Alguns anos após a morte de Pablo Escobar, o temido líder do cartel da droga de Medellín, nasceu nesta cidade colombiana o controverso “narcoturismo”, construído em redor dos lugares onde ele viveu, trabalhou, traficou e matou. Além de os visitar, e de ouvirem as histórias das atrocidades cometidas por Escobar, os turistas podem comprar recordações como canecas, T-Shirts, porta-chaves ou bonés de Escobar, que se vendem ao lado de outras dedicados às vedetas do futebol e ao Papa Francisco.  O “narcoturismo” recebeu um grande empurrão desde que, nos EUA e na própria Colômbia, se começaram a fazer séries de televisão e fitas biográficas sobre Pablo Escobar, ou nas quais que ele aparece como um dos protagonistas, com maior ou menor visibilidade.

[Veja imagens de arquivo do verdadeiro Pablo Escobar]

É o caso das séries “Narcos”, de José Padilha, onde Escobar é magnificamente interpretado por Wagner Moura (mesmo que o sotaque brasileiro deste venha à tona de vez em quando), e da colombiana “Pablo Escobar: El Patrón del Mal”, com o actor local Andrés Parra no papel do narcotraficante; ou de filmes como “Escobar: Paraíso Perdido”, de Andrea Di Stefano, com Benicio Del Toro como Escobar, “Infiltrado”, de Brad Furman, em que Bryan Cranston faz um agente do governo americano que se conseguiu infiltrar no Cartel de Medellín, ou ainda “Barry Seal: Traficante Americano”, de Doug Liman, onde Tom Cruise personifica um piloto que  traficou droga em aviões para Escobar e acabou a dar informações ao FBI sobre o seu patrão, que já atingiu um estatuto igual ao de Al Capone na imaginação popular.

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[Veja Wagner Moura como Escobar em “Narcos”]

A estes títulos junta-se agora “Amar Pablo, Odiar Escobar”, realizado pelo espanhol Fernando León de Aranoa (“Às Segundas ao Sol”), uma produção hispano-búlgara e também um projecto de Javier Bardem, que produz e interpreta Pablo Escobar. O filme, rodado na Bulgária e na Colômbia, tem a novidade de apresentar um ponto de vista feminino sobre Escobar, já que se baseia no livro homónimo de Virginia Vallejo (vivida por Penélope Cruz, que é casada com Bardem), uma famosa jornalista da televisão colombiana que se deixou seduzir pelo narcotraficante nos anos 80 e se tornou amante dele. Vallejo quase pagou esse envolvimento com a vida e ficou com a carreira arruinada.

[Veja o “trailer” de “Odiar Pablo, Amar Escobar”]

https://youtu.be/Y9ni0CghN4s

“Amar Pablo, Odiar Escobar” tem muito pouco de novo para acrescentar à massa de dados sobre Escobar de que já dispomos, graças a séries de televisão e a filmes como os já referidos, e aos vários documentários que têm sido feitos sobre ele e sobre o narcotráfico na América Latina, caso de “Pablo Escobar: King of Cocaine” (1998). A própria contribuição de Virginia Vallejo (que fica na fotografia como sendo muito leviana e fútil) para o retrato da personalidade do homem do cartel de Medellín fica-se por óbvios ululantes (“Ele exibia-me como se eu fosse um troféu” – e era), banalidades de telenovela e informações repisadas ou redundantes (Escobar era um dedicadíssimo pai de família, tentou tomar conta do aparelho de Estado colombiano e matava ou mandava matar com a mesma naturalidade com que bebia uma cerveja).

[Veja a entrevista com Javier Bardem]

Penélope Cruz não é um actriz que se distinga pela subtileza, e a sua interpretação da já de si superficial Virginia Vallejo anda entre o deslumbrado e o histérico, dependendo das circunstâncias em que a personagem se encontra. Bem melhor é o Escobar do seu marido Javier Bardem, que o personifica recorrendo a postiços de maquilhagem (barriga, papada) e, ao invés de Wagner Moura em “Narcos” ou de Benicio Del Toro em “Escobar: Paraíso Perdido”, com uma malignidade charmosa e algo bovina, típica de quem, sem precisar de levantar a voz e exactamente com a mesma descontração, tanto seduzia uma mulher bonita como mandava estraçalhar com uma motoserra dois membros de um cartel rival.

[Veja a entrevista com Penélope Cruz e o realizador]

A realização de León de Aranoa é funcional, mas desperta nas sequências de acção, como aquela em que um avião carregado de cocaína aterra numa auto-estrada da Florida, ou a da morte do próprio Escobar, numa banal casa de um bairro de classe média da Medellín que ele aterrorizou. E não há em “Amar Pablo, Odiar Escobar”, a menor tentativa de branquear ou de romantizar o biografado, nem de lhe encontrar circunstâncias atenuantes. Ao contrário do que faz “Popeye” Velásquez, um dos mais conhecidos capangas de Pablo Escobar, que lhe sobreviveu, e aos subsequentes massacres dos seus homens. “Popeye” cumpriu 23 anos de prisão, e segundo ele, o falecido chefe do cartel de Medellín “era na verdade um socialista – embora um tipo muito especial de socialista”. Daqueles que mandam assassinar os inimigos, cortá-los aos bocadinhos, queimá-los e enterrá-los na natureza.