstica. Escolas de Vila Nova de Gaia vão ensinar professores a reconhecer crianças com problemas

Este artigo tem mais de 5 anos

Projeto europeu está a dar os primeiros passos. Em Portugal, arranca em Vila Nova de Gaia, onde os professores vão aprender a reconhecer os alunos que estão expostos a violência doméstica.

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Getty Images

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“Será que estava a fazer bem?” É Sónia Calejo, professora no agrupamento de escolas Dr. Costa Matos, quem se interroga. Enquanto diretora de turma, já teve muitos casos de alunos em que umas vezes sabia, outras pressentia, estavam expostos a violência doméstica. E como acontece com muitos docentes, nem sempre sabia o que fazer.

“Aqui há uns anos era diretora de turma e tinha muitos casos destes — crianças que estão expostas a violência doméstica. Não são elas as vítimas diretas, mas assistem ao que se passa dentro de casa. E nem sempre sabia o que fazer. Reagia de acordo com a minha sensibilidade, mas muitas vezes me questionava se as opções que estava a tomar eram as mais corretas para aquele caso”, conta a professora ao Observador.

Hoje, no seu agrupamento de escolas, é a coordenadora de uma iniciativa europeia que em Portugal arrancou em Vila Nova de Gaia.

O WIDE – Witnessing Domestic Violence and Audit Education in School System, é financiado pelo programa Erasmus+ e o seu principal objetivo é capacitar os professores e os assistentes operacionais das escolas a identificar os efeitos da violência doméstica nos estudantes. Neste caso, fala-se da vitimização indireta, aquela em que os alunos assistem a todo o tipo de situações de violência em casa, embora não sejam as vítimas.

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Mas como é que se prepara os professores? “Criámos uma série de materiais pedagógicos em que os docentes passavam por situações práticas, através do estudo de casos ou do visionamento de filmes, para no fundo sentirem o que é que uma criança nesta situação sente”, explica a psicóloga Mónica Costa, também envolvida no projeto.

“Os professores têm de perceber o que é que uma destas crianças traz de manhã para a escola na sua mochila. Não são só cadernos e o estojo. Traz também estas situações e que a acompanham para o resto da vida”, acrescenta a psicóloga, que diz ser “crucial” um professor estar capaz de perceber o que se passa com determinado aluno. “Não só vai percebê-lo melhor, o porquê de determinadas atitudes daquele aluno, como também vai ter ferramentas para atuar melhor.”

O atuar melhor passa, muitas vezes, por alertar outros organismos para esta situação, como por exemplo as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, como explica a professora Sónia Calejo: “A intervenção de outras entidades é necessária, o professor, mesmo com a escola, não consegue por si só dar resposta ao problema.”

Daí que o Wide também crie uma rede de parcerias onde os organismos que estão no terreno ficam mais próximos das escolas.

Sinais de alerta

As crianças não são todas iguais e é impossível definir um perfil padrão do aluno que vivencia estas situações. Mas há sinais de alerta a que os professores podem estar atentos e que podem até influenciar a aprendizagem dos alunos.

“Há vários indicadores e podem ser, por exemplo, a nível comportamental: vemos crianças podem ser mais agressivas com os seus pares enquanto outras se isolam e são mais introspetivas. Há indicadores a nível cognitivo e aí vemos as crianças que têm mais dificuldades de aprendizagem. E há alertas a nível emocional, por exemplo, as crianças que são mais impulsivas. Não há um perfil padrão, há vários indicadores mas que podem ser distintos de criança para criança, de acordo com a sua faixa etária, de acordo com a o tipo de violência a que assiste”, explica Sónia Calejo.

Mas essa mochila, diz, é para a vida toda: “O impacto que tem na criança enquanto ser humano é em todos os seus níveis de atuação.”

A psicóloga concorda. “As pessoas, por vezes, acham que a partir do momento em que a criança já não está a vivenciar aquela situação, porque já se afastou do agressor, porque mudou de casa com a vítima, que já não vai ter impacto no seu desenvolvimento. Mas ela vai carregar essa mochila ao longo da vida”, diz Mónica Costa.

As marcas podem manifestar-se no imediato ou mais tarde, por exemplo, nas primeiras situações de namoro, explica a professora. “Para estes jovens, o modelo de relação amorosa é distinto daquele que nós temos como normativo. Por isso, anos mais tarde, vemos estes jovens copiar o único modelo que conhecem e surgem as situações de violência no namoro.”

