O meu filho adora livros. Muito mais do que tablets e smartphones. A sério, juro, podem já dar-me o caneco de Melhor Mãe e fechar a competição às outras. Pronto, eu admito: o meu filho tem dez meses e simplesmente aprecia mais o estardalhaço de uma lombada a cair no chão — porque ele a atirou pela décima quinta vez – do que o som seco do meu iPhone a falecer no soalho. É uma questão de rácio tamanho/barulho. Mas isso não me impede de o estar já a tentar habituar a livros como um passatempo legítimo, numa clara ambição de ser a Mãe Dolores de um Nobel da Literatura.

Fazer a curadoria de uma colecção infantil não tem de ser chato. Para cada livro aborrecido, mal traduzido, a tresandar a déjà vu ou simplesmente bimbinho há um mundo de livros que vão dar tanto gozo aos pais como aos filhos – seja pelo sentido de humor, pela beleza do objecto ou apenas pelo QF (o Quociente de Fofice). A lista que se segue agradará, espera-se, aos filhos – mas agradará certamente aos pais, que até reconhecerão aqui alguns autores que já os fizeram felizes sem carecer do selo infanto-juvenil.

“O Dia Em Que Os Lápis Desistiram”

De Oliver Jeffers e Drew Daywalt (Orpheu Negro)

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Oliver Jeffers é um dos mais relevantes e prolíferos ilustradores de livros infantis – e este é um dos seus golpes mais certeiros. Relata o dia em que os vários lápis de cor da mesma caixa se fartaram da sua sina e resolveram ir cada um à sua vidinha, deixando uma carta de despedida ao seu dono, o Duarte. O sucesso foi tal que deu direito a sequela, qual blockbuster – chama-se O Dia Em Que Os Lápis Voltaram A Casa. E sim, é sobre o que o título diz.

“O Homem Coração de Choupo”

De Marco Taylor (edição de autor)

Oficialmente, este livro é do meu filho – mas vão demorar longos anos até que eu lhe deixe meter as mãozinhas sujas de mirtilos em cima. É que os livros em pop up têm tanto de assombroso como de frágil. Uma das raras (únicas?) experiências em pop up em português, o resultado é tão detalhado e espectacular que custa a crer que seja só mesmo papel dobrado com mestria.

“Quantum Physics For Babies”

De Chris Ferrie (Sourcebooks Jabberwocky, edição original)

Quão errado é comprar um livro apenas porque achamos que vai dar uma fotografia adorável do nosso filho com ele na mão? Vá, não me julguem, é menos errado se o livro for efectivamente bom. Escrito por um físico e matemático, introduz de facto conceitos básicos de ciência, perceptíveis por uma criança ou por uma pessoa que tenha ido para Humanidades para fugir a Matemática e tenha acabado a escrever no Observador para pagar as contas.

“Boa Noite A Todos”

De Chris Haughton (Orpheu Negro)

O designer gráfico Chris Haugthton é sinónimo de bom gosto, mas também de histórias simples e bonitas. Conta a história de um ursinho que é o único animal a não ter sono, para desespero de uma exausta mamã ursa. Já não preciso de escrever a minha biografia, fizeram-no por mim.

“O Livro Sem Bonecos”

De BJ Novak (Editorial Presença)

Só uma criança profundamente ingrata é que não vai ficar feliz quando um progenitor lhe anunciar que lhe comprou um livro que foi escrito por um dos guionistas da sitcom “The Office” (na sua versão americana). BJ Novak é também actor e ensaísta e vive obcecado com frases, trocadilhos e piadas. O Livro Sem Bonecos é aquilo que promete (não tem, de facto, ilustrações), mas desconstrói com muita graça o processo de ler um livro. Spoiler: fará o adulto que o está a ler em voz alta fazer várias figuras tristes, o que é sempre um bónus nessa luta de classes que é Crianças versus Adultos. Com as crianças a triunfar perante um adulto choné, claro.

“Flanimais”

De Ricky Gervais (Fubu com edição portuguesa esgotada; Faber & Faber com edição original)

Ricky Gervais é um dos nomes incontornáveis do humor deste século, provavelmente o comediante britânico pós-Monty Python com maior sucesso. Em 2005 lançou-se na escrita infantil com esta espécie de enciclopédia de monstruosos animais inventados, na sua maioria viscosos, na sua totalidade deliciosamente tolos.

“Sebastião Regressa A Casa”

De Nuno Markl (Objectiva)

A lenda do rei perdido em Alcácer Quibir já originou de tudo um pouco, incluindo músicas do José Cid. Aqui, Nuno Markl aproxima-o do nosso quotidiano, fazendo-o regressar no meio de um engarrafamento de trânsito e juntando-lhe uma boa dose de caos. Um bom livro para reler aos miúdos ao longo dos anos, porque irão progressivamente compreender mais referências.

