Na indústria automóvel, todas as conversas giram em torno do WLTP, o sistema que vai passar a estar em vigor a partir de 1 de Setembro para calcular os consumos e emissões dos motores a combustão, que vem substituir o NEDC, menos eficaz e mais longe da realidade.

Os carros e os motores são os mesmos, mas muda a fórmula para calcular o combustível que consomem e os gases poluentes que emitem para efeitos de homologação europeia, aumentando significativamente e atingindo incrementos que podem superar 20%.

Para a generalidade dos países, o WLTP limita-se a avaliar a performance dos motores de forma mais realista e próxima dos valores que os consumidores atingem em condições normais de utilização, pelo que o sistema é bem-vindo. Mas há quatro países em que os impostos dependem e muito dos valores anunciados de CO2 (Portugal, Irlanda, Holanda e Dinamarca), e como o WLTP anuncia valores mais elevados, os impostos a pagar pelo consumidor são igualmente mais violentos. Tanto que há motores que vão desaparecer e outros que os condutores vão deixar de comprar, tudo porque vão obrigar a aumentos que podem superar 6.000€ ou até mesmo 8.000€.

O tema é delicado e poucos está à vontade para falar sobre ele, mas porque importa responder às perguntas que todos querem ver respondidas, nada melhor do que recorrer a um especialista na matéria, Alex Regne Gläser, o técnico da Opel para quem a troca do NEDC para WLTP não tem segredos, que aceitou responder às nossas perguntas. E não foram poucas.

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O que vai acontecer no dia 1 de Setembro?

Vai ser o dia em que todos os novos veículos vão ter de ser homologados segundo os valores calculados segundo o sistema WLTP, apesar de esse valor ser depois convertido em NEDC. Será uma solução de transição, que será utilizada até 1 de Setembro de 2019, data em que apenas os valores obtidos segundo o WLTP serão utilizados.

Que diferença vai existir nos consumos antes e depois de 1 de Setembro?

Pouca e muita, dependendo dos casos. O regulamento, para o período de transição de 12 meses, entre 1 de Setembro de 2018 e 1 de Setembro de 2019, determina que sejam utilizados os princípios base do WLTP no que respeita às condições dos testes, definindo a temperatura, os limites do vento (termina a possibilidade dos fabricantes medirem consumos com ventos fortes de cauda), da pressão dos pneus e do tipo de pneumático utilizado.

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Vai também ser utilizado o método do WLTP, que pressupõe o veículo percorrer uma maior distância e durante mais tempo, atingir uma velocidade máxima superior, ser conduzido em quatro condições distintas (ritmo lento, médio, rápido e muito rápido) em vez de apenas duas, e vai passar igualmente a ser considerado o nível de equipamento, especialmente o que intervém no peso, rendimento aerodinâmico ou no atrito de rolamento. Só que, depois, tudo isto vai ser convertido artificialmente em NEDC, o que vai gerar diferenças mínimas, que em motores modernos não deverão ultrapassar 0,5 litros em média.

Por outro lado, todos os motores têm de cumprir as obrigações do WLTP em termos de emissões, o que significa que todas as unidades a gasolina têm de montar filtros de partículas (que muito poucos usam agora) e os diesel sistemas de tratamento pós-combustão, ou seja a injecção de AdBlue e o conversor catalítico selectivo SCR, que muitos motores diesel já montam. É a ausência destes dispositivos que vai afastar alguns motores (mais a gasolina do que diesel) do mercado.

E o que vai acontecer a partir de Setembro de 2019?

Aí o WLTP entra em funcionamento em pleno e os aumentos vão ser mais importantes. Do ponto de vista teórico, um motor a gasolina atmosférico pode ver os seus consumos e emissões subirem entre 10 e 15%, enquanto os diesel deverão subir um pouco mais, entre 15 e 20%. Já as unidades a gasolina sobrealimentadas podem subir mais do que estes valores, se forem antigas ou menos sofisticadas, ou menos, se forem motores modernos e mais eficientes. Tudo porque a diferença do NEDC para o WLTP é a maior carga que se coloca no motor (maior aceleração e mais retomas de velocidade), o que em teoria favorece os motores mais potentes. Mas só se forem modernos, pois de contrário vão ver os consumos subir em demasia.

Entre os motores que respeitam o WLTP, é melhor o gasolina ou o diesel?

