Há jogos sem história, sem muito para contar, com poucas ou nenhumas razões de interesse. Jogos aborrecidos de se ver para o amante de futebol espetáculo, chatos do ponto de vista emocional e feios naquilo que é a estética exibida em campo. Muitos desses, são encontros talhados para o zero zero. A maior parte acaba sem vencedores, com os vencidos a serem todos aqueles que perderam 90 minutos de vida para assistirem a tal espetáculo. Felizmente (ou não), os quartos de final do Mundial não podem acabar empatados. Problema: alguém tem de vencer. E que difícil foi encontrar quem o merecesse e conseguisse fazer no duelo entre Rússia e Croácia. Foi preciso recorrer às grandes penalidades para que os croatas conseguissem calçar as meias depois de quase adormecerem nos quartos deste Mundial (4-3).

A crónica do encontro até podia começar com meia hora de jogo, altura em que Cheryshev abriu o marcador com um golo de se lhe tirar o chapéu. Nesse momento, despertaram todos aqueles que começavam a lutar contra o aborrecimento, já a contar estrelas que apareciam no céu e o sonhar com quartos de final empolgantes, com candidatos entretanto eliminados e intervenientes mais assertivos em campo. Sonhar é bom, mas a realidade não era assim tanto: o Rússia-Croácia estava mesmo a ser chato e, não fosse o golaço do médio do Villarreal, arriscávamo-nos a não ter nada para contar na primeira parte do encontro.

Perdão, a Croácia empatou logo de seguida, com Kramaric a não perdoar na cara de Akinfeev. Mas é justo dizer que dificilmente o golo croata apareceria caso o russo não tivesse existido antes. Porque há uma espécie de desejo escondido, algo que funciona sempre como última esperança quando um jogo é demasiado mau para ser verdade: “Isto precisa é de um golo”, pensamos nós, esperançosos de que uma bola dentro da baliza mude a forma de jogar de 22 atletas que pouco ou nada fizeram para cumprir o propósito da partida – vencer.

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Foram dois golos em dez minutos que sintetizaram toda uma primeira parte. Pouco futebol, muita luta; mais posse de bola croata, menos construção organizada russa. Ao intervalo, um empate que poderia ser sem golos, mas que, qual frasco de ketchup tornado famoso por Cristiano Ronaldo, acabou por ser a uma bola para cada lado.

Bem, e o que dizer desta segunda parte? Se o primeiro tempo se resume a dois golos, a etapa complementar não teve mais do que um par de lances de registo. Golos, nem vê-los. Perisic, no interior da área russa, levou os croatas a festejar, mas a ilusão de ótica foi inimiga da pontaria e a bola bateu no poste da baliza de Akinfeev antes de sair pela linha de fundo; na resposta, a Rússia assustou Subasic, quando Mário Fernandes cruzou para Erokhin que, sozinho na área, atirou por cima. Em cima do apito final, o guardião croata lesionou-se, mas continuou em campo (numa espécie de homenagem solidária com todos os resistentes que aguentaram os 90 minutos em frente à televisão) e seguiu na baliza croata para o prolongamento.

Aí, as oportunidades não foram mais do que na hora e meia anterior, mas os golos foram em igual número. Domagoj contrariou a inércia e mostrou que havia Vida depois do tédio: canto marcado na direita do ataque, com o central croata a saltar sozinho para o golo que carimbaria a reviravolta da formação dos balcãs. E o que lhe dissemos sobre um golo atrair outro? Pois é. Quando já todos preparavam piadas sobre como Vida traria a vitória à Croácia, Mário Fernandes decidiu baralhar tudo outra vez. Um golo brasileiro numa partida entre Rússia e Croácia? Também vale e garantiu o empate no final dos 120 minutos, levando tudo para a ‘lotaria’ das grandes penalidades.

Aí, a Croácia foi mais forte. Acertar na baliza parecia mais fácil da marca dos onze metros do que de qualquer outra zona do campo. Menos para Mário Fernandes. O defesa nascido em São Paulo, mas naturalizado russo, assinou o 2-2, mas não conseguiu acertar na baliza na conversão do penálti. Smolov acertou, mas Subasic brilhou. Do outro lado, só Kovacic se deixou superar por Akinfeev e as contas eram fáceis de fazer. 4-3 para a Croácia, num jogo onde o zero zero se adequaria ao que se passou em campo. Mas o futebol não é justo, nem lógico e alguém teria de vencer, já se sabia. A Croácia foi mais eficaz e, 20 anos depois, regressa às meias finais de um Mundial. Os russos, se calhar, nem mereciam ser eliminados e ver o sonho de uma conquista caseira caído por terra, mas é caso para dizer: “é a Vida”.