Um comentário do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Canadá sobre os direitos humanos na Arábia Saudita despoletou uma acesa disputa diplomática entre os países. Em causa está uma publicação divulgada na página oficial do ministério na rede social Twitter sobre a detenção de Samar Badawi.

“O Canadá está gravemente preocupado com a detenção de ativistas defensores da sociedade civil e dos direitos das mulheres na Arábia Saudita, incluindo Samar Badawi. Insistimos que as autoridades sauditas libertem imediatamente estes e todos os outros ativistas de direitos humanos pacifistas”, pode ler-se no tweet do ministério divulgado na passada sexta-feira.

Em resposta, a Arábia Saudita tomou uma série de medidas de retaliação face ao Canadá. O reino começou por expulsar o embaixador canadiano em Riade, capital saudita, e ordenar o regresso do seu embaixador em Ontário, capital do Canadá. O país árabe suspendeu também todos os voos da companhia aérea estatal de e para Ontário e revogou centenas de bolsas de estudos atribuídas a cidadãos nacionais a estudar no Canadá.

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Num comunicado, as autoridade canadianas disseram estar “profundamente preocupadas” com a atitude saudita, mas afirmaram que a embaixada continuaria a funcionar. “O Canadá irá sempre defender a proteção dos direitos humanos, incluindo os direitos das mulheres e a liberdade de expressão em todo o mundo. Não iremos nunca hesitar em promover estes valores e acreditamos que o diálogo é essencial à diplomacia internacional.”

A tensão diplomática adensou-se quando o grupo sem fins lucrativos afeto ao governo saudita lançou uma campanha polémica no Twitter. Na publicação, a Infographic KSA usava o provérbio árabe: “quem interfere com o que não lhe diz respeito, descobre o que não lhe agrada”. A publicação foi mal recebida nas redes sociais, com os utilizadores a interpretarem a imagem do avião a voar em direção à Torre CN, um edifício emblemático de Toronto, como uma ameaça terrorista e uma referência ao 11 de setembro. A organização já apagou a publicação e pediu desculpa numa segunda publicação na mesma conta. “O avião tinha a intenção de simbolizar o regresso do embaixador”, foi explicado cita o jornal El Español.

Imagem retirada do Twitter.Posteriormente, na terça-feira, as autoridades sauditas anunciaram que iam transferir todos os pacientes nacionais a ser tratados no país da América do Norte para hospitais de outros países. O país disse também estar a planear cortar as relações comerciais.

No dia seguinte, o ministro dos negócios estrangeiros da Arábia Saudita afirmou “o Canadá cometeu um erro e deve corrigi-lo”. Segundo a CNN, Adel al-Jubeir assegurou que o seu país não iria tolerar qualquer interferência estrangeira nos assuntos internos, mostrando-se pouco flexível a reverter a posição assumida. “A bola está do lado do Canadá.”

No Ocidente surgiram várias vozes que condenaram a reação desproporcional da Arábia Saudita. Bernie Sanders, que concorreu às últimas presidenciais americanas, considerou o caso “ultrajante”.  Contudo, especialistas na política regional referem que a reação é consistente com a política seguida pelo príncipe regente no último ano.

Desde que se tornou o primeiro na linha de sucessão ao trono, Mohammed bin Salman assumiu uma agressiva campanha de modernização e afirmação internacional do país. Salman mandou prender centenas de empresários de elite numa alegada operação “anti-corrupção”, incluindo vários familiares e outros príncipes árabes, e usou o dinheiro apreendido para aliviar a austeridade no país. Apesar de ter legalizado a condução para as mulheres, o príncipe tem levado a cabo uma forte repressão contra ativistas feministas.

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Quanto à política externa, Salman tem instigado medidas que prejudiquem o Catar, iniciado disputas com o Irão e começou uma luta armada para derrubar os rebeldes do Iémene. As políticas de Mohammed bin Salman têm sido apoiadas pelos aliados regionais, mas tinha-se abstido de comentar.

O envolvimento do Canadá ocorreu na sequência da prisão da ativista Samar Badani, irmã de Raif Badawi — que se encontra preso desde 2012. Em 2015, o Canadá concedeu asilo à esposa e filhos de Raif. O ministro dos negócios estrangeiros saudita defendeu Samar foi “legalmente detida” por ter “cometido crimes puníveis por lei, que também assegura direitos aos detidos e lhes providencia o devido tratamento durante a investigação e julgamento”.