Uma das mais importantes cidades para a indústria automóvel alemã, Estugarda, rendeu-se à necessidade de tomar medidas urgentes para melhorar a qualidade do ar que se respira. A partir de Janeiro do próximo ano, todos os motores diesel que respeitem a norma Euro 4, o que na essência se pode traduzir por ausência de filtro de partículas, vão ser impedidos de circular naquela que é a sexta maior cidade germânica. Isto significa que todos os veículos construídos antes de Setembro de 2009 vão passar a ter de ficar fora dos limites da cidade.

Esta decisão vem no seguimento das directrizes emanadas por um tribunal regional, que determinou há cerca de um mês que a região de Baden-Wuerttemberg deveria apresentar um plano para garantir uma rápida melhoria da qualidade do ar. E a parte mais visível da poluição – mas não necessariamente a mais perigosa para a saúde – são efectivamente as partículas resultantes da queima dos combustíveis fósseis, para mais cancerígenas, sendo que não se percebe muito bem o porquê da diferenciação entre as partículas originadas pelos motores diesel e os gasolina, uma vez que, como o novo ciclo de homologação de consumos e emissões WLTP prova, ambas são nefastas para a saúde pública e daí a obrigatoriedade de montar filtros em ambos os tipos de motores.

Mas o que o tribunal pretendia originalmente era proibir a circulação inclusivamente dos veículos Euro 5, ou seja, já equipados com o dito filtro, deixando apenas os Euro 6 capazes de percorrer as ruas de Estugarda. Contudo, os responsáveis pela cidade decidiram tentar controlar a poluição poupando os Euro 5, fabricados até 2014, o que representa uma parte significativa do parque circulante alemão. E, curiosamente, é o líder dos “verdes” alemães na assembleia de Baden-Wuerttemberg, Andreas Schwarz, um dos que defendeu a estratégia de afastar já os Euro 4, para conseguir oferecer aos Euro 5 mais uns anos de vida, que nunca serão muitos.

Apesar das inúmeras alterações, a Avenida da Liberdade, em Lisboa, continua a ser um caos em termos de emissões de NOx

Excesso de poluição também afecta Portugal

Se Estugarda e a poderosa Alemanha, onde o automóvel é uma das principais indústrias, não foram capazes de resistir a Bruxelas, aos riscos para a saúde da população e à opinião pública, o que pode acontecer a Portugal, onde as cidades de Lisboa, Porto e Braga são frequentemente assoladas por picos de poluição em termos de partículas e óxidos de azoto (NOx), especialmente NO2, que por um lado as expõem a coimas por parte da União Europeia, e por outro prejudicam seriamente a saúde dos seus habitantes.

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Parte do excesso da poluição, tomando como exemplo Lisboa, tem a ver com o facto de as Zonas de Emissões Reduzidas (ZER) serem muito pequenas (mínimas numa cidade que não é propriamente gigantesca em superfície) e de o regulamento das ZER ser pouco exigente, pois mesmo após a 3ª fase, introduzida em 2015, ainda permite a circulação de motores Euro 3 (do ano 2000) na zona 1, a mais central, e Euro 2 na zona 2. Isto para os veículos ligeiros de passageiros (e transportes colectivos), pois os táxis, que inicialmente podiam ser até Euro 1, têm visto o controlo ser progressivamente apertado e hoje já são obrigados a respeitar a norma Euro 4.

Banir rapidamente os Euro 4 e, a breve trecho, os Euro 5 é algo que tem de estar na mente dos autarcas, especialmente quando a Agência Europeia do Ambiente afirma que, em 2014, morreram 6.630 indivíduos por problemas relacionados com a poluição e a situação não melhorou desde então. Segundo Hugo Tente, do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da Faculdade de Ciências e Tecnologia  (Universidade Nova de Lisboa – UNL),  “mais importante do que avançar já para novas restrições, o que faz sentido é incrementar a fiscalização das normas previstas na 3ª fase, controlando melhor os veículos que não cumprem a circulação nas ZER”. De caminho, o investigador da UNL aproveita para salientar as melhorias que se têm verificado, com “o excesso de partículas a estar agora mais controlado, pela vertente tecnológica (NDR: pela cada vez maior quantidade de veículos equipados com filtros de partículas em circulação), pois o limite apenas é ultrapassado em situações de excepção, como quando os ventos arrastam massas de ar vindas de África”.

Também Entrecampos, na capital, está desde 2016 cerca de 50% acima do limite máximo para os NOx, à semelhança da Baixa

Mas Portugal continua a infringir regularmente os limites máximos de poluentes, ultimamente ao nível dos NOx. De acordo com Hugo Tente, “Lisboa pode exceder o limite de 50 microgramas de NOx 10% dos 365 dias do ano e, em média, a cidade ultrapassa o limite em muito mais do que 35 dias anualmente”. O que é confirmado pelo facto de, em 2016 e 2017, os analisadores da qualidade do ar colocados na Avenida da Liberdade e em Entrecampos estarem, em média, 50% acima do que é permitido. Talvez isto justifique o banir da capital, bem como do Porto e Braga, os automóveis diesel com motores anteriores ao Euro 6, ou seja, sem o catalisador selectivo SCR que, juntamente com o AdBlue, anula 95% dos NOx e cuja comercialização se iniciou em Janeiro de 2014.

Absoluta falta de controlo

Mas, em paralelo com o apertar da legislação, é igualmente importante controlar de forma eficaz o estado dos veículos em circulação. As inspecções periódicas são bem-vindas, mas é bom que sirvam para algo mais do que apenas para analisar pormenores ‘menores’ como a conformidade dos pneus, estado das suspensões, folgas excessivas, estado dos travões e emissões de CO2. Têm de analisar correctamente a eficácia do filtro de partículas e do catalisador, pois há muitos veículos mais antigos que os retiraram assim que lhes começaram a dar problemas. Interrogado sobre esta falta de controlo, Hugo Tente reconhece que “incompreensivelmente, os centros de inspecção não estão equipados com o equipamento necessário a detectar a presença do filtro de partículas e muito menos o seu funcionamento, limitando-se a uma inspecção visual”, o que leva alguns condutores a anularem-no quando avaria, fazendo passar um tubo pelo seu interior para manter o exterior intacto.

Em vigor ainda está o regulamento da 3ª fase da ZER, que foi introduzida em 2015

“Mesmo em relação às emissões de NOx, existem no mercado vários equipamentos que procedem facilmente à sua análise, o que acontece é que os centros de inspecção não os possuem e não se compreende como foram mandatados pelo Estado para proporcionar um serviço e não se têm modernizado para estar a par das novas necessidades”, conclui o investigador da UNL.

Até 2020, deverá ser implementado o Plano de Melhoria da Qualidade do Ar da Região de Lisboa e Vale do Tejo. Se a 4ª fase da ZER avançar não apenas com um reforço da fiscalização mas com uma malha mais apertada dos veículos que circulam, tudo pode acontecer. Se a fasquia subir como se espera, isso significa que a zona 1 passará a impedir a entrada dos Euro 3 (introduzidos no ano 2000), o que significa banir mais cerca de um milhão de veículos, isto num parque circulante que ronda os 6,1 milhões de unidades. Se alinharem por Estugarda, afastando do centro da capital os Euro 4, de 2005, então ficam de fora mais 1,2 milhões de veículos. E se a isto juntarem os Euro 5, é só somar mais 1 milhão. E isto leva-nos a uma questão: até quando acha que o vão deixar conduzir o seu automóvel a gasóleo, no centro da capital e das principais cidades portuguesas?