Desde cedo foi apontado como uma das maiores promessas do futebol espanhol e, aos 23 anos de idade, chegou mesmo a ser considerado o melhor futebolista nascido em Espanha a atuar na La Liga, no final da temporada 2006/07. Deu os primeiros passos no Oviedo, antes de ingressar na formação secundária do Villarreal, onde subiu à equipa principal, brilhou durante oito épocas, e, sendo já uma certeza, chegou aos eleitos de La Roja para os campeonatos da Europa de 2008 e 2012. Foi bicampeão europeu com a seleção espanhola e chegou à Premier League para representar o Arsenal, depois de uma curta passagem pelo, na altura, milionário Málaga. Já em Londres, começa o calvário que dura desde 2013, com uma lesão a originar outra e a seguinte a trazer sempre mais dor do que a anterior. Regressou neste verão ao Submarino Amarelo, depois de seis épocas em Inglaterra. De 2015 para cá, jogou apenas 35 partidas; em quase dois anos, nem uma. Até à passada terça-feira, no minuto 67 do particular entre Villarreal e Hércules: aos 33 anos, Santi Cazorla voltou a jogar, 636 dias depois. 

Tudo começou a 10 de setembro de 2013, num particular entre Espanha e Chile. Santi Cazorla até cumpriu os 90 minutos, mas, no final, tinha assinado a primeira sentença para o calvário que o esperava: toque no pé direito e uma fissura no osso do tornozelo. Daí para a frente, as dores foram uma constante. “As primeiras partes ainda conseguia aguentar, estava quente, conseguia jogar. Mas, ao intervalo, quando arrefecia, ficava em lágrimas“, confessa o espanhol à Marca. 

[Momento do regresso de Santi Cazorla aos relvados, 636 dias depois, num particular entre Villarreal e Hércules]

Seis semanas depois, Cazorla estava de volta aos relvados para participar na vitória do Arsenal sobre o Norwich. Na realidade, o espanhol jogou o resto da temporada, assinando 46 aparições e um novo contrato com os Gunners. Em Londres, procurava demonstrar a qualidade evidenciada em Espanha, mas os deuses do futebol e da saúde nada queriam consigo: em dezembro de 2015, nova lesão, desta feita uma rotura de ligamentos do joelho esquerdo. Foi operado, esteve cinco meses parado e, no final da época 2015/16 voltou. As infiltrações e os corticóides passaram a fazer parte do seu dia a dia, mas a vontade de brilhar dava-lhe uma luz ao fundo do túnel. Pelo meio, tentava ignorar a dor, sem saber que o pior ainda estava para chegar: 19 de outubro de 2016, Arsenal 6-0 Ludogorets, a contar para a Liga dos Campeões; ao minuto 56, Cazorla assiste Ozil para o quarto golo dos ingleses; aos 57′, abandona o relvado.

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Daí para a frente começou um ciclo de 636 dias sem disputar uma partida. Na realidade, a prioridade de Cazorla era outra. “Os médicos disseram-me que se conseguisse voltar a passear no jardim com o meu filho já me podia dar por satisfeito”, desabafa o espanhol, que, por essa altura, já só pensava em caminhar sem dores. Depois do encontro contra o Ludogorets, o médio que militava no Arsenal descobriu que precisava de uma nova cirurgia, mais ou menos de rotina, mas que viria a trazer problemas de maior. Foi operado, tiraram-lhe os pontos, mas… a ferida não queria fechar. Não foi uma, nem duas vezes. Nem tão pouco três ou quatro – Cazorla foi operado dez vezes neste vaivém de abre, fecha, opera, recupera. Pelo meio, múltiplas infeções, transplantes de pele e a possibilidade de ser preciso amputar o pé direito. Resultado: uma infeção que lhe comeu oito centímetros do tendão de Aquiles.

Desde outubro de 2016 até à última terça feira, muitas foram as tentativas de Cazorla voltar aos relvados e mais ainda as pequenas conquistas alcançadas pelo espanhol, desde voltar a andar, a sentir menos dores, até mesmo a conseguir treinar novamente. Em novembro de 2017, voltou a ser operado, naquela que seria a última operação do médio até hoje. Na sua conta pessoal do Twitter, mantinha-se otimista, enquanto anunciava o regresso à sala de operações. A motivação, essa, nunca a perdeu e, a 26 de Abril de 2018, o Arsenal revelou uma imagem de Cazorla a treinar-se em pleno Emirates, antes da partida frente ao Atlético de Madrid a contar para a Liga Europa. A recuperação não convenceu os responsáveis londrinos que acabaram por deixar o espanhol sair. Regressou ao clube onde as lesões não eram um problema, à procura de alguma conjugação cósmica que o ajudasse a ser feliz no lugar onde já tinha sido.

Ao longo da carreira, o espanhol esteve lesionado 947 dias, tendo falhado 155 encontros oficiais. Em apenas dois meses de Villarreal, Cazorla já teve motivos para sorrir. Um grande motivo, aliás, já que passou de alguém que poderia não voltar a andar para voltar a ser um jogador que pode jogar. Como o fez na passada terça feira.