As pré-temporadas nem sempre são propriamente o barómetro mais fiável para o resto da época e se dúvidas existirem enquanto a isso, o próprio Benfica de Rui Vitória tem no primeiro ano desta nova era com o português no comando técnico um exemplo paradigmático disso mesmo: dos resultados (dois empates e três derrotas) às próprias exibições contra adversários de maior ou menos valia mas sempre a um nível competitivo alto (PSG, Fiorentina, NY Red Bull, América e Monterrey), as coisas não correram da melhor forma, mas nem por isso os encarnados deixaram de terminar 2015/16 na frente do Campeonato e com um recorde de pontos (88). Seguiu-se o tetra, a perda do título e, agora, novo regresso a um modelo competitivo na fase inicial com passagem pelos Estados Unidos, com equipas de maior nomeada como B. Dortmund ou Juventus (e Lyon, no Algarve). Desta vez, bem diferente e com resultados distintos. Para melhor, neste caso específico.

Mais do que os sinais do novo guarda-redes Odysseas Vlachodimos, o aparecimento de Gedson Fernandes ou o bom momento de unidades nucleares como Jardel, Fejsa ou Pizzi, os encarnados mostravam já uma ideia de jogo interessante, com os habituais pontos para melhorar e consolidar no processo de treino mas a um bom nível para o que era desejado nesta fase. E foi por isso que o treinador das águias fez uma analogia entre o futebol e a escola: “É como chegar ao dia em que temos o exame e sabemos que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para que o teste seja bom”. Mas faltou qualquer coisa, na noite em que as águias colocaram um ponto final na série de sete derrotas consecutivas em partidas a contar para a Champions.

Rui Vitória, que antes de assumir a carreira nos bancos era professor, conseguiu até passar matéria a mais em alguns aspetos à equipa, mas não chegou à nota 20 na primeira mão da terceira pré-eliminatória de acesso à Champions frente ao Fenerbahçe porque juntou a falta do aluno decisivo à matéria que pior foi assimilada (pelo menos esta noite). Ou, analogias à parte, pecou em demasia na finalização num jogo onde não contou com o grande goleador dos últimos quatro anos, Jonas. Ainda assim, houve uma cábula que permitiu passar o exame com uma nota mínima mas que poderá ser suficiente no encontro na Turquia, na próxima semana – Cervi, o mais pequeno em campo, furou a muralha visitante e deu vantagem ao Benfica (1-0).

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Ficha de jogo

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Benfica-Fenerbahçe, 1-0

1.ª mão da 3.ª pré-eliminatória da Liga dos Campeões

Estádio da Luz, em Lisboa

Árbitro: Aleksei Kulbakov (Bielorrússia)

Benfica: Vlachodimos; André Almeida, Rúben Dias, Jardel, Grimaldo; Fejsa, Gedson Fernandes, Pizzi; Salvio (Zivkovic, 75′), Cervi e Ferreyra (Castillo, 63′)

Suplentes não utilizados: Svilar, Conti, Alfa Semedo, Samaris e Rafa

Treinador: Rui Vitória

Fenerbahçe: Volkan Demiral; Isla, Neustadter, Skrtel, Hasan Ali; Mehmet Topal, Elmas, Guiliano; Nabil Dirar (Baris Alici, 86′), Alper Potuk (Soldado, 74′) e Valbuena (Mehmet Ekici, 61′)

Suplentes não utilizados: Kameni, Ozan Tufan, Sener Ozbayrakli e Yigithan Guveli

Treinador: Phillip Cocu

Golo: Cervi (69′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Soldado (78′), Grimaldo (79′), Mehmet Ekici (82′) e Elmas (90+1′)

Com Gedson Fernandes a ocupar um lugar que no ano passado, a partir da mudança estrutural de Rui Vitória que ofereceu outra estabilidade ao jogo coletivo com três unidades do meio-campo, pertenceu (e bem) a Krovinovic e Zivkovic, e com Ferreyra na frente de ataque, o Benfica quis dar aquele bafo inicial no Fenerbahçe com as linhas mais subidas e zonas de pressão agressivas e que condicionavam a saída, mas não conseguiu mais do que, em termos práticos, um remate de Gedson sem perigo ao lado da baliza de Demirel (e um lance onde ficou a ideia que Isla pode ter feito falta sobre Cervi na área, não assinalada). Ainda assim, e apesar do bom arranque de Fejsa nos desarmes e nas intervenções, foi sol de pouca dura e o jogo ficou equilibrado.

