As tensões entre os EUA e a Turquia agravaram-se quarta-feira com a decisão norte-americana de impor sanções contra dois ministros turcos, e quando os chefes da diplomacia dos dois países se devem reunir sexta-feira em Singapura para abordar o diferendo.

O Departamento de Estado anunciou, ainda na quarta-feira, que o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, contactou por telefone com o seu homólogo turc Mevlüt Cavusoglu, e que iriam promover um encontro ainda esta semana em Singapura.

No encontro, Pompeo deverá exigir a libertação do pastor protestante norte-americano Andrew Brunson, detido na Turquia desde finais de 2016, desde a semana passada em regime de prisão domiciliária, e cuja situação justificou o anúncio das sanções norte-americanas.

Estados Unidos ameaçam Turquia com sanções se Ancara não libertar pastor Andrew Brunson

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A Turquia prometeu retaliar e altos responsáveis em Ancara acusaram esta quinta-feira o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de comprometer as relações entre os dois aliados da NATO.

A atual crise que se prolonga há dois anos, definida por diversos analistas como a mais grave na história dos dois países, não se restringe apenas ao caso do religioso evangélico e assume contornos mais vastos, assinala a agência noticiosa France-Presse (AFP).

A presença nos Estados Unidos desde 1999 do predicador islamita turco Fethullah Gülen é provavelmente o principal motivo da cólera de Ancara.

A Turquia acusa este antigo aliado do Presidente turco Recep Tayyip Erdogan de ter fomentado o golpe fracassado de 15 de julho de 2016 na Turquia, e desde então desencadeou uma perseguição sem tréguas aos seus apoiantes.

A Turquia solicitou por diversas vezes a extradição de Gülen, que desmente qualquer envolvimento no golpe, e quando alguns responsáveis em Ancara sugerem um eventual envolvimento de setores próximos da Administração dos EUA na tentativa de golpe militar. Até ao momento, as exigências de Ancara não foram correspondidas.

A questão é saber se existem provas suficientemente claras do envolvimento pessoal de Fethullah Gülen”, afirmou no final de julho um alto responsável norte-americano citado pela AFP.

O caso do pastor Andrew Brunson, que desencadeou a atual crise bilateral, prolonga-se, no entanto, há mais de um ano e meio.

Responsável por uma igreja protestante em Izmir (oeste da Turquia, junto ao Mar Egeu), é acusado de espionagem e de ter atuado “sem ser membro ativo” ao serviço da rede de Gülen, e ainda colaborado com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), duas organizações consideradas terroristas por Ancara.

Ao apelar à libertação imediata de Andrew Brunson, Washington ameaçou a Turquia de sanções, antes de optar pela aplicação da medida na tarde de quarta-feira. Para além de Burnson, dois funcionários locais das missões norte-americanas na Turquia estão detidos, e um terceiro em prisão domiciliária.

Em maio, Mehmet Hakan Atilla, ex-diretor-geral adjunto do banco público turco Halkbank, foi condenado por um tribunal norte-americano a 32 meses de prisão por fraude bancária e conspiração num caso que envolve milhares de dólares.

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O banqueiro apelou do caso, e Ancara protestou de forma veemente após a sua condenação. Este caso fez pairar a ameaça de uma elevada penalização monetária contra o Halkbank, uma perspetiva que incomoda o poder turco.

O homem de negócios turco-iraniano Reza Zarrab, está no centro deste caso explosivo, e durante o processo acusou de envolvimento o Presidente Erdogan e diversos ministros do seu Governo presidencial.

Ancara definiu o processo como um ‘complô’ orquestrado por Fethullah Gülen. A Turquia também tem criticado com insistência os Estados Unidos pelo apoio militar concedido na Síria às Unidades de Proteção do Povo (YPG, uma milícia curda local) no seu combate ao grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico (EI).

Ancara considera esta milícia uma emanação do PKK, ativo no sudeste turco, considerado “terrorista” pela Turquia mas também pelos EUA e União Europeia.

Após uma primeira ofensiva em 2016, na sequência do fim abrupto das negociações que Ancara promovia desde 2012 com o PKK, a Turquia desencadeou no início de 2018 uma operação para desalojar as YPG do enclave sírio de Afrine.

De seguida, ameaçou prolongar esta operação em direção a Minbej, onde estão estacionados soldados norte-americanos. Num novo desenvolvimento, Ancara e Washington concordaram estabelecer um “roteiro” que prevê a retirada das YPG de Minbej e a formação de patrulhas conjuntas.

No início desta semana, a Turquia assegurou que este acordo não será afetado pelas atuais tensões, uma sugestão já questionada por diversos observadores.

Ainda no cenário regional, Ancara e Moscovo têm cooperado estreitamente no dossiê sírio, mas a principal questão que incomoda Washington é o acordo concluído para a compra pela Turquia de sistemas de defesa antiaéreos russos S-400, incompatíveis com os sistemas de defesa da NATO.

Na quarta-feira, o Congresso norte-americano aprovou um orçamento que interrompe o fornecimento à Turquia pelo Pentágono de aviões de combate F-35, e que apenas deverá ser retomado caso Ancara não conclua as negociações para a aquisição dos S-400.

No entanto, o porta-voz presidencial turco, Ibrahim Kalin, tinha já assegurado esta semana que a Turquia não vai renunciar ao seu negócio de armamento com Moscovo mesmo com a ameaça de sanções norte-americanas, que acabaram por se concretizar.