Curiosamente, é o diesel. Se considerarmos motores a gasolina já com filtro de partículas (e obviamente catalisador de três vias) e motores diesel com catalisador selectivo SCR e AdBlue (além de catalisador de duas vias e filtro de partículas que possuem há muitos anos), ambos emitem uma quantidade mínima de partículas para a atmosfera, sem vantagem para qualquer um deles, isto apesar de o filtro das unidades a gasolina reter 75% das partículas e o do diesel 90%.

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Nos NOx também não há diferenças, uma vez que os gasolina praticamente não emitem óxidos de azoto e os diesel, que emitem bastante, anulam-nos quase por completo (95%) com o SCR e AdBlue. Resta o CO2, que não sendo um poluente, é o gás que causa o aquecimento global e que urge combater. Neste caso particular, o diesel tem uma vantagem considerável, como o WLTP vai ter ocasião de confirmar, especialmente quando os seus dados forem confirmados pelo Real Driving Emissions (RDE), a partir de Setembro de 2019.

Qual a diferença entre os filtros de partículas dos gasolina e dos diesel?

As partículas dos motores a gasolina são mais pequenas e menos visíveis, mas igualmente cancerígenas, pelo que o filtro tem diferentes características. Há ainda outra vantagem e que se prende com o facto de os fases de escape saírem da câmara de combustão de uma unidade a gasolina a mais de 900ºC e ligeiramente acima de 700ºC num motor a gasóleo. Isto torna possível regenerar o filtro a gasolina, fornecendo-lhe apenas oxigénio, quando o algoritmo detecta que o filtro começa a ficar muito cheio, enquanto no diesel é necessário fornecer igualmente combustível para elevar a temperatura e destruir as partículas, o que em ambos os casos nunca acontece abaixo dos 500ºC. Digamos que os filtros dos motores a gasolina são mais simples, mas realizam a mesma função e estão calculados para resistir à vida útil do modelo.

Durante o processo de regeneração, os filtros poluem mais?

Não. As partículas que ficam presas nos filtros, de motores a gasolina ou gasóleo, são essencialmente constituídas por carbono, entre outros componentes. Ora, durante a incineração, a esmagadora maioria é queimada, as ligações moleculares destruídas e o resultado redunda em (poucas) cinzas ou fuligem que ficam no filtro e uma quantidade mais importante de CO2 que é libertada para atmosfera.

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Há, contudo, uma diferença importante entre ambos os filtros, pois se no dos motores a gasolina a regeneração funciona idealmente na fase de desaceleração, nos motores a gasóleo é necessário o motor estar a rodar em estrada e com carga no acelerador, pois só nessas condições o sistema funciona. Este é o motivo pelo qual o sistema causa problemas nos veículos que circulam exclusivamente em cidade, no pára-arranca.

Depois de 2019, o que vai acontecer às homologações de consumo?

O programa que está a ser imposto por Bruxelas prevê um contínuo “apertar” dos limites de consumo, emissões de CO2 e de NOx. Assim, a 1 de Setembro de 2019 entra em vigor o WLTP a 100%, com a norma Euro 6d-TEMP, que passa a ser controlada pelo RDE (que já é utilizado, mas apenas para monitorização) ao nível dos consumos, mas sobretudo das emissões de NOX. Contudo, até final de 2020, aos construtores é possível exceder os limites de NOx até 110%, uma vez que o Factor de Conformidade é de 2,1 dos testes em RDE face aos obtidos em laboratório durante as medições WLTP.

A partir de Janeiro de 2021, a norma Euro 6d-TEMP é substituída pela Euro 6d e o Factor de Conformidade desce para 1,5, o que limita a 50% o que os motores podem exceder em relação aos limites dos NOx em teste RDE.

Em que consistem as medições RDE?

Para tornar viável as medições a todos os veículos comercializados no mercado, as determinações do consumo do WLTP são realizadas em laboratório (como já eram para o NEDC), para serem facilmente reproduzíveis. Só que agora que se fez evoluir o sistema de medição, para um WLTP mais rigoroso, é necessário utilizar o Real Driving Emissions (RDE) para nos certificarmos que o sistema continua actual e funcional. Sempre que for detectado um veículo que excede nos testes RDE os valores em obtidos em laboratório, o regulador intervém para procurar causas e explicações (suspendendo o veículo e penalizando o fabricante).

