O líder do maior partido da coligação do Governo em Timor-Leste, Xanana Gusmão, ameaçou esta terça-feira desencadear um processo de destituição do Presidente da República se este mantiver a “rejeição sistemática e não fundamentada” de membros do Governo propostos pelo primeiro-ministro.

A ameaça faz parte de uma carta cheia de duras críticas e acusações que o presidente do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) entregou esta terça-feira ao Presidente da República, Francisco Guterres Lu-Olo e a que a Lusa teve acesso.

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Gusmão considera que o chefe de Estado está obrigado a “respeitar o princípio da separação dos poderes” e que “o respeito pela autonomia do Governo enquanto órgão constitucional soberano, exige a solidariedade institucional e o reconhecimento pelo Presidente da República das competências próprias e exclusivas do Primeiro-Ministro para escolher os membros do seu Governo”.

Por isso, escreve, “a rejeição sistemática e não fundamentada, pelo Presidente da República, dos nomes dos titulares propostos pelo primeiro-ministro para integrar o Governo” pode ser vista pelo CNRT como uma “tentativa de usurpação de poderes e, neste sentido, configurar uma ‘violação clara e grave das suas obrigações constitucionais'”.

Xanana Gusmão assina a carta como presidente do CNRT e o documento, com o timbre do partido, foi enviado num momento de tensão máxima entre Lu-Olo, o primeiro-ministro Taur Matan Ruak e a Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), coligação que venceu as legislativas de maio com maioria absoluta – integra o CNRT, o PLP e KHUNTO.

Lu-Olo continua a recusar-se a dar posse a um conjunto de membros do Governo propostos por Taur Matan Ruak, ou por alegadamente terem “o seu nome identificado nas instâncias judiciais competentes” ou por possuírem “um perfil ético controverso”.

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Essa postura, que não ficou resolvida em várias reuniões entre ambos, levou esta terça-feira as bancadas da AMP no Parlamento a negarem um pedido de autorização de Lu-Olo para uma visita de Estado a Portugal – que a constituição exige – por o responsabilizarem pelo impasse.

A AMP diz ainda que o Estado está já sem dinheiro para o seu funcionamento normal, tendo nos cofres apenas 20 dos 80 milhões de que necessita para pagar salários, pensões e bens e serviços essenciais, incluindo diesel para as centrais elétricas do país.

Por duas vezes Xanana Gusmão já se recusou a tomar posse, faltando ainda cerca de uma dezena de elementos poderem assumir formalmente as suas funções, sendo que a maioria dos que não tomaram posse são do CNRT.

A carta refere a aplicação do artigo 75 da constituição – sobre “responsabilidade criminal e obrigações constitucionais” – onde se explica que o Presidente “responde perante o Supremo Tribunal de Justiça pela violação clara e grave das suas obrigações constitucionais”.

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A iniciativa “cabe ao Parlamento Nacional, mediante proposta de um quinto e deliberação aprovada por maioria de dois terços de todos os deputados” sendo que uma eventual condenação “implica a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição”.

A ameaça é, pelo menos para já, de difícil concretização já que a medida dificilmente teria o apoio de dois terços dos 65 deputados, ou seja 43, número que as bancadas que apoiam o executivo não alcançam.

Mesmo que se unissem todas as bancadas do parlamento contra a Fretilin – partido do Presidente da República e que controla 23 lugares no parlamento – ficariam aquém desse número, somando apenas 42 cadeiras