O que pode então o professor fazer? “Em primeiro lugar”, explica Mónica Costa, “tem de ter a certeza de todo o enquadramento da situação antes de falar com os pais. Repare, o pai ou a mãe podem ser os agressores ou as vítimas. Neste segundo caso, há várias questões a ter em conta como a intimidade da família, a vergonha social, etc. O professor tem de enquadrar bem a situação e, depois, encaminhá-la para os serviços especializados. Nem todas as escolas têm um psicólogo sempre disponível e nem todos os psicólogos têm formação nesta área.”

A professora Sónia Calejo argumenta que também é importante o trabalho que o docente pode fazer na turma, como um todo. “Com o grupo-turma pode, por exemplo, trabalhar aspetos de violência, criar situações de empatia entre os colegas de maneira a que a dinâmica da turma fique mais coesa, mais forte, e o aluno sinta que tem ali um lugar de proteção.”

Um dos grandes objetivos do Wide é criar um modelo formativo que possa chegar a todos os profissionais dentro da escola e que seja compartilhado a nível europeu. A partir daí, espera-se que os professores sejam capazes de identificar estas situações e de ajudar os alunos a ultrapassá-las, trabalhando em conjunto com toda a rede de apoios institucionais.

Na primeira fase do projeto piloto, que terá a duração de três anos, cada país teve de fazer o levantamento do que já existia a nível de legislação, medidas de apoio, e se as escolas tinham ou não protocolos para estas situações. A segunda fase, foi a criação de ferramentas pedagógicas para, na atual terceira fase, ser criado um modelo formativo para os professores.

“Esta formação tem um fator muito importante. Nós professores, muitas vezes trabalhamos de acordo com a nossa sensibilidade, não existe um protocolo — apesar de existir um guião da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. Mas muitas vezes os docentes não conhecem esses materiais e cada um vai fazendo de acordo com a sua sensibilidade”, explica Sónia Calejo.

O cada um fazer por si, argumenta, levanta um problema: “Ainda nem todos interpretamos a violência doméstica da mesma forma. Para alguns, violência doméstica é quando há agressão física e esquecem-se da violência psicológica ou económica. É importante que os docentes e os assistentes operacionais, que estão mais próximos das crianças nos intervalos, sabiam bem o que é a violência doméstica.”

No futuro, tanto a professora como a psicóloga esperam ver o Wide ser disseminado por todo o país, sensibilizando cada vez mais a comunidade educativa para este problema, até porque é nas escolas que as crianças passam a maior parte do seu tempo e estas têm de ser capazes de dar respostas aos problemas dos alunos.

Na terça-feira, o agrupamento de escolas Dr. Costa Matos organizou um semanário para apresentar o projeto. Ali estiveram professores de várias escolas, conta Sónia Calejo, que demonstraram interesse em fazer chegar a formação também às suas escolas.

Filinto Lima, diretor do agrupamento, sublinhou na sua intervenção durante o seminário ser importante “não nos escondermos sob a máscara da ignorância e do desapego” quando se falam de questões de violência, lembrando ser fundamental “promover a sensibilização e a capacitação dos agentes educativos para saberem lidar e acompanhar estas crianças que acolhemos nas nossas escolas, na tentativa de evitar ou minorar os impactos nocivos da violência a que são sujeitas e que as tornam vulneráveis a comportamentos de risco, ao insucesso, à descriminação, ao abandono, à inaptidão social, entre outros”.

O diretor do agrupamento lembrou ainda dados recentes da APAV — Associação de Apoio à Vítima: “Em 2017, 75,7% dos 21 161 casos de crimes registados referiam-se a esta mesma situação [de violência doméstica], sendo mais de metade em família com crianças.”

No mais recente relatório da atividade das Comissões de Proteção de Menores e Crianças em Risco, dá-se conta de que em 2016 foram comunicadas mais de 39 mil situações de crianças e jovens em perigo. Mais de metade das denúncias chegaram via forças de segurança e estabelecimentos de ensino. E, ressalva-se no documento, na categoria com maior número de sinalizações, Exposição a Comportamentos que Possam Comprometer o Bem-Estar e o Desenvolvimento da Criança, a subcategoria “violência doméstica” representou 67,7% do total, com um total de 8695 casos sinalizados.

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