Carlos Inácio diz que foi algemado e agredido por militares da GNR. Em localidades evacuadas devido ao fogo de Monchique, repetem-se histórias de excesso de força por parte dos guardas.
Carlos Inácio afirma ter sido agredido por militares da GNR e aponta para uma nódoa negra no braço esquerdo. José Luís diz que os militares, em Alferce, queriam mandar a população para uma estrada que estava a arder. Maria da Ascensão Neves, do Peso, nem teve tempo de levar o telemóvel consigo para avisar os filhos. Em Marmelete, a população mandou a GNR embora. As histórias repetem-se e, mais do que críticas à atuação dos bombeiros, em Monchique protesta-se contra a ação da GNR, considerada por muitos “intimidatória” e “à bruta”.
Na estrada para Alferce, resta o branco da casa de Carlos Inácio, no meio da negrura que o fogo deixou. Anda à volta das coisas que perdeu. Contabiliza mais de 30 mil euros de prejuízo, entre as ferramentas da jardinagem e da agricultura, uma caravana e uma carrinha calcinada que “estava como nova”.
Mas a revolta de Carlos Inácio, de 47 anos, vai para a atuação da GNR.
No domingo à noite, quando estava de volta da sua casa, com mangueiras, a regar tudo, a GNR avisou que iria retirar toda a gente.
Depois de um momento de tensão com militares da força de segurança, chegou “mais um batalhão” e acabaram por algemá-lo.
“Algemaram-me, mas não me fizeram mal. Deram-me água quando eu precisei, trataram-me bem e levaram o meu jipe”, conta. A viatura foi levada em direção a Alferce, onde o deixaram. Aí, a história mudou, diz à agência Lusa.
Estava ainda algemado, concentrado junto à piscina de Alferce, onde estava o resto da população, quando chegou um homem “com uma carrinha com kit de incêndio a perguntar onde era a casa de um homem” que estaria a arder.
“Eu disse que sabia onde era. Avisei a GNR: ou me tiram as algemas ou eu vou indicar onde é a casa mesmo algemado”, conta. Saiu do local e “por coincidência, chegaram dois agentes”.
“E dão-me porrada”, refere, indicando que foi agredido nos braços e nas costas.
Pouco depois, surgiu outro GNR que lhe tirou as algemas, “discutiu com os colegas e pediu desculpa”.
“Agarrou-se a mim e disse que não se admite bater numa pessoa inocente”, frisa Carlos, que não apresentou queixa, aclarando que não conseguiu recolher o nome dos guardas que diz que lhe bateram.
Quase uma semana depois, resta uma pequena nódoa negra junto ao braço esquerdo, que faz questão de mostrar.
Depois do confronto com a GNR, conseguiu regressar à sua casa para ver os seus haveres a arderem. “Era uma da manhã e estava tudo queimado. Caí no chão como morto. Foram dois homens que vinham comigo que combateram o fogo e que me salvaram a casa”, diz.
Na mercearia de Alferce, o dono, José Luís, ainda se enerva quando a história é sobre a atuação da GNR.
O homem de 83 anos conta que os militares tentaram encaminhar a população para a estrada em direção a São Marcos.
“Queriam levar-nos para a morte. Queriam mudar o cemitério para ali para baixo, que o fogo já andava na estrada. Mas a gente recusou e dissemos que não íamos a lado nenhum”, recorda, explicando que naquela localidade havia vários sítios de refúgio, nomeadamente a Casa do Povo e o edifício da junta de freguesia.
“Os guardas foram uns selvagens, sem educação nenhuma”, protesta o homem, que chora tudo o que perdeu: “Fiquei sem nada no mundo”.
Em Nave, Carlos Duarte, que também foi algemado, não aponta o dedo ao oficial que o algemou: “Os guardas não são culpados. Culpados são quem dá as ordens para nos algemarem”. Acabou por ser libertado e foi à sua vida para salvar o património.
“Não posso censurar o guarda que me prendeu. Quando me desalgemou, explicou que o trabalho dele era aquele e eu disse-lhe que o meu era defender o património. Ele compreendeu”, refere.
Ali perto, em Marmelete, a história foi diferente.
Às 04:00 de terça-feira, a população foi acordada “com uma gritaria ensurdecedora da GNR”, a mandar evacuar toda a aldeia, conta à Lusa o antigo presidente da junta António Santos.
“O fogo estava a mais de dez quilómetros. Estivemos cá em 2003 e sabemos como o fogo vem. As pessoas juntaram-se e disseram: ‘Não saímos daqui'”, diz, acrescentando que dos guardas receberam a resposta: “Se não saem a bem, saem a mal”.
Junto ao adro da aldeia, os moradores acabaram por convencer a GNR, que terá dito “então, boa sorte”, antes de se ir embora.
“Concordo que retirem crianças e idosos, mas não o que fizeram. Foi uma forma agressiva e intimidatória”, sublinha António Santos.
Maria da Ascensão Neves, da localidade do Peso, também não se acanha nas críticas: “Não se justifica a forma como fizeram tudo isto”, protesta a mulher de 72 anos, nascida e criada naquela localidade, retirada de casa por duas vezes.
“No domingo, nem tempo tive para tirar o telemóvel de casa. Deixei os meus filhos preocupados, que não conseguiam falar comigo. Não pode ser assim. Há maneiras de falar e de dizer as coisas”, defende.
Além do telemóvel, deixou o galo que ia matar, ainda vivo, na sua cozinha, de patas atadas, à espera de morrer. Na segunda vez que a retiraram, já o galo estava morto, agora à espera de ser depenado.
“Não pode ser assim. Não podem obrigar toda a gente a sair. Ninguém cuida melhor que o dono”, diz.