Depois de o primeiro-ministro, António Costa, ter recebido uma carta do presidente angolano João Lourenço como “sinal das boas relações” entre Portugal e Angola, foi a vez de Marcelo Rebelo de Sousa receber uma carta semelhante. Entregue em mãos pelo ministro das Relações Exteriores de Angola, Manuel Domingos Augusto, durante uma reunião no Palácio de Belém, não é certo que a carta se trate de um convite para visitar o país. Ao que o Observador apurou, o conteúdo da missiva vai no sentido de “reiterar as relação de amizade histórica entre Angola e Portugal”.

Antes do encontro com o Presidente da República, o ministro angolano já tinha estado no gabinete do primeiro-ministro, no Terreiro do Paço, onde tinha feito o mesmo número de cortesia. Aproveitando a presença da comunicação social para a recolha de imagens no início da reunião, o ministro das Reações Exteriores de Angola anunciou que era portador de uma carta do chefe de Estado angolano, João Lourenço, destinada ao primeiro-ministro português. António Costa recebeu o envelope fechado, em formato A4, tendo Manuel Domingos Augusto adiantado logo uma explicação para este ato diplomático: “É um sinal das boas relações” entre os dois países, disse.

Costa recebe carta do Presidente angolano como “sinal das boas relações”

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Depois da reunião com o primeiro-ministro, Manuel Domingos Augusto seguiu para o encontro com Marcelo Rebelo de Sousa, oferecendo também um envelope fechado, em formato A4, cujo remetente era o presidente angolano João Lourenço.

Tanto António Costa como Marcelo já tinham previsto visitas de Estado a Angola, sendo certo que a visita do primeiro-ministro, cuja data deverá ser anunciada em breve, seria sempre primeiro do que a visita do Presidente da República. Quem trocou as voltas a este esquema foi Rui Rio, líder do PSD, que se deslocou a Angola no final de junho numa visita que apanhou todos de surpresa — incluindo o próprio PSD. No comentário de domingo, há uma semana, Marques Mendes chegou a interpretar a viagem de Rio a Luanda como uma “bofetada política” que Angola quis dar ao governo português.

A viagem foi “claramente” organizada por Angola e não por Rio, disse Marques Mendes na altura: “Isto não é nada normal. Não é normal uma visita combinada completamente em segredo e em antecipação à viagem do primeiro-ministro”. Para o comentador, o simbolismo é claro: “Angola usou Rui Rio para dar uma bofetada política ao Governo português”. Para o comentador e ex-líder do PSD, o simbolismo da estranha viagem de Rui Rio mostrou que, apesar de já ter sido resolvido o diferendo entre os dois países sobre a questão do caso judicial que envolve Manuel Vicente (ex-vice-presidente de Angola), a ferida entre Angola e o governo português ainda não está sarada.

Na resposta ao comentador, Rui Rio alegou desconhecimento daquilo que foi dito por Mendes, mas foi mais longe: “o que ele disse não sei, e sobre Angola menos saberia porque ele próprio tem interesses em Angola.” Com a acusação feita, o presidente do PSD recusou que a sua deslocação a Angola tenha causado algum mal-estar no Governo de António Costa, salientando o “simbolismo” de uma visita que diz ser uma “ajuda” nas relações entre os dois países. Para Rio, as relações entre os dois países já estão numa nova fase de cooperação, depois de resolvidos os desentendimentos provocados pelo processo judicial em Lisboa.

Rui Rio diz que relações entre Angola e Portugal têm agora uma “estrada aberta”

As cartas endereçadas pelo governante angolano esta segunda-feira ao chefe de Estado e do Governo português são vistas como um passo para apaziguar as relações entre os dois países, que ficaram muito tensas no último ano devido ao caso judicial que envolve o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente. Manuel Vicente, também ex-presidente da Sonangol, foi acusado de ter corrompido o procurador Orlando Figueira para arquivar processos comprometedores, e Luanda lutou sempre contra um julgamento feito em Lisboa.

Em maio, e depois de muito impasse, o Tribunal na Relação de Lisboa decidiu enviar o processo do ex-vice-presidente Manuel Vicente para Angola, como a defesa pedia. O Ministério Público (português) tinha acusado Manuel Vicente dos crimes de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documento no âmbito da Operação Fizz, mas a defesa de Manuel Vicente queria a separação dos processos, a entrega do inquérito às autoridades angolanas e alegava que o ex-vice-presidente gozava de imunidade. O diferendo judicial entre Portugal e Angola arrastou-se durante longos meses, o que fez azedar as relações entre os dois países.