Os encarnados tinham mais posse, circulavam a bola (algumas vezes, de forma demasiado previsível) e dominavam em termos territoriais, mas faltava a outra parte da matéria para tirar os turcos da sua zona de conforto, assente num bloco sólido na defesa liderado por Skrtel e a procurar a velocidade de Valbuena no contra-ataque. Faltava velocidade nas variações de flanco, faltava capacidade de fazer movimentos de rutura, faltava profundidade para explorar as costas de um adversário mais experiente (a título de curiosidade, o onze do Benfica era quatro anos mais novo em média do que o do Fenerbahçe) mas com esse visível calcanhar de Aquiles que nunca conseguiu ser aproveitado da melhor forma pela formação portuguesa.

Com tudo isso, e depois de um remate de Guiliano bem travado por Vlachodimos, o Benfica teve apenas uma oportunidade flagrante (antes Skrtel tinha tirado uma recarga cantada a Ferreyra e Salvio atirara cruzado ao lado), naquele que foi também o único remate feito na área contrária: em cima do intervalo, Ferreyra fez o movimento diagonal nas costas da defesa visitante, ganhou em força a bola perante os protestos por uma eventual falta mas atirou muito fraco para Volkan Demirel e trouxe de novo à memória um “fantasma” inevitável de passar ao lado no atual contexto que se vive na Luz: Jonas.

Foi essa dinâmica que tantas vezes faltou na primeira parte que o Benfica apresentou no arranque do segundo tempo. Mais do que o frisson criado em algumas bolas paradas ou um grande remate cruzado de Salvio que obrigou Volkan Demirel à melhor defesa até então para canto (50′), foi a capacidade de chegar ao último terço com outras valências que conseguiu finalmente “inclinar” o centro do jogo para o meio-campo da formação de Phillip Cocu, para quem não sofrer golos era meio caminho andado nos objetivos para esta terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões. E foi também essa subida no plano coletivo que soltou a parte individual, com mais Gedson, mais Salvio e mais Pizzi no jogo. Faltava o mais importante: o golo.

A troca de Ferreyra por Castillo não foi propriamente a coisa mais unânime na Luz, como foi percetível pela reação. Não pela qualidade de um, nem pela capacidade de mexer do outro, mas porque o jogo estava a pedir mais presença na área para conseguir furar uma parede amarela e azul que se parecia ter erguido para não mais ceder. Lá cedeu, mas da forma menos previsível que se poderia pensar perante o rigor Fenerbahçe até então: espaço para Salvio cruzar dentro da área, bola a atravessar toda a área com os centrais a tentarem desviar com os olhos, remate de Cervi e má abordagem de Volkan Demirel: 1-0 aos 69′. Uma vantagem que só não foi aumentada porque o guarda-redes foi buscar ao chão dois remates colocados de Castillo (84′ e 85′).

Já em período de compensação, Baris Alici teve a melhor oportunidade dos visitantes, num movimento de fora para dentro com bola que culminou com um remate a rasar a trave da baliza de Vlachodimos. Mas este Fenerbahçe foi curto, muito curto. Com os seus deméritos próprios, mas também por mérito de um Benfica que, a nível de transições e defesa a ataque organizado esteve quase sempre irrepreensível. No entanto, foi como um aluno que se prepara da melhor forma para quase todas as questões possíveis e imaginárias mas fica a olhar para o teste a dar voltas à cabeça quando lhe surge aquela pergunta que costumava ser respondida de olhos fechados. Ferreyra, que pode ser uma mais valia, teve uma noite desinspirada; Castillo mostrou vontade e remate fácil mas também não marcou. Os encarnados até podem não ser nem melhores nem piores com ou sem Jonas em campo a nível de princípios e identidade de jogo, mas são diferentes sem o instinto do brasileiro para resolver.