“As Piores Crianças Do Mundo”

De David Walliams (Porto Editora)

Actualmente jurado do Britain Got Talent e um dos maiores autores ingleses de livros infantis, Walliams é conhecido pelos adultos fãs de comédia como cinquenta por cento da britcom demente “Little Britain”. E se “Little Britain” não deve ser mostrada a crianças impressionáveis sob risco de resultar em cartão de pontos no psiquiatra, já os seus livros abrilhantam qualquer estante da pequenada. Este livro reúne dez contos sobre outros tantos fedelhos horríveis (cinco rapazes e cinco raparigas) e mistura fofinho e repugnante com uma mestria assinalável.

“Darth Vader e Filho”

De Jeffrey Brown (Editorial Planeta)

As crianças que cresceram largos anos depois da trilogia original da “Guerra das Estrelas” desconhecem o choque que foi para a geração dos seus progenitores descobrir que Darth Vader era afinal pai de Luke e Leia. Agora que esta árvore familiar já é um dado adquirido, Jeffrey Brown entretém-se a imaginar que tipo de papá podia ter sido Darth. Ver um dos vilões mais assustadores do cinema embevecido com uma criança pela mão só não vos derrete o coração se ele for feito de rocha granítica.

“Pipas de Massa”

De Madonna (Dom Quixote)

Tempos houve em que Madonna não era só conhecida por causa de lugares de estacionamento em Lisboa. A cantora escreveu alguns livros infantis, dos quais se destaca “Pipas de Massa”, ilustrado pelo português Rui Paes. É uma história sobre como o dinheiro não traz felicidade. Mas traz os tais lugares para deixar o carro, vá.

“Onde Vivem Os Monstros”

De Maurice Sendak (Kalandraka)

Um dos clássicos da literatura infantil, é um dos preferidos do universo indie – ou não tivesse dado origem a um filme de Spike Jonze, com banda sonora de Karen O dos Yeah Yeah Yeahs. Supostamente ajuda as crianças a lidarem com monstros metafóricos e reais, mas não as ensina sobre o que fazer quando se recebe uma assustadora carta da Autoridade Tributária.

“O Pai Mais Horrível do Mundo”

De João Miguel Tavares e João Fazenda (Esfera dos Livros)

Pais e filhos não se entenderem faz parte da lei da selva. Aos graúdos cabe estabelecer os limites e aos miúdos cabe tratar esses limites como o jogo do elástico. Este livro retrata esse atrito familiar, como humor e amor.

“O Bebé Que Fez Uma Birra”

De Rui Zink (Nuvem de Letras)

Alguma vez teve a sensação que a birra do seu filho dura desde o terramoto de 1755? Aqui, o cáustico Rui Zink disseca uma birra infantil, apenas para concluir, acertadamente, que as birras dos adultos são muito piores.

“Teodorico e as Mães Cegonhas”

De Ana Zanatti (Objectiva)

Uma cegonha branca e uma cegonha rosa adoptam um bebé que encontram abandonado. Suspeito que Marinho e Pinto nunca oferecerá a um net este livro sobre a adopção por casais do mesmo sexo. Ao texto da actriz Ana Zanatti juntam-se as ilustrações dos estilistas Storytaillors

“Last Week Tonight with John Oliver Presents A Day In The Life Of Marlon Bundo”

De Jill Twiss (edição original da Chronicle Books)

Todas as semanas, o comediante John Oliver usa o seu noticiário satírico na HBO para dissecar através do humor temas polémicos. Quando em Março passado o tema foi o vice presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, Oliver não teve dúvidas: a única coisa gostável naquele político era o seu coelhinho de estimação, Marlon Bundo. E por isso a sua equipa escreveu e colocou à venda um livro no qual Bundo arranja um namorado, um claro golpe a Pence e à sua ideologia anti-homossexual. Tem sido número um de vendas na Amazon desde então.

“Cá Dentro – Guia Para Descobrir O Cérebro”

De Isabel Minhas Martins e Maria Manuel Pedrosa; Ilustração: Madalena Matoso (Planeta Tangerina)

Há algo logo que salta à primeira vista – ao contrário da maioria dos livros infantis, este é o chamado “calhamaço”. Com 368 páginas, não poderia na verdade ser de outro modo com um tema tão complexo: o cérebro humano. Conta com a colaboração de psicólogos, neurocientistas e até filósofos. Um livro que é bonito e que ensina efectivamente coisas complexas a crianças de todas as idades, incluindo as que já têm PPR? Perfeito.

“Os Pais Não Sabem, Eu Explico”

De Maria João Lopes (Máquina de Voar)

“Eu não sou como a professora que só faz questões no teste para as quais já sabe a solução. Eu só faço perguntas quando não sei as respostas.” Sacanas dos miúdos, sempre com a mania que sabem mais que os adultos – mas a verdade é que às vezes sabem mesmo. Este livro transforma uma abordagem mais simplista à idade dos porquês num pequeno bombom literário indicado também para o palato de quem paga as contas lá em casa.

Susana Romana é guionista e professora de escrita criativa