“Não tenham medo! Os romenos vão erguer-se!”, “Não à violência!” e “PSD, a Praga Vermelha”. Estas foram algumas das palavras de ordem utilizadas por milhares de romenos nas ruas de Bucareste este sábado, enquanto distribuíam rosas brancas aos polícias para tentar deixar claro que o protesto do dia era — ao contrário do que aconteceu na véspera — pacífico.

Exibindo bandeiras da Roménia e algumas da União Europeia (UE), mais de 10 mil romenos ocuparam assim a praça em frente à residência oficial da primeira-ministra, Viorica Dancila, para exigir a demissão do Governo. A reivindicação era em tudo igual à apresentada na noite anterior na praça Victoriei, mas ganhava agora mais urgência, depois dos episódios de violência entre polícia e manifestantes a que o país assistiu na noite de sexta-feira.

A noite de sexta-feira foi quente nas ruas de Bucareste e não apenas pelas temperaturas de verão, próximas dos 30 graus, que se fizeram sentir. A multidão, composta por cerca de 80 mil pessoas, exigiu a demissão do Governo, a quem apelidou de grupo de “ladrões”. “Queremos ver estradas modernas e escolas e, sobretudo, não ter de pagar subornos a torto e a direito”, resumia nessa noite à AFP Ileana Anghel, que veio de propósito de Espanha, onde vive, para participar na manifestação.

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A violência surgiria depois, com os confrontos com a polícia de choque a ocorrerem quando os manifestantes tentavam passar uma barreira policial que os separava de instalações do Governo.

Fontes hospitalares informaram que muitos destes feridos foram assistidos devido à inalação de gases pimenta e lacrimogéneo utilizados pela polícia, enquanto outros sofreram hematomas. Entre os feridos há também polícias. Mariu Militaru, porta-voz da polícia de choque citado pela Associated Press, disse que 11 polícias da sua unidade foram levados para o hospital e confirmou que oito pessoas estão a ser investigadas.

Em reação à ação policial, o Presidente da Roménia, Klaus Iohannis, crítico do Governo, disse na sexta-feira que “condena firmemente a brutal intervenção da polícia de choque”, que classificou como desproporcionada num protesto que foi maioritariamente pacífico.

Pela estrada fora em direção a Bucareste

Os emigrantes que organizaram a manifestação em Bucareste, capital da Roménia, alguns dos quais atravessaram a Europa de carro para estar presentes, afirmam estar descontentes pela forma como o país está a ser governado, nomeadamente no que diz respeito à luta contra a corrupção desde que o Partido Social Democrata chegou ao poder em 2016.

O movimento organizado pelos romenos na diáspora contou com algum gás graças à ação de grupos de emigrantes como a Federação de Romenos Em Todo o Lado, com sede em Bruxelas. De acordo com o Balkan Insight, este grupo afirma que tentou organizar um protesto para esta sexta-feira, mas não obteve autorização por parte da Câmara Municipal. Em reação, o grupo pediu aos romenos emigrantes que fossem pelo seu próprio pé até Bucareste, de forma individual.

Foi isso que milhares fizeram, com muitos romenos que vivem no estrangeiro a publicarem fotografias nas redes sociais so seu regresso à Roménia. É o caso de uma fotografia partilhada no Facebook de uma série de carros com bandeiras do país — segundo o Romania Insider, a foto terá sido tirada em Dover Port, no Reino Unido.

Cu fiecare km mai aproape si mai multi , va asteptam pe toti sa va alaturati noua , sa incercam sa facem o schimbare in viitorul nostru al tuturor ?????? deja ne simtim in Romania

Posted by Mario Mocan on Tuesday, August 7, 2018

Estima-se que mais de três milhões de romenos vivam fora do país, num movimento de emigração que se acentuou com a entrada do país na UE. Itália e Espanha são os países onde vivem mais cidadãos romenos (1,2 milhões em cada um dos países), seguidos da Alemanha (650 mil) e do Reino Unido (400 mil). Todos juntos, os emigrantes são responsáveis pelo envio de mais de quatro mil milhões de euros por ano em remessas, o equivalente a cerca de 2,5% do PIB nacional.

A principal motivação para abandonar o país prende-se com a corrupção, os baixos salários e a falta de oportunidades. A Roménia é um dos países mais corruptos da UE, estando em antepenúltimo lugar no ranking de corrupção da Transparência Internacional que abrange os países europeus (é ultrapassado apenas pela Hungria e pela Bulgária). Bruxelas também mantém o sistema judicial romeno debaixo de apertada vigilância.

A relação de desconfiança entre os emigrantes e o Estado romeno, contudo, não é nova. Ainda durante as eleições presidenciais de 2014, muitos emigrantes não conseguiram votar devido ao que consideravam ser o reduzido número de assembleias de voto disponíveis na Europa. Essa insatisfação levou à ocorrência de protestos na altura.

Corrupção é pedra no sapato para quem vive dentro e fora da Roménia

O desencanto com a persistente corrupção no país e a reforma judicial do atual Governo de centro-esquerda do PSD — que muitos consideram dificultar a perseguição judicial à corrupção de alto nível — serve de combustível aos protestos desta semana, dinamizados pelos emigrantes.

Não é por acaso que os Vama, uma banda romena liderada por um apoiante dos protestos, lançaram recentemente uma versão da música “In tara in care m-am nascut” (No país onde eu nasci), popularizada pelo cantor Jean Moscopol em 1945, quando foi forçado a sair do país pelo novo regime comunista.

“No seu país, os romenos da diáspora são desprezados pelos políticos que não os conseguem manipular. Exatamente os mesmos políticos que deveriam tornar prioritária a tentativa de fazer regressar os romenos a casa”, escreveu a banda no Youtube, juntamente com o vídeo da canção que alguns apelidam de “hino” destes protestos.

Os emigrantes não são os únicos romenos descontentes com o Governo do PSD. A atual primeira-ministra da Roménia, Viorica Dancila, de 54 anos, a primeira mulher a ocupar esse cargo, é o terceiro chefe de Governo num curto período. A primeira-ministra lidera o Governo apoiado pelos sociais-democratas, mas criticado pela União Europeia. Quando Dancila deu o seu apoio às propostas da reforma judicial, várias manifestações ocorreram nas principais cidades do país. A maior, ocorrida em fevereiro, reuniu mais de 150 mil pessoas, depois de o Governo ter tentado aprovar uma medida que descriminalizava vários crimes de corrupção — acabando por levar a um recuo por parte do Executivo.

Os dois anteriores primeiros-ministros romenos foram demitidos por alegadamente não respeitarem a linha política imposta pelo Partido Social-democrata (PSD, no poder) e em particular por não fornecerem o apoio total à reformulação do sistema judicial.  Mihai Tudose demitiu-se do cargo primeiro-ministro no início de janeiro, após o partido lhe ter retirado o apoio. Tinha substituído Sorin Grindeanu, forçado a abandonar o executivo após um voto de não-confiança apresentado no parlamento pelo seu próprio partido em junho.

Dancilla deverá desempenhar uma função de gestão, com a política governamental a ser decidida pelo líder do PSD, Liviu Dragnea, impedido de assumir o cargo de primeiro-ministro devido a uma condenação por manipulação de resultado eleitoral.