Este é o calendário até 2021 para a entrada em vigor dos métodos de determinação dos consumos e emissões (WLTP), normas anti-poluição a que respeitam (Euro 6d) e desvio permitido pelo RDE face ao WLTP (CF1,5)

No RDE, as medições são realizadas em estrada, com aparelhos portáteis – que têm um custo aproximado de 200.000€ – e o ciclo de medição oscila entre 90 e 120 minutos (o NEDC era de 20 minutos e o WLTP é de 30 minutos) e inclui um tipo de utilização mais variado, ao nível do mar e em altitude, com tempo quente e frio. É sempre de esperar que o RDE revele consumos  e emissões superiores em relação aos obtidos segundo o ciclo WLTP, mas vão ser apenas aceites desvios pequenos. E cada vez menores.

Porque é que se continua a privilegiar os PHEV, aceitando consumos ridículos?

É um facto que os híbridos plug-in (PHEV) anunciam valores de consumos e consequentes emissões anormalmente baixos e que ninguém consegue atingir. E isto nos primeiros 100 km, quando o veículo parte com a bateria carregada, pois nas centenas de quilómetros seguintes o descalabro é total. Isto porque, obviamente, não é credível afirmar que o consumo de um automóvel grande e pesado, com motor de 400 ou 600 cv, anuncie um consumo de apenas  1,5 l/100 km.

Com a introdução do WLTP, convertido em NEDC a partir de Setembro de 2018, vai começar a surgir alguma correcção, em redor a 0,5 litros de média, o que percentualmente é uma subida importante que, em Setembro de 2019, deverá dar outro salto. Mas esta foi uma cedência de Bruxelas a um tipo de veículo que, em meio urbano, muitos condutores utilizam em ciclo quase 100% eléctrico e, como tal, achou-se que os PHEV deveriam ser protegidos e beneficiados.

Que outras soluções está a Opel a estudar para reduzir emissões?

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Os projectos antigos da Opel, como as células de combustível, não foram abandonados. Pelo contrário, continuam a evoluir. “O HydroGen4, concebido em 2003 com base num Zafira já passou por várias evoluções, mantendo sempre a produção de energia eléctrica a bordo, a partir de células de combustível alimentadas por hidrogénio. Ainda hoje há uma frota de 120 unidades, que já percorreu mais de um milhão de quilómetros, mas continua a faltar uma rede de distribuição de hidrogénio sob pressão, sem a qual esta tecnologia não consegue avançar”, disse-nos Alex Regne Gläser .

Os combustíveis sintéticos também são vistos pela Opel como um campo com um extremo potencial. “Basicamente, trata-se de produzir gasolina e gasóleo sintéticos, retirando o carbono de que necessitam da própria atmosfera, para onde regressa depois de queimado. Isto torna os combustíveis sintéticos neutros em carbono e, logo, não poluentes. Como são sintéticos, há uma série de constituintes poluentes, que existem nos derivados de petróleo, que aqui não vão estar presentes. Não é uma solução para o próximo ano, mas acreditamos que possa ser levada à prática em breve”, avança Gläser.

Qual é o motor da Opel que vai ser abandonado devido ao WLTP?

De acordo com Alex Regne Gläser, “a evolução dos motores é um processo contínuo”, o que significa que regularmente as unidades motrizes mais velhas são substituídas por outras mais modernas e eficientes. “A generalidade dos nossos motores, devidamente equipados com o SCR para os diesel e o filtro de partículas para os gasolina cumprem o WLTP, tendo nós já homologados mais de 90 conjuntos motor/caixa/veículo. Contudo, vamos abandonar o motor 2.0 Turbo do Insignia com caixa automática e tracção integral, porque não vale a pena e nós já temos um motor melhor”, adianta o técnico da Opel.

Carlos Tavares queixou-se que a Opel não estava preparada para o WLTP. Qual é a situação?

O que foi dito e nós admitimos, é que a Opel estava muito atrasada no que respeita à electrificação de modelos a gasolina e diesel, bem como na criação de uma gama 100% eléctrica, alimentada por bateria. Isto porque a GM nunca nos permitiu realizar os investimentos necessários neste domínio. Esta situação ia-nos penalizar a partir de 2020, quando for imposto um limite de 95 gramas de CO2 à gama completa de cada fabricante e nós estávamos completamente fora. Mas a integração na PSA permitiu-nos ultrapassar o problema e os novos modelos vão começar a chegar em breve, com Grandland XPHEV a chegar em 2020 e o Corsa eléctrico pouco depois.