Pep Gurdiola conseguiu um total de 23 títulos desde 2009, entre Barcelona, Bayern e Manchester City (com um ano sabático de descanso, quando deixou a Catalunha), mas para quem vai acompanhando as centenas e centenas de grupos e blogues de fãs de futebol, não é propriamente pelo currículo que ganhou uma legião de seguidores. Ao invés, tudo gira em torno de uma ideia de jogo, da forma como se mantém fiel aos princípios de um futebol de qualidade, a uma filosofia que não prescinde das suas raízes para chegar à vitória nos mais diferentes contextos e contra os mais variados adversários. E olhando para a Premier League na época passada, não havia ninguém como o espanhol a pensar o futebol desta forma. Poderão agora as coisas mudar?

A pré-temporada do Chelsea ainda começou com alguma indefinição em termos técnicos, com a situação do ex-campeão Antonio Conte por resolver e, com isso, a mais do que provável entrada de Maurizio Sarri por confirmar. O processo andou, andou, andou até que aquilo que todos já tinham como certo aconteceu mesmo e o antigo treinador do Nápoles entre 2015 e 2018. E não demorou muito até que os mesmos que elogiam Pep Guardiola pela ideia de jogo que tem tirassem também ao chapéu ao trabalho feito pelo italiano em menos de um mês nos blues, a nível de construção de jogo desde a sua grande área até à capacidade de pressionar bem mais alto do que era normal nos londrinos. É aquilo que uns descrevem como “Sarri ball” e outros como “Sarrismo”, numa espécie de novo tiki taka em progressão com passes curtos e rápidos enquanto a equipa sobe em bloco.

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Antes da Supertaça de Inglaterra, este domingo, Sarri reduziu a uma palavra o segredo para encurtar os 30 pontos de distância entre Manchester City e Chelsea na última Premier League (100-70): “trabalho”. “O meu trabalho vai ser esse, melhorar estes jogadores. Não acredito nisso de todos os problemas poderem ser resolvidos no mercado de transferências”, destacou o técnico que recentemente o ex-campeão europeu Arrigo Sacchi comparou a… Guardiola. “São dois filhos da mesma ideia. O futebol é como música para eles, uma forma de arte. São dois génios que ajudaram na evolução deste desporto lindo”, disse.

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E foi com este cartão de visita quiçá com demasiados contornos de endeusamento que o italiano de 59 anos, conhecido por ser um fumador compulsivo que estudou Economia e trabalhou no banco Monte dei Paschi, na Toscânia, antes de assumir a 100% o futebol (antes de treinar foi central em equipas amadoras), chegou a Londres. A mesma cidade onde, em Wembley, acabou por ter o primeiro choque com uma realidade onde precisará de mais tempo de trabalho para fazer a diferença. Até porque, antes de qualquer Sarrismo, a Premier League é dominada pelos citizens de Guardiola. E nada valeu ao “Mister 33”, como ficou conhecido quando passou entre 2000 e 2003 pelo modesto Sansovino – pouco depois de deixar o banco – e criou esse número de jogadas, algumas delas especificamente para algumas posições em específicas, partindo de uma bola morta.

O Manchester City começou melhor, foi melhor e fez tudo melhor nos primeiros 25 minutos de jogo, altura em que, devido ao calor, foi feita uma espécie de “pausa técnica” para os jogadores poderem ir ao banco beber água e recuperar o fôlego. Percebe-se porquê: desde o minuto inicial, os citizens esticaram a equipa em campo grande, condicionaram e muito a saída de bola de trás do Chelsea e tiveram uma anormal facilidade para explorar espaços e criar oportunidades ou situações de remate. Logo aos 3′, Sané, a grande surpresa entre os ausentes no Mundial, atirou forte ao lado; pouco depois, Bernardo Silva conseguiu fintar no espaço de uma cabine telefónica na área mas o cruzamento atrasado para o toque final não encontrou qualquer companheiro.

O golo parecia ser uma questão de tempo e acabou por surgir numa situação raríssima nas equipas de Sarri: grande buraco no corredor central em transição defensiva explorado da melhor forma pelo jovem Phil Foden, passe para Kun Agüero ainda fora da área e remate cruzado sem hipóteses para Caballero, descontente face à passividade e ao desposicionamento das unidades recuadas (13′). Pouco depois, o avançado argentino, que marcou o 200.º golo pelo campeão inglês (reforçando o estatuto de melhor marcador de sempre do clube) voltou a testar a sua sorte, mas desta vez o guarda-redes que esteve consigo na (má) participação no Campeonato do Mundo conseguiu defender a dois tempos o remate rasteiro.

Até ao intervalo, e também por culpa de algum abrandamento do City a nível de intensidade de jogo, o Chelsea melhorou, já teve outra qualidade na saída em posse a partir dos defesas e conseguiu mais passes curtos em progressão na zona intermédia, mas entre os remates Morata e Hudson-Odoi, apenas um do jovem avançado inglês de 17 anos obrigou Claudio Bravo (que quase deitou tudo a perder num lance onde calculou mal a trajetória da bola) a uma defesa mais complicada a dois tempos.

No reatamento, e com Gündogan (de máscara para proteger o nariz) no lugar de Sané, os blues tentaram assumir mais o controlo do jogo mas o conjunto de Pep Guardiola foi conseguindo encontrar sempre soluções para criar perigo como aconteceu logo aos 50′, quando Agüero surgiu isolado perante Caballero, fintou o guarda-redes mas rematou às malhas laterais. Apenas dois minutos depois, e em mais um lance que explorou em profundidade as costas da defesa contrária, Foden rematou rasteiro de pé esquerdo mas o guardião argentino de 36 anos, habitual número 2 de Courtois, voltou a levar a melhor.

Esse não seria mais do que o mero adiar do inevitável, como se veria pouco depois: numa bola ganha por John Stones em antecipação um pouco à frente da sua área, Gündogan lançou a saída, Bernardo Silva fez o movimento interior enquanto Kun Agüero desenhava a diagonal e o argentino não falhou na hora de bisar e aumentar o resultado para 2-0 com assistência do português, aposta inicial de Guardiola para esta Supertaça a par do reforço Mahrez, ex-Leicester (58′).

Sarri ainda tentou escrever uma outra história, lançando em campo Drinkwater para ganhar o corredor central do meio-campo e Willian para espevitar o ataque, mas não mais o Chelsea conseguiria reagir à desvantagem e seria mesmo Agüero a ficar perto do hat-trick, evitado por Caballero (que mais tarde iria também travar o 3-0 de Díaz, Gabriel Jesus e Bernardo Silva, perante uma defesa já partida e sem referências). Os blues até poderão conseguir montar uma equipa e uma ideia de jogo capaz de minimizar os inesperados 30 pontos de diferença em relação ao primeiro lugar da Premier League na última temporada, mas para já o domínio continua a pertencer a um Manchester City que fez uma exibição fantástica (ainda para mais tendo em conta o momento inicial da época que atravessamos) sem contar de início com nomes como De Bruyne, Sterling ou Gabriel